Os evangélicos fundamentalistas que estão por trás de todas as batalhas pelo obscurantismo no Brasil usam a Bíblia a seu bel prazer. Há uma história emblemática que eles preferem ignorar, tentam esconder ou fingem desconhecer
Kiko Nogueira, DCM
Os evangélicos fundamentalistas que estão por trás (opa) de todas as batalhas pelo obscurantismo no Brasil usam a Bíblia a seu bel prazer.
A justificativa para a “cura gay”, por exemplo, é baseada em versículos como este do Levítico:
“Se um homem se deitar com outro homem como quem se deita com uma mulher, ambos praticaram um ato repugnante. Terão que ser executados, pois merecem a morte.”
A Primeira Epístola de Paulo aos Coríntios, outro favorito da turma, ensina o seguinte: “Não errais: nem os impuros, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem malakoi, nem arsenokoitai herdarão o reino de Deus”.
Os livros dos felicianos e malafaias traduzem essas palavras gregas como “efeminados e homossexuais”. Traduções mais recentes e criteriosas preferem “pervetores”, “pervertidos” ou “imorais”.
Paulo, que se chamava Saulo e era um devasso antes de se converter cristão, fazia uma referência à licenciosidade do Império Romano sob Nero — o qual, segundo a tradição, o decapitou.
Mas a história que os crentes preferem ignorar é a de Davi e Jônatas, presente em Samuel I e II.
Jônatas era filho do rei Saul de Israel e seu sucessor natural. Mas fez uma aliança com Davi, que acabou sendo escolhido para o trono, o que Jônatas aceitou de coração. “O que tu desejares, eu te farei”, declara.
“Jônatas o amava como à sua própria alma”, diz a Bíblia. Numa cena, ele tira a roupa e se deita com o amado. “Beijaram-se um ao outro”.
É belíssimo — como, aliás, toda a saga de Davi, um homem cheio de contradições, capaz, por exemplo, de mandar um general para o front para poder ficar com a mulher dele, Betsabá.
No sonho da quadrilha crente, as páginas com o amor de Davi e Jônatas seriam queimadas — juntamente com os gays.
Jesus pregou: “E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. A eles não interessam nem a verdade e nem a libertação, muito menos a de si mesmos.
(1SM 18:1-4) “E sucedeu que, acabando ele de falar com Saul, a alma de Jônatas se ligou com a alma de Davi; e Jônatas o amou, como à sua própria alma. E Saul naquele dia o tomou, e não lhe permitiu que voltasse para a casa de seu pai. E Jônatas e Davi fizeram aliança; porque Jônatas o amava como à sua própria alma. E Jônatas se despojou da capa que trazia sobre si, e a deu a Davi, como também as suas vestes, até a sua espada, e o seu arco, e o seu cinto.”
(1SM 20:3) “Então Davi tornou a jurar, e disse: Teu pai sabe muito bem que achei graça em teus olhos; por isso disse: Não saiba isto Jônatas, para que não se magoe. Mas, na verdade, como vive o Senhor, e como vive a tua alma, há apenas um passo entre mim e a morte. E disse Jônatas a Davi: O que disser a tua alma, eu te farei.”
(1SM 20:41) “E, indo-se o moço, levantou-se Davi do lado do sul, e lançou-se sobre o seu rosto em terra, e inclinou-se três vezes; e beijaram-se um ao outro, e choraram juntos, mas Davi chorou muito mais.”
(2SM 1:25-26) “Como caíram os poderosos, no meio da peleja! Jônatas nos teus altos foi morto. Angustiado estou por ti, meu irmão Jônatas; quão amabilíssimo me eras! Mais maravilhoso me era o teu amor do que o amor das mulheres.”
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