Cultura

As propostas absurdas para o Carnaval

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Enquanto o Carnaval for tratado mais como entretenimento e menos como movimento sociocultural, a população estará refém de políticas públicas equivocadas nesse campo. Os prefeitos João Doria e Marcelo Crivella são apenas mais dois ineptos a tratar do assunto

Augusto Diniz, Jornal GGN

Enquanto o Carnaval for tratado mais como entretenimento e menos como movimento sociocultural, a população estará refém de políticas públicas equivocadas nesse campo. Não são recentes os inúmeros erros na forma que o poder público vê e promove a maior manifestação popular do País.

Os prefeitos de São Paulo, João Dória, e do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, são apenas mais dois ineptos a tratar do assunto. Já se viu de tudo em décadas recentes nessa visão errônea do modelo de realização dos festejos de Momo.

Basta lembrar quando o estilo musical do Carnaval da Bahia denominado axé music surgiu na década de 1980. O gênero foi logo exportado para diversas regiões do País, utilizando uma fórmula simples: um caminhão adaptado com alto-falantes com uma banda tocando o gênero musical, às vezes acompanhada de dançarinos, percorrendo ruas da cidade – não usarei o termo trio elétrico em respeito aos seus verdadeiros criadores, Dodô e Osmar, pois a invenção de ambos da década de 1950 chegou três décadas depois longe de suas origens, principalmente com a venda de camisetas (o famigerado abadá); lembro também que música baiana não é só axé music.

Pois esses bólidos com grupos de axé em cima ocuparam o Carnaval pelo País afora, boa parte com o incentivo do poder público. O resultado foi desastroso. Agremiações carnavalescas, muitas com mais de meio século, se sentiram preteridas pelo governo e pelo público.

Escolas de samba, blocos, cordões, afoxés e outros agrupamentos do Carnaval, principalmente de cidades médias e pequenas pelo País afora, que passavam o ano produzindo fantasias, adereços e carros alegóricos, ensaiando músicos e apresentando músicas, promovendo regularmente encontros comunitários, de repente se viram rejeitados.

Estamos falando da participação de até milhares de pessoas de inúmeras comunidades nos mais variados rincões, ocupadas ao longo do ano com práticas socioculturais em torno do Carnaval – não estou nem tratando do caráter econômico. De forma prática, as atividades envolvem trabalhos diversos de pintura, marcenaria, técnicas de produção artística, costura, figurino, execução de instrumento musical, composição musical, organização e os serviços gerais e de apoio, fora as interações humanas ali realizadas no dia a dia.

Enfim, o Carnaval, no fundo, é um grande promotor de atividades sociais e culturais de uma comunidade. Felizmente essa praga começou a ser revertida em várias cidades, com a proibição desse tipo de apresentação musical (ou a “importação” do Carnaval em detrimento do elemento local), e a volta do incentivo dos agrupamentos comunitários existentes no entorno do Carnaval.

Quando Dória diz (pela enésima vez) querer concentrar o Carnaval de rua de São Paulo em alguma avenida pública; ou Crivella tenta proibir escolas de samba e rodas de se apresentarem em suas comunidades de origem, eles pegam também o caminho contrário do resultado sociocultural positivo que essa manifestação popular brasileira possui.

Ambos acabam impondo o distanciamento das agremiações carnavalescas, seja de qual tamanho for, de suas origens, quando a razão de muitas delas existirem é pela experiência comunitária participativa presente e viva, ali no seu bairro, na sua rua, no galpão da escola, o ano inteiro.

Carnaval tem sim muitos excessos e desvios, e é preciso controle. Não há dúvida que é necessário todo ano discuti-lo para enfrentar seus ciclos de transformação e mudanças de envolvimento social. Mas o princípio de enfraquecer na sua raiz, com ações de dispersão, restrição e proibição, é um pensamento de quem não conhece o País (ou autoritário) – a descentralização e a preservação da autenticidade local são os primeiros atos construtivos.

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