Bailarino fica 8 horas amarrado por guardas após apresentação ao ar livre sobre extermínio de pobres e de negros no Brasil e no mundo. Assustado com o ocorrido, o artista chegou a ser sedado e ainda não entende o que aconteceu
Amarrado durante uma performance ao ar livre em Caxias do Sul na manhã de sábado, o bailarino Igor Cavalcante Medina ainda não entende o que aconteceu.
Sua apresentação “Fim.” fazia parte do 8º Caxias em Movimento e possuía uma autorização por escrito da prefeitura.
No entanto, os três guardas municipais e dois socorristas do Samu que foram até a Praça João Bandeira, no bairro São Pelegrino, não quiseram lhe ouvir. A prefeitura afirma que está apurando os fatos.
“Cheguei no lugar (da apresentação) e a guarda municipal me abordou junto com o Samu. Foram invadindo sem me perguntar nada, já foram chegando. Eu falei que tinha autorização da prefeitura para estar ali, mas não quiseram me escutar. Disseram que eu tinha um surto psicótico. Me amarraram na maca e me colocaram na ambulância. Me deram uma injeção de tranquilizante e fiquei oito horas amarrados no Postão aguardando um psiquiatra atestar que eu estava lúcido”, disse Igor.
“Falei que estava no meio de uma apresentação e não quiseram me escutar. Quando me abordaram eu estava declamando um poema. Se tivessem parado para me ouvir, isso não tinha acontecido. Eu não tinha como reagir porque eram cinco pessoas me segurando. Tentei conversar porque não dava conta de reagir. Na ambulância, um deles pressionou o punho cerrado no meu peito para eu ficar sem fôlego e parar de falar”, relatou o artista.
Quando foi abordado, Medina fazia movimentos com o corpo e declamava uma poesia sobre questões de discriminação racial e social. “Mata, espanca, xinga , mutila, esquarteja, destrói, sangra, mas isso é só se for pobre, preto e sofredor”, dizia um trecho do texto.
Assustado com o ocorrido, o bailarino resolveu deixar a cidade temporariamente. Ele ressalta que cada integrante da Companhia Municipal de Dança ficou responsável por criar um trabalho solo, de temática livre, para apresentar no Caxias em Movimento e que todos os trabalhos foram previamente autorizados pela Prefeitura para serem apresentados nestes locais públicos.
“Ainda estou em choque. Como não temos controle sobre as coisas? Como o outro pode ser um objeto de repressão em nossa vida? Uma simples ação de declamar um poema em praça pública. Ser amarrado, internado por surto psicótico, sem falar com ninguém, sem ninguém ouvir o que você está dizendo”, desabafou.
A polêmica teria iniciado pelo figurino utilizado, que estava envolvido em arame farpado. Medina esclarece que a roupa era segura e a performance não envolvia qualquer tipo de autoflagelação. O traje foi destruído e perdido durante a abordagem.
“Estava trazendo assuntos à tona, como o extermínio de pobres no Brasil e de negros pelo mundo. Estava levantando discussões necessárias. Queremos expor o que está acontecendo e buscar uma forma de diálogo, mas eles estavam em estado de vibração e não queriam me ouvir. Só se interessavam em dizer que eu estava surtado”, lamenta.
A seguir, veja o Release divulgado pelo 8º Caxias em Movimento para promover a apresentação:
O trabalho aborda a violência e põe o corpo em evidência para trazer à tona as diversas formas de brutalidade do cotidiano, sejam elas físicas ou psicológicas. Os corpos vão sendo envenenados até a total desumanização. Será que já não somos nada mais além de um mero pedaço de carne incapaz de sentir, incapaz de resistir, incapaz de se rebelar?
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