Os detalhes da cena mais incrível de Meryl Streep em 'The Post - A Guerra Secreta'
Por dentro da cena mais eletrizante de Meryl Streep em 'The Post - A Guerra Secreta'. O diretor de fotografia de Steven Spielberg disseca o telefonema fascinante que mostra como foi feita a história (contém spoilers)
Matthew Jacobs, Huffpost
Todo grande filme de Steven Spielberg é comparado ao último grande filme de Steven Spielberg. Talvez você pense que The Post – A Guerra Secreta, sobre os esforços do jornal The Washington Post para expor as táticas escusas do governo americano na guerra do Vietnã, seja o melhor de Spielberg desde Lincoln, de 2012. Ou Munique, de 2005. Ou você pode voltar mais atrás, para 2002, e considerar The Post o melhor trabalho do cineasta desde Prenda-me se For Capaz ou Minority Report – A Nova Lei. (Sentimos muito por O Terminal.)
O cineasta mais famoso do mundo trabalha com tanta voracidade e consistência criativa que comparar seus sucessos é quase um esforço vão. Mesmo em seus momentos mais fracos, nada chega aos pés do brilho clássico de Spielberg.
Seja qual for a avaliação que você fizer de The Post comparado ao resto da obra de Spielberg, a atração do filme é infinita. Eu o apreciei ainda mais depois de vê-lo pela segunda vez, em especial uma cena que traz um dos telefonemas mais emocionantes já captados na tela: quando Katharine (“Kay”) Graham, a publisher do Post, resolve dar sinal verde para o jornal levar a notícia a público, apesar do mandado impetrado pelo governo Nixon proibindo o New York Times de divulgar a mesma informação.
Esse momento cristaliza o filme inteiro. É como um intervalo para aplausos que deslancha o terceiro ato com pique total.
Tudo de mais importante em The Post pode ser apreendido dessa única interação, que crepita com uma tensão à moda antiga que lembra os dramas dos anos 1970. Graham (Meryl Streep), que herdou o papel de publisher após a morte de seu marido, comanda uma organização dominada por homens. Em junho de 1971, a mesma semana em que o loquaz editor do Post, Ben Bradlee (Tom Hanks), e o repórter especial Ben Bagdikian (Bob Odenkirk), conseguem cópias dos documentos classificados que viriam a ser conhecidos como os Papéis do Pentágono, Graham está fazendo a oferta pública inicial das ações da empresa, colocando as ações à venda ao público geral pela primeira vez. É um processo que mais uma vez a insere em conselhos de direção monopolizados por homens. Se a reportagem-denúncia do The Post for sufocada ou mal recebida, o valor do jornal pode sentir os efeitos. E agora é a Casa Branca, que passou anos ocultando as dimensões da ação militar americana no Vietnã, que está infringindo a Primeira Emenda e ameaçando amordaçar a imprensa. Se o Post publicar os papéis, seus funcionários correrão o risco de ser acusados de desobediência judicial.
Katharine Graham é a pessoa que precisa avaliar esse risco. Será que ela cobra responsabilidade do governo, priorizando o jornalismo intransigente? Ou deve optar por ser uma empresária prudente e proteger os lucros de seu jornal?
Graham, vestindo um cafetã dourado lindo, está promovendo uma festa em sua casa quando seu assessor de confiança, Fritz Beebe (Tracy Letts), telefona para ela da casa de Ben Bradlee. Jornalistas do Post estão vasculhando os documentos sobre o Vietnã, febrilmente preparando um grande furo jornalístico para estampar a primeira página do jornal no dia seguinte. Beebe telefona a Graham para avisá-la. Num esforço dramático para não deixar que Beebe convença Graham a não publicar a reportagem, Ben Bradlee entra na conversa. Enquanto isso, dois dos membros do conselho de direção da empresa de Graham que são contra a publicação dos documentos e por acaso estão na festa (Bradley Whitford e Brent Langdon), participam da conversa através da extensão do telefone na sala da casa. A conversa acaba envolvendo seis pessoas quando, segundos mais tarde, o editor da página de editoriais do Post, Phil Geyelin (Pat Healy), chega para dizer a Graham que dois repórteres estão ameaçando pedir demissão se o artigo não for publicado. A ação corta rapidamente de um participante a outro, num clima de ansiedade crescente. Todos ficam à espera da decisão da publisher.
O diretor de fotografia polonês Janusz Kaminski, que filmou todos os trabalhos de Spielberg desde A Lista de Schindler, de 1993, sabia que The Post seria cheio de “grandes discursos e possivelmente interiores nada interessantes“; por isso, procurou “converter a câmera em participante ativa” da ação. Spielberg é famoso por saber exatamente qual deve ser a cara de seus filmes antes de a produção começar; assim, ele orientou Kaminski sobre como enquadrar Meryl Streep, a verdadeira protagonista, que, durante o telefonema, está sozinha numa sala de trabalho na casa de Katharine Graham.
“Eu digo que podemos publicar; ele diz que não. Você está num dilema“, fala Bradlee categoricamente quando Graham atende ao telefone, descrevendo as posições divergentes dele e de Fritz sobre publicar a reportagem ou não. Colocada sobre uma plataforma construída para o set, a câmera de Kaminski gira para cima e ali paira, deixando Streep pequena, parada, ouvindo o coro de vozes. E então, criando um clima de suspense enquanto a trilha sonora de cordas de John Williams ainda está baixinha, a câmera lentamente descreve um giro de 360 graus em volta de Graham. Esse conceito foi idealizado por Spielberg, e a mobilidade resultante é elétrica. O público olha para ela e observa seus pensamentos, que são evidenciados pela iluminação calorosa da sala, as expressões faciais tensas de Streep e seus gestos de mãos nervosos. Os homens, enquanto isso, são vistos em um ambiente mais escuro, sombrio. A esperança está encarnada em Graham.
Pelo fato de a discussão ao telefone ser intercalada com closes estáticos dos homens do outro lado da linha, aquela tomada aérea de Meryl Streep – mais expansiva, mais revigorante – gera um certo nervosismo. Como a câmera, todo o mundo gira em torno dela.
“As tomadas de Tom Hanks foram feitas com um ângulo maior, de modo que dá para ver a mão dele no quadro“, falou Kaminski na semana passada. “No caso de Tracy Letts, é um pouco mais dramático, porque ele foi a pessoa que ficou mais nervosa com toda a situação. Os outros homens não apoiam a ideia de publicar os papéis porque têm medo de perder dinheiro. Eles têm medo das repercussões legais, por isso aquelas tomadas foram mais formais. Já com Tom, eu não queria ser formal; queria que ficasse mais energizado e um pouco mais nervoso, então foi um pouco mais ativo.”
Num lance genial, a câmera volta a fazer um close sobre Graham quando ela pede uma recomendação de Fritz. “Eu não publicaria“, ele fala, e Kaminski reforça a opinião. A música nervosa atinge um crescendo, criando um clima de suspense mesmo para o espectador que conhece o desenlace histórico do caso. Depois de fazer uma pausa para que Graham possa refletir sobre o feedback dos assessores, a câmera foca o rosto da publisher. De repente ela toma conta do quadro inteiro, como se estivesse reunindo todas suas forças. Antes miniaturizada, agora ela está maximizada. Meryl Streep morde o lábio, solta o ar e finalmente, em um momento de triunfo irrestrito, declara: “Vamos lá, vamos fazer.”
Uma pausa enquanto ela considera suas palavras.
“Vamos, vamos, vamos. Vamos publicar.”
A câmera descreve um giro panorâmico quando ela desliga, autorizando você a soltar a respiração que estava presa na garganta. A história foi feita, e o conflito de Graham foi humanizado.
Diferentemente de alguns diretores, Spielberg não costuma pedir aos atores que façam muitas tomadas. Kaminski disse que acertou a sequência com Streep em quatro ou cinco tentativas, necessárias por razões técnicas, mais que por qualquer coisa ligada à atuação da atriz. Afinal, estamos falando de Meryl Streep. Segundo Kaminski, embora ela tenha modificado o tom ligeiramente a cada vez, ela “dá importância à palavra escrita” e dispensa ajustes. Como ela, Tom Hanks e o resto do elenco mencionaram em entrevistas à imprensa, eles procuraram fazer jus à relevância presciente da história.
“A maior decisão que tomei foi evitar um visual excessivamente de época“, disse Spielberg ao Hollywood Reporter. “Eu queria que o clima do filme fosse muito contemporâneo, como é a história. Queria que as pessoas sentissem que existe um paralelo direto entre o que aconteceu em 1971 – com a administração Nixon e o Washington Post – e o que está acontecendo hoje com a administração atual e o desejo de Trump de controlar a imprensa e a liberdade de expressão. Usei muita luz suave, não direcional. Geralmente gosto de usar uma luz mais áspera, mas neste filme meu objetivo foi fazer uma direção muito discreta.”
Comparado com Prenda-me se For Capaz, um filme de ritmo ágil e urgente que exigiu muitas locações e iluminações complexas, The Post “foi um filme simples de se fazer“, disse Kaminski. No final de fevereiro, Spielberg estava escolhendo o elenco do que pensava que seria seu próximo projeto, The Kidnapping of Edgardo Mortara. Estava tendo dificuldade em encontrar um ator para o papel principal quando seus agentes lhe enviaram o primeiro rascunho de The Post, escrito por Liz Hannah. (Josh Singer, o roteirista de Spotlight – Segredos Revelados, reescreveu o roteiro mais tarde. Ele e Liz Hannah receberam créditos pela versão final.) Spielberg, que está com 71 anos hoje, abandonou o que estava fazendo e imprimiu ritmo de urgência às filmagens, para que The Post pudesse estrear em 2017. As filmagens começaram no final de maio, e o filme estreou em circuito limitado no dia 22 de dezembro. Muitos críticos o consideraram o melhor trabalho de Spielberg desde – isso mesmo! – Lincoln. Ou Munique. Ou Minority Report. Ou [insira seu filme preferido de Spielberg aqui].
“Eu teria filmado este projeto um pouco diferente“, disse Kaminski, refletindo sobre a experiência. “Teria sido um pouco mais frio e sombrio. Mas estávamos fazendo um filme muito transparente; todos eram transparentes. Não senti a necessidade de criar nenhum mistério ali. Eu quis que fosse discreto. Este foi um filme complicado, do ponto de vista da produção. Foi complicado para Steven devido a todos os personagens, todas as atuações, e como manter a integridade de cada atuação e ter tantos quadros. Para mim, às vezes a iluminação ficou um pouco mais geral, especialmente na redação do Washington Post, onde eu sabia que a câmera ia se movimentar muito e eu não pude ser muito específico com a iluminação, senão não poderíamos deixar o diretor livre para olhar para todos os atores, em 360 graus.”
“Mas, tirando isso, foi uma produção muito prazerosa.”
The Post – A Guerra Secreta estreia no Brasil nesta quinta-feira (25).
Assista ao trailer: