Delmar Bertuol*, Pragmatismo Político
Sou incondicionalmente a favor da livre iniciativa. Pra mim, toda a limitação de permissão de serviços por parte do poder público sob alegação de que não pode haver excesso de oferta é privilegiar uma minoria em detrimento de quem quer empreender e mesmo dos usuários. Não sei se a lei mudou, mas em Porto Alegre, por exemplo, alguém que quisesse comprar um táxi era impedido, pois a Prefeitura alegava que já havia suficiente oferta pra demanda. Os usuários corriqueiros desse serviço eram quase unânimes no reclamar. Sobretudo falavam dos dias de chuva, em que a demora aumentava. Ora, se eu quiser abrir uma lancheria no meu bairro a Prefeitura não vai me impedir alegando que já há suficientes estabelecimentos de alimentação no arredor. Por que, então, outros serviços são regulados em sua quantidade de existência? Por que taxistas são protegidos contra o excesso de concorrência e outros profissionais não?
Assim como o dono do bar, pra conquistar a freguesia, deve oferecer um xis-tudo saboroso e com preço justo, penso que os donos de todos os tipos de negócios também devem aliar preço e qualidade no seu produto e/ou serviço pra se manter e prosperar.
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É mais ou menos o argumento acima que os motoristas de transporte por aplicativo utilizam pra defender a sua atividade.
Uso táxi muito eventualmente. Nunca andei em qualquer transporte por aplicativo. Embora, pelo pouco uso, não tenha tanta legitimidade de depoimento, tenho algumas poucas ressalvas quanto a alguns taxistas – minoria, ressalto -: não me questionaram sobre a temperatura do ar-condicionado; o rádio estava ligado e eu era obrigado a ouvir independente do meu gosto musical; xingamento a outros motoristas; e, mais comumente, ignoraram os centavos na hora do troco. Dispenso balinhas e água.
Que bom que os motoristas de aplicativos, ao que parece, estão fazendo com que os taxistas sejam mais corteses nos seus atendimentos. A concorrência também serve pra elevar o nível dos serviços. Louvável também que eles ofereçam um preço mais atrativo. Isso melhora a mobilidade urbana e contribui, em tese, pro meio ambiente, uma vez que a tendência é de se utilizar menos o carro próprio.
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Ocorre, contudo, que todos esses benefícios não podem ser ao custo da marginalização das leis. Se os taxistas pagam diversas taxas e têm que fazer curso de aperfeiçoamento – o que é muito positivo -, é justo que os motoristas de aplicativos também o façam. Vivemos uma crise de emprego, sim. Mas isso não pode servir como motivo pra que ocorra um processo de precarização do trabalho, sob pena de regredirmos à semelhança da escravidão, pra utilizar um tema em voga. Há que se definir, por exemplo, se os motoristas dessas plataformas são empregados ou não das empresas que as administram. Se sim, que o órgão competente fiscalize as carteiras de trabalho dos motoristas; se não, que se os obrigue a se regularizarem, pagando o INSS como autônomos (essa fiscalização cabe também aos taxistas que fazem “bicos” em táxis alheios).
Os carros-táxis devem passar por vistoria, visando à segurança, ao conforto e ao meio-ambiente e, assim como qualquer atividade, pagam taxas de licenciamento. Por que os transportes por aplicativos seriam isentos dessas obrigações? Repito, qualquer serviço no Brasil tem encargos e fiscalização. O contrário disso é a perigosa e desamparada informalidade.
Talvez o projeto de lei em tela precise dalguns ajustes. Ele é oriundo da Câmara dos Deputados, instituição infelizmente sem credibilidade nenhuma hoje. Mas, se os aplicativos só são baratos porque estão ao largo da legislação, na verdade eles são muito caros à sociedade em médio prazo.
*Delmar Bertuol é escritor, professor de história da rede municipal e estadual e colaborou para Pragmatismo Político
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