Catherine Deneuve pede desculpas a vítimas de assédio após repercussão do manifesto pelo 'direito de importunar dos homens'
“Sim, eu gosto da liberdade. Mas não gosto desta característica do nosso tempo em que todos sentem o direito de julgar, arbitrar, condenar.”
A frase acima é da atriz Catherine Deneuve, 74 anos, em carta enviada ao jornal francês Liberación. Em seu texto, Deneuve explica porque é uma das signatárias do manifesto que critica denúncias de assédio e defende o “direito dos homens de importunar”, além de pedir desculpas a vítimas que sofreram assédio.
O manifesto divulgado na semana passada no jornal Le Monde foi assinado por 100 mulheres francesas e critica duramente as denúncias de assédio e o movimento #MeToo, que ganhou força mundial após o produtor Harvey Weinstein ser denunciado por mais de 30 mulheres.
O texto defende a “liberdade de importunar” dos homens, considerando-a “indispensável à liberdade sexual” e uma verdadeira onda de “puritanismo sexual”, indo de encontro à onda surgida com o caso do produtor de cinema Harvey Weinstein nos Estados Unidos.
O jornal Liberación explica que, após fazer uma entrevista com Deneuve na última sexta-feira (12), pediu uma carta à atriz com a intenção de “ouvir sua voz, saber se ela estava de acordo com a totalidade do manifesto assinado e saber como ela reagiu à repercussão”.
“Nada no texto afirma que o assédio é bom, caso contrário eu não teria assinado”, escreve a atriz, que também critica a forma como o manifesto foi interpretado, inclusive, por algumas das mulheres que apoiaram. No dia seguinte à publicação, Brigitte Lahaie, uma das signatárias, disse que “estupro pode dar prazer” em entrevista a um canal de TV francês ao lado da ativista Caroline De Haas, que respondeu de forma consistente ao manifesto.
“Sim, eu assinei a petição e então, me parece absolutamente necessário hoje enfatizar minha discordância com a forma de como algumas signatárias reivindicaram o direito de se difundir nas mídias, distorcendo o espirito do texto. Dizer em um canal de TV que se pode desfrutar durante um estupro é pior do que cuspir na face de todos os que sofreram este crime. Essaa palavras não só sugerem aos que têm o hábito de usar a força ou a sexualidade para destruir que isso não é tão grave, porque, ao final a vítima tem prazer. Mas quando assinamos um manifesto que envolve outras pessoas, estamos de acordo, evitamos embarcar em sua própria incontinência verbal. É indigno. E, obviamente, nada no texto afirma que o assédio é bom, caso contrário, eu não o teria assinado.”
A atriz também sustenta a crítica ao fato de pessoas serem expostas nas redes sociais, sofrerem “linchamento midiático”:
“Um tempo em que denúncias simples nas redes sociais geram punição, demissões e, às vezes e muitas vezes, linchamentos midiáticos. Um ator pode ser apagado digitalmente de um filme, o diretor de uma grande instituição nova-iorquina pode ser demitido por ter colocado as mãos nas nádegas de alguém há trinta anos sem qualquer outra forma de julgamento. Isso não é desculpa. Eu não posso decidir sobre a culpa desses homens porque não sou qualificada para isso. E poucos são”.
E fala sobre o que chama de “suicídio de inocentes”:
“Sim, não sou inocente, bem mais homens que mulhres, que estão sujeitos a estes comportamentos. Mas no que esta hashtag não é um convite à delação? Quem pode me assegurar que não haverá manipulação ou golpe baixo? Que não haverá suicídios de inocentes? Nós devemos viver juntos, sem “porcos” ou “putas”.”
Na carta, atriz ainda mostra preocupação com “o perigo das limpezas nas artes”.
“Vão queimar Sade? Classificar Leonardo Da Vinci como un artista pedófilo? Tirar os Gauguin dos museus? Destruir os desenhos de Egon Schiele? Proibir os discos de Phil Spector? Este clima de censura me deixa sem voz e preocupada com o futuro de nossas sociedades.”
Ela ainda fala sobre estruturas de poder que “criam situações traumáticas” e que acredita que a solução está em educar “meninos e meninas”:
“Eu sou atriz desde os 17 anos de idade. Naturalmente, posso dizer que testemunhei situações mais do que delicadas, ou que eu sei de histórias de outras atrizes que revelam que os cineastas abusaram covardemente de seu poder. Simplesmente, não sou eu que tenho que falar por elas. O que cria situações traumáticas e insustentáveis é sempre o poder, a posição hierárquica ou uma forma de influência. A armadilha fecha quando se torna impossível dizer não sem arriscar o trabalho, ou sofrer humilhação e sarcasmo degradantes. Então acho que a solução virá de educar nossos meninos e meninas. Mas, possivelmente, também protocolos em empresas, que induzem que, se houver assédio, as acusações são imediatamente cometidas. Eu acredito na justiça”
Deneuve responde às críticas de “não ser feminista” lembrando que foi uma das 343 mulheres — além de Marguerita Duras — que assinaram o manifesto “Eu fiz um aborto”, escrito por Simone de Beauvoir em 1971, e publicado na revista francesa Le Nouvel Observateur:
“Às vezes, fui criticada por não ser feminista. Lembro-me de que eu era uma das 343 putas com Marguerite Duras e Françoise Sagan que assinaram o manifesto “Eu tive um aborto” escrito por Simone de Beauvoir. O aborto foi punido com penalidades e prisões na época. É por isso que eu gostaria de dizer aos conservadores, racistas e tradicionalistas de todos os tipos que acham estratégico me apoiar que não me engano. Eles não terão minha gratidão nem minha amizade, pelo contrário.”
Ao final, o pedido de desculpas:
“Sou uma mulher livre e continuarei assim. Saúdo fraternalmente todas as vítimas de atos odiosos que podem ter se sentido ofendidas por este fórum publicado no “Le Monde”. É para eles e a elas apenas que apresento minhas desculpas.”
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