“Lei Anticiclovia” sancionada por João Doria chega a afirmar até que a ciclovia da Avenida Paulista prejudica os pedestres, o que deixa claro que nenhuma estrutura escapará do crivo crítico de quem deseja que a cidade continue priorizando a circulação do automóvel
Rodrigo Gomes, RBA
O prefeito da capital paulista, João Doria (PSDB), sancionou na terça-feira (7) a Lei Municipal 16.738/2017, que praticamente liquida com a possibilidade de criação de novas ciclovias na capital paulista. Pela proposta, será preciso realizar estudos de demanda e de impacto viário – sobre os veículos – antes de projetar uma nova via para bicicletas na cidade. Além disso, a proposta altera a Lei Municipal 14.266/2007, determinando que o sistema cicloviário será composto “preferencialmente por faixas compartilhadas e ciclovias”, excluindo as ciclofaixas.
O projeto teve assinatura de toda a base tucana na Câmara Municipal: João Jorge, Adriana Ramalho, Aline Cardoso, Aurélio Nomura, Claudinho de Souza, Eduardo Tuma, Fábio Riva, Gilson Barreto, Mário Covas Neto e Quito Formiga. Para João Jorge, seria melhor investir em educação no trânsito do que promover desperdício de dinheiro público com as ciclovias. “O ciclista se tornou um rival dos demais meios de transportes, mas como culpá-lo se os terminais de ônibus e de metrô não o acolhem? É preciso pensar em soluções de mobilidade urbana”, disse, em entrevista ao jornal Metro.
Desde o início do mandato a gestão Doria declarou guerra às ciclovias. Vários trechos foram apagados, investimentos foram paralisados e a Câmara Temática da Bicicleta do Conselho Municipal de Trânsito e Transporte (CMTT) se tornou um espaço meramente formal, sem qualquer discussão efetiva. A prefeitura anunciou a revisão do Plano Cicloviário da Cidade de São Paulo, sem a participação dos ciclistas.
“A política cicloviária em São Paulo já está esvaziada desde a entrada da atual gestão. Ainda em época de campanha o atual prefeito João Doria se mostrou contrário à expansão da rede e afirmou diversas vezes que iria tirar ‘ciclovias ruins’. A lei do vereador João Jorge, da base governista, nada mais é do que uma afirmação desta visão que contraria a Política Nacional de Mobilidade Urbana e uma tendência mundial”, disse Rene José Rodrigues Fernandes, pesquisador em políticas públicas e diretor da Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo (Ciclocidade).
Segundo o Plano Nacional de Mobilidade Urbana, a prioridade nas vias deve ser concedida aos meios não motorizados, depois ao transporte coletivo e só então aos automóveis particulares. Na capital paulista, segundo a Pesquisa de Mobilidade da Rede Nossa São Paulo, 71% da população é favorável à ampliação da construção de ciclovias e ciclofaixas. Entre os usuários de carro, 67% são a favor.
Dentre as preocupações dos ciclistas está a falta de segurança de transitar em uma via compartilhada com carros, ônibus e caminhões, sem segregação dos ciclistas. “O compartilhamento das vias com veículos automotores é um dos grandes entraves para o aumento do número de ciclistas em qualquer cidade. Você precisa pensar em uma infraestrutura cicloviária que abarque desde crianças que vão para a escola, até idosos”, salientou Fernandes.
Antes a lei dizia: “A faixa compartilhada deve ser utilizada somente em casos especiais para dar continuidade ao sistema cicloviário ou em parques, quando não for possível a construção de ciclovia ou ciclofaixa”. “Na ciclorrota, o ciclista continua exposto aos veículos maiores, como já é em qualquer via da cidade onde não há ciclofaixa ou ciclovia. E em risco maior”, afirmou o ciclista.
A falta de detalhamento da lei também é grave. “A Lei traz alguns pontos bastante preocupantes para a expansão da política cicloviária em São Paulo, que contrariam a Política Nacional de Mobilidade Urbana e o Plano Diretor Estratégico. Apresenta uma série de ressalvas que podem significar uma barreira para a ampliação da infraestrutura cicloviária, ao dar preferência à implementação de ciclorrotas e ciclovias, com restrições vagas como ‘as condições físico-operacionais do tráfego motorizado sejam compatíveis com a circulação de bicicletas’”, disse Fernandes.
Além disso, na avaliação dele, o estudo de demanda não faz sentido em um processo que depende justamente da existência de infraestrutura para que a demanda surja. “Aplicar estudo de demanda só faria sentido caso pudéssemos entender qual é a demanda reprimida em uma determinada via. Olhar os números atuais de uso não tem qualquer sentido. Um exemplo claro disto é a ciclofaixa da Rua da Consolação”, afirmou.
Segundo estudo do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) houve um aumento de 227% no fluxo de ciclistas na Rua da Consolação depois da implantação da estrutura. Além disso, um estudo feito em 2015, por Ciclocidade, Transporte Ativo e Observatório das Metrópoles, registrou uma aumento de 66% no número de pessoas que passaram a utilizar a bicicleta como meio de transporte entre 2014 e 2015. Além de o número de mortes de ciclistas ter sido reduzido em 60% no mesmo período. Já nos primeiros seis meses deste ano, o número de mortes de ciclistas aumentou 75%.
Em sua justificativa, os vereadores alegaram que “vias comerciais inteiras foram afetadas por ciclofaixas sem qualquer demanda”. O diretor da Ciclocidade considera o argumento falso. “Em 2009, a cidade de Nova Iorque construiu suas primeiras ciclovias. Inicialmente, o projeto foi recebido com preocupação pelos comerciantes afetados. Apenas 3 anos depois, um estudo realizado pelo departamento de transportes nova-iorquino constatou um aumento de 49% nas vendas de varejo local perto das pistas de bicicleta recém-criadas, em comparação com um aumento de apenas 3% em toda a cidade”, concluiu Fernandes.
Em nota, a Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes (SMT) disse que defende o estímulo ao uso da bicicleta como alternativa para parte dos deslocamentos dos paulistanos, apostando na integração da malha cicloviária aos mais diferentes modais de transporte disponíveis na cidade.
“Ao contrário do que afirma a Ciclocidade, a legislação sancionada não prioriza o uso de carros. A Lei nº 16.738 segue a política adotada nesta gestão de defender um amplo debate democrático para o planejamento do plano cicloviário. Ação que já vem sendo realizada desde o início do ano com um amplo diálogo com a sociedade, a comunidade de ciclistas, além de comerciantes e representantes das prefeituras regionais para complementar o programa de implantação do Sistema Cicloviário do Município de São Paulo.
Desde janeiro de 2017 já foram realizadas cinco grandes reuniões abertas sobre ciclovias nos bairros da Vila Mariana, na Zona Sul; Cidade Tiradentes, São Miguel e Vila Prudente e Penha, na Zona Leste, além de Pinheiros, na Zona Oeste. Também foram feitas dez reuniões da Câmara Temática de Bicicleta desde o início do ano.
A diretriz da gestão é dar a máxima utilidade às ciclovias existentes, promovendo a interligação da malha cicloviária com terminais de ônibus, do Metrô e da CPTM; fazer parcerias para a expansão da rede atual; e, a partir do diálogo com comunidade e ciclistas, analisar situações pontuais em que se justifique a criação de ciclovias e ciclorrotas.
A SMT ressalta ainda que no último dia 07/09 (feriado da Independência), quando foram inauguradas as ciclofaixas da Avenida Brasil/Sumaré (7,4 km de extensão) e Tiquatira (4,2 km), a cidade de São Paulo passou a contar com 468 km de ciclovias e 121,2 km de ciclofaixas de lazer.“
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