Portaria do trabalho escravo foi moeda de troca para manter Temer no poder, diz MP
Ministério Público revela que a portaria que alterou as definições de trabalho escravo e a retirada do ar da lista suja foram moedas de troca para manter Michel Temer na Presidência da República
O Ministério Público Federal no Distrito Federal (MPF/DF) propôs nesta terça-feira (6) à Justiça ação de improbidade administrativa contra o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira devido à ações que resultaram no enfraquecimento do combate ao trabalho escravo.
Na ação, são citadas a contenção das atividades do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) e da fiscalização do trabalha, a negativa de publicidade da lista suja do trabalho escravo e esvaziamento das discussões da Conatrae (Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo) e a publicação da Portaria nº 1.129/2017, que limitou a definição de trabalho escravo.
O documento destaca que em 2017 foram resgatados 73 trabalhadores nessas condições, 15% do total de 2016 (658) e 10% do total de 2015 (869). Já a média de operações/mês em 2017 caiu mais de 85% em relação às operações de 2015.
O pede como punição as sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa, que incluem perda da função pública e suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, dentre outros.
O documento é assinado pelas procuradoras da República Ana Carolina Roman, Anna Carolina Maia, Marcia Brandão Zollinger, Melina Castro Montoya Flores e o procurador da República Felipe Fritz Braga.
Entenda os pontos principais:
1. Grupo de fiscalização do trabalho escravo
De acordo com a ção, o ministro, “de forma omissa e deliberada“, deixou de repassar os recursos orçamentários necessários para o desempenho das operações do GEFM, apesar do compromisso de incrementar em 20% as ações planejadas de inspeção previsto no Plano Plurianual da União (PPA). Em 2015, foram 155 operações. O número passou para 106 em 2016 e para 18 neste ano.
“Considerando a notória importância das operações de fiscalização e repressão do trabalho escravo, a não disponibilização de recursos para sua continuidade representa evidente e inaceitável retrocesso em quesito sensível de direitos humanos“.
Criado em junho de 1995, tornou-se referência internacional no enfrentamento ao trabalho escravo, com reconhecimento da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O grupo resgatou cerca de 50 mil trabalhadores.
2. Lista suja
Os procuradores destacam a “conduta omissa do ministro” para retardar a divulgação da lista suja do trabalho escravo. Empresas na lista têm restrição de crédito e da própria atividade comercial e o mecanismo é considerado um dos mais emblemáticos e eficazes no combate à escravidão contemporânea.
O cadastro foi divulgado em março de 2017, quase um ano após a data prevista e por decisão judicial. A primeira lista, com 85 empregadores saiu do ar e voltou depois com apenas 68 nomes.
A procuradora Anna Carolina Maia afirma também que a Portaria nº 1.429, de dezembro de 2016, que criou um grupo para estabelece regras sobre a lista “teve caráter protelatório“.”Já havia a portaria interministerial disciplinando o assunto“, argumenta. Segundo a ação, o grupo também distanciou entidades como o Conatrae da discussão e permitiu a elaboração de novas normas sem a participação e acompanhamento dos especialistas.
3. Portaria do trabalho escravo
Sobre a portaria editada em outubro, as procuradoras afirmar que o texto restringe o poder de polícia administrativa dos auditores-fiscais do trabalho e reduz o conceito de trabalho em condições análogas às de escravo por considerar apenas a atividade que for exercida com violência ou restrição à liberdade de locomoção.
De acordo com o Código Penal, o conceito inclui as hipóteses de submissão a trabalhos forçados, jornada exaustiva, condições degradantes de trabalho e restrição da liberdade do trabalhador.
Segundo a portaria, por exemplo, trabalhadores resgatados em AItamira do Pará, em julho, submetidos a uma jornada de trabalho de 14 horas por dia e alojados em barracos de lona, tomando água de um riacho e sem instalações sanitárias, não seriam considerados, trabalhadores em condição análoga à de escravo porque não havia “cerceamento da liberdade de ir e vir“.
A ação destaca que a portaria vai contra normas internacionais e “não guarda nenhuma harmonia com os termos da recente condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil“.
De acordo com os procuradores, não houve um processo administrativo anterior para subsidiar a decisão do ministro e as entidades especializadas, como o Conatrae, não foram consultadas.
Para o Ministério Público, a necessidade de o ministro aprovar a divulgação da lista suja viola o princípio da impessoalidade e a possibilidade de retirar do cadastro empregadores que tenham sido autuados antes da publicação da portaria configura uma “verdadeira anistia“.
Na avaliação dos procuradores, a finalidade da portaria foi atender os interesses da bancada ruralista do Congresso Nacional, de forma a influenciá-los na votação da denúncia contra o presidente Michel Temer e os ministros Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência) e Eliseu Padilha (Casa Civil).
A publicação da portaria no Diário Oficial da União, em 16.10.2017, surtiu efeito imediato na votação ocorrida na CCJ da Câmara dos Deputados, em 18,10.2017 (apenas dois dias depois), para apreciação da denúncia em desfavor do Presidente da República. Dos 39 votos a favor do Governo e do relatório contrário à denúncia, 27 (vinte e sete) vieram de integrantes da Frente Parlamentar da Agropecuária – ou 75% dos votos.
Em nota, o Ministério do Trabalho afirmou que “em nenhum momento houve ou há descaso do Ministério do Trabalho em relação ao combate ao trabalho escravo. Ao contrário, essa prática criminosa é intensamente combatida pela fiscalização do Ministério” e que para a caracterização do ato de improbidade há a necessidade de prova da má-fé e desonestidade do agente político, o que não foi o caso.
De acordo com a pasta, a redução do número de pessoas resgatadas da condição análoga à escravidão mostra a efetividade da fiscalização e as operações do Grupo Especial de Fiscalização Móvel não tiveram descontinuidade porque houve realocação orçamentária.
Marcella Fernandes, HuffPost