Delmar Bertuol*, Pragmatismo Político
Querido Papai Noel. Eu tenho muitas dúvidas de sua existência. Isso desde os meus sete anos, quando o senhor veio na noite de Natal me dar presente. É que depois fiquei sabendo que o senhor estava no mesmo dia e horário na casa dum coleguinha meu.
Pra agravar minha desconfiança, ano passado larguei a chupeta e, mesmo assim, o senhor não atendeu o meu pedido. A “reforma” trabalhista foi aprovada e agora os empregados estão à mercê do lucro dos empresários.
Mas, Papai Noel, minha filha que ainda não entende nada de política – se visse o Fora Temer, era capaz de pensar que se trata dum vampiro de conto de fadas -, acredita mesmo no senhor. E devo dizer, mesmo eu tendo sérias dúvidas quanto à sua existência, o senhor é muito eficaz com as crianças.
É provável que as pedagogas, os psicólogos infantis e qualquer outro profissional que se dedique à tenra idade censure minha atitude. É que não são eles quem, atolados em teorias piagetianas, se desesperam quando as crianças não querem. Não querem comer, não querem tomar banho, não querem parar de colocar comida dentro da gaveta. Os terapeutas infantis que me contrariem, mais pra já que quando a minha filha insiste que o controle remoto é um ser de direito e por isso pode também tomar suco, eu ameaço entrar em contato com o senhor. Pego o telefone e aviso que estou lhe entrando em contato a fim de avisá-lo que não mais precisa vir na noite do dia vinte e quatro. E, como prova que me atendeu, as luzes do pisca-pisca – cuja gerência é sua – não ligam.
O mágico, que Natal é magia mesmo, segundo dizem as propagandas de televisão – nesse caso, quanto mais se gasta nos estabelecimentos, mais extraordinária será a data -, é que funciona. A birrenta que dantes queria ir pra escolinha com o cabelo todo emaranhado, como uma monstrinha – numa fábula, seria a esposa do nosso Presidente(?) -, agora se deixa pentear. Tudo isso na expectativa de não decepcionar o senhor, o Bom Velhinho. Até umas garfadas a mais na couve a gente consegue, se contar o quão contente o senhor fica com as criancinhas que comem saladas. Se é noite, basta uma colherada extra de feijão que, bá, olha lá, fui lá fora e vi o Papai Noel ligar as luzinhas.
Sei que um dia ela vai crescer. E quando entender um pouquinho mais dos acontecimentos que a cerca, também não vai crer no senhor. Ela vai alegar que impossível Papai Noel existir. Se ele existisse, a Reforma (destruição) da Previdência nunca seria aprovada, por exemplo.
Até que ela se torne mais cética, contudo, eu vou usando o seu auxílio. E até nem lhe critico muito. Fazer uma criança comer brócolis tem lá a sua dificuldade, claro. Mas reverter as decisões dum Congresso formado por homens velhos brancos ricos conservadores e corruptos é algo que até pro senhor deve ser difícil.
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Sendo assim, se o senhor existe, receba esta minha cartinha que não é de pedido – com todo respeito, desisti de lhe solicitar e não ser atendido -. É de agradecimento.
Feliz Natal
*Delmar Bertuol é escritor, professor de história da rede municipal e estadual e colaborou para Pragmatismo Político
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