Correspondente na Europa há 20 anos e dono de rara bagagem jornalística, Jamil Chade foi preciso e sucinto ao destrinchar a manifestação de Tiago Leifert sobre política e esporte
Ainda está repercutindo o texto de Tiago Leifert com o título de “Evento esportivo não é lugar de manifestação política“, publicado na revista GQ.
O apresentador do Big Brother Brasil defendeu, de maneira clara, que política e esporte não se misturam.
“Não acho justo [o atleta] hackear esse momento, pelo qual está sendo pago, para levar adiante causas pessoais. É para isso que existe a rede social: ali, o jogador faz o que quiser”, escreveu Leifert. “No campo? Ele está para entreter e representar até mesmo os torcedores que votam e pensam diferente.”
Leifert prossegue, alegando que o entretenimento seria um momento sagrado, de “desligamento da realidade”. “Precisamos imunizar o pouco espaço que ainda temos de diversão”, conclui ele.
Que lindo, não é mesmo? Pena que, na prática, ninguém imunize este “pouco espaço”.
Mas, se o lazer fosse mesmo sagrado, os estádios de futebol não exibiriam anúncios nas laterais do campo. Tampouco os jogadores ostentariam os logos dos patrocinadores em suas camisetas. Menos ainda, os locutores intermeariam a transmissão da partida com chamadas para programas da própria emissora.
Resposta
Correspondente na Europa há 20 anos e dono de rara bagagem jornalística, Jamil Chade foi preciso e sucinto ao destrinchar a manifestação de Tiago Leifert sobre política e esporte.
Assim como Walter Casagrande (leia aqui), Chade cita pequenos exemplos para cravar que é impossível — e até ingênuo — desvincular a política do esporte.
“A CBF financiava campanhas eleitorais, sedes da copa foram escolhidas politicamente, BNDES pagou por quase tudo, cúmplices de cartolas estão no Congresso Nacional, vice da CBF se chama Sarney e presidentes de clubes são deputados. Mas, não, futebol e política não se misturam”, ironizou.
Argélia teve seleção para promover sua independência, jogadores da resistência percorreram o mundo para financiar republicanos contra Franco, Spartak se transformou em maior inimigo de Stálin, Dínamo Kiev foi executado depois de bater SS. Mas não, política e futebol não se misturam”, prosseguiu.
Nunca é demais lembrar que a própria Globo, empregadora de Tiago, age politicamente quando consegue se perpetuar com o monopólio dos direitos sobre o esporte brasileiro, sobretudo o futebol.
Como, então, ‘política e esporte não se misturam’ — frase cravada for Leifert?
Por fim, Jamil postou um tweet com algumas imagens que acompanhavam a seguinte legenda: “Em jogo, muito mais que o futebol”.
Juca Kfouri
Em entrevista ao EL País, o jornalista Juca Kfouri também comentou o texto de Tiago Leifert:
“Nós sofremos da leifertização do jornalismo esportivo. É muita gracinha. Briga-se pra saber quem é mais engraçadinho, quem faz a melhor piada. Não estou pregando o mau humor, é bom dar risada. Mas tem uma hora pra rir e uma hora pra chorar. Não podemos eliminar o que há de sério no esporte, porque as coisas se misturam, são faces da mesma moeda. Não dá para pensar o Brasil sem pensar o futebol brasileiro. Não dá pra pensar o futebol brasileiro sem pensar na política, na supraestrutura do Brasil”, afirmou.
Juca Kfouri entende que o esporte como um todo está diretamente atrelado a questões políticas e sociais. Entretanto, ele faz uma ponderação sobre a exigência de posicionamentos além da bola de jogadores de futebol.
O jornalista lembra que a Democracia Corintiana, por exemplo, que marcou época na década de 80, contou com o aval de dirigentes do Corinthians para romper padrões de comportamento e levar mensagens políticas aos estádios.
“Via de regra, o atleta está tão voltado para a competição, em um período tão curto de sua vida, que realmente não olha para o resto do país. Mas, ao longo da minha vida, aprendi a não exigir heroísmo com o pescoço alheio. A sociedade está quieta e a gente quer que os jogadores se manifestem? Quantos jornalistas criticam o patrão na empresa jornalística em que trabalham? Por que vamos exigir só dos jogadores de futebol? Sem contar que a esmagadora maioria deles ainda é vítima do sistema educacional brasileiro. O Paulo André fez isso. Acabou exportado para a China contra a própria vontade”, disse Kfouri.
PS.: Com viagens a mais de 70 países, Jamil Chade percorreu trilhas com imigrantes, visitou acampamentos de refugiados na Europa, África e Oriente Médio e entrevistou membros de governos acusados de crimes de guerra. Correspondente na Europa há quase 20 anos, Chade foi eleito um dos 40 jornalistas mais admirados do Brasil e melhor correspondente brasileiro no exterior em duas ocasiões. Chade faz parte de uma rede de especialistas no combate à corrupção organizada pela Transparência Internacional. Nos últimos dez anos, Chade publicou cinco livros no Brasil e nos EUA. Dois deles foram finalistas do Prêmio Jabuti. Na Suíça, também recebeu o prêmio Nicolas Bouvier por sua obra sobre a fome.
Acompanhe Pragmatismo Político no Twitter e no Facebook