Vantagens de Sergio Moro não se resumem a auxílio-moradia. Número elevado de benefícios revela a extravagância e os excessos de uma casta privilegiada
Daniel Giovanaz, Brasil de Fato
Há três semanas, o jornal Folha de S. Paulo revelou que o juiz de primeira instância Sérgio Moro, conhecido por julgar processos da Operação Lava Jato em Curitiba, é dono de um imóvel na cidade e recebe R$ 4.378,00 por mês como “auxílio-moradia”. O apartamento em que ele vive com a esposa, no bairro Bacacheri, tem 256 m² e foi adquirido em 2002 por R$ 173,9 mil.
A informação divulgada pelo jornal provocou manifestações de repúdio e trouxe à tona a insatisfação da população brasileira com os privilégios dos membros do Poder Judiciário. Porém, o auxílio-moradia não é ilegal, e está disponível a todos os juízes do país – mesmo àqueles que têm um ou mais imóveis nos municípios onde atuam.
Só recebe quem quer
Sérgio Moro faz uso de uma liminar assinada em setembro de 2014 por Luiz Fux, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão encontra respaldo na Lei nº 5.809, de 1972, e no artigo 65 da Lei Orgânica da Magistratura (Loman), que prevê “ajuda de custo, para moradia, nas localidades em que não houver residência oficial à disposição do magistrado“.
Para que o auxílio-moradia seja incluído nos vencimentos mensais, cada juiz deve fazer uma solicitação formal. Ou seja, não é um benefício automático ou compulsório. Essa exigência está prevista na resolução 199 do Conselho Nacional de Justiça, publicada um mês após a decisão de Fux, em 2014.
Por exemplo, os magistrados que atuam no Paraná, no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, como Sérgio Moro, foram instruídos a preencher um formulário interno do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), caso desejassem receber o valor estipulado na liminar. Nos três estados, apenas dez juízes não fizeram a solicitação.
O pagamento de auxílio-moradia a juízes na jurisdição territorial do TRF-4 representa para o país um gasto anual de R$ 21,4 milhões, segundo dados de 2017.
Outro lado
No mesmo dia em que a reportagem da Folha de S. Paulo foi publicada, Moro afirmou ao jornal O Globo que o auxílio-moradia, “embora discutível, compensa a falta de reajuste dos vencimentos desde 1º de janeiro de 2015 e que, pela lei, deveriam ser anualmente reajustados”.
Acima do teto?
A razão da polêmica é que não só o auxílio-moradia, como outras vantagens e indenizações recebidas pelos juízes federais, são desprezadas no cálculo do teto salarial do funcionalismo público – que é delimitado pelos vencimentos dos juízes do STF, e hoje equivale a R$ 33.293,38 por mês.
“Parcelas claramente de caráter remuneratório são rotuladas de indenizatória para fugir do abate-teto [cortes previstos em lei para adequar salários ao teto constitucional]”, denunciou o procurador Carlos André Studart Pereira, em artigo publicado em 2015 a pedido da Associação Nacional dos Procuradores Federais (Anafe).
Studart Pereira trabalha na Advocacia-Geral da União (AGU) e é autor do pedido de acesso à informação que revelou o auxílio-moradia “duplo” recebido por Marcelo Bretas, juiz da Lava Jato no Rio de Janeiro. A esposa de Bretas, Simone de Fátima Diniz, também é juíza e recebe o benefício: os dois moram na mesma casa.
Os benefícios
A remuneração dos juízes federais é uma informação pública, disponível mês a mês para consulta na internet.
Conforme a sugestão de leitores, a reportagem do Brasil de Fato tomou como ponto de partida os contracheques do juiz Sérgio Moro para demonstrar quanto os auxílios e verbas indenizatórias podem representar ao final de um mês de trabalho.
Os benefícios, para além do salário bruto, não aparecem discriminados no contracheque. Eles são divulgados sob dois “guarda-chuvas”, que consistem em:
1) Indenizações: auxílio-alimentação, auxílio-transporte, auxílio pré-escolar, auxílio-saúde, auxílio-natalidade, auxílio-moradia e ajudas de custo.
2) Vantagens eventuais: adicional de 1/3 de férias, antecipação de férias, gratificação natalina, antecipação de gratificação natalina, serviço extraordinário, substituição, convocação, pagamentos retroativos ou gratificação de acúmulo de jurisdição.
No gráfico abaixo foram selecionados oito contracheques, desde janeiro de 2016, em que a soma das vantagens eventuais e indenizações superam o valor fixo de R$ 28.947,55 – subsídio que Sérgio Moro recebe ao final de cada mês.
Em 16 ocasiões, nos últimos dois anos, foram aplicados descontos para que os pagamentos ao magistrado não extrapolassem o teto constitucional. Esses descontos não foram suficientes para impedir recebimentos acima da remuneração dos juízes do STF, conforme demonstrado a seguir.
Constatações
Os descontos incluídos na tabela se referem a imposto de renda e contribuições com a Previdência Social. Nos meses de dezembro e janeiro, é preciso levar em conta o recebimento de gratificações natalinas e do 13º salário, direito de todo trabalhador brasileiro.
Nos dois últimos anos, Sérgio Moro recebeu em média R$ 36.131,78 ao final de cada mês.
Os valores apresentados no gráfico e na tabela não configuram nenhuma ilegalidade, justamente porque os descontos para adequação ao teto constitucional ignoram as chamadas indenizações e vantagens eventuais. Porém, segundo o artigo 117 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, “os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadorias que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes”.
Uma casta privilegiada?
Os pesquisadores Luciano Da Ros, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e Matthew Taylor, da American University, afirmam com base em dados de 2014 que o Poder Judiciário consome 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. No artigo “O custo da Justiça no Brasil: uma análise exploratória”, eles afirmam que o valor não passa de 0,32% do PIB na Alemanha, 0,34% na Venezuela e 0,13% na Argentina.
O teto salarial dos juízes no Brasil é quase 16 vezes maior que a renda média dos cidadãos. Nos países da União Europeia, a proporção é inferior a cinco.
O ministro Luiz Fux liberou a liminar do auxílio-moradia para ser julgada pelos 11 ministros do STF no final de 2017. A presidente da Corte, Cármen Lúcia, informou que pretende pautar o assunto em março. Rodrigo Maia (DEM), presidente da Câmara dos Deputados, também promete votar no mês que vem a regulamentação da concessão de auxílio-moradia para membros dos Três Poderes.
A Associação dos Juízes Federais (Ajufe) trabalha para adiar a votação e manter o pagamento do benefício conforme a liminar de 2014.
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