Aprovada no Congresso, a legislação sobre as eleições de 2018 proíbe expressamente a campanha paga na Internet. Entretanto, os deputados abriram duas exceções: uma para o Facebook e outra para o Google. Entenda
Sergio Amadeu da Silveira*, Revista Fórum
A legislação sobre as eleições de 2018, aprovada no Congresso no final do ano passado, proíbe expressamente a campanha paga na Internet. Estará cometendo crime eleitoral o candidato ou partido que colocar um banner ou um conteúdo pago nos portais, blogs e sites brasileiros. Entretanto, os deputados abriram duas exceções: uma para o Facebook e outra para o Google. Como assim? Está permitido realizar propaganda paga apenas nessas plataformas?
O artigo 57-C da lei eleitoral diz o seguinte: “É vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, excetuado o impulsionamento de conteúdos, desde que identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente por partidos, coligações e candidatos e seus representantes”.
A expressão “impulsionamento de conteúdo” foi popularizada pelo Facebook. Quem possui páginas na plataforma do Zuckerberg sabe que eles oferecem para todos os usuários o impulsionamento das publicações mediante pagamento. Os portais ou blogs brasileiros não possuem mecanismo de impulsionamento de conteúdos. Mas o que é efetivamente o tal impulsionamento? Trata-se da distribuição de um conteúdo, seja escrito, sonoro ou um vídeo na rede social.
O Facebook é gerenciado por algoritmos que não permitem que todos os seguidores de uma página visualizem o conteúdo que foi publicado. O algoritmo escolhe um percentual mínimo de pessoas que poderá ver um conteúdo publicado. Mas, os responsáveis pela página ou pelo perfil podem pagar para que todos vejam. Pode ainda escolher determinados públicos que receberão em sua timeline o conteúdo pago, ou seja, impulsionado.
Espere aí. Quer dizer que os deputados aprovaram uma lei que proíbe propaganda paga na televisão, no rádio, nos portais, nos blogs, menos no Facebook? Sim. A lógica de proibir propaganda paga na TV, por exemplo, segue o princípio de coibir ou reduzir o poder econômico. Todavia, esse princípio foi abandonado no caso do Facebook. Os algoritmos da plataforma com sede nos EUA são obscuros, não sabemos como funcionam. O candidato que não tiver recursos para impulsionar seus conteúdos terá um freio algorítmico do que publicou. A própria plataforma divulgou aos quatro cantos que irá reduzir a circulação de notícias e postagens que não sejam “família”. Na verdade, quem pagar terá seu conteúdo visto pelo público-alvo escolhido. Se não pagar, o algoritmo definirá o número de pessoas que poderá ver a publicação.
Não é possível? É sim. Como não dá para beneficiar o Facebook desconsiderando a existência do Google, o legislador tomou um grande cuidado de garantir que a propaganda paga também possa ser destinada para o gigante da economia informacional, também com sede nos Estados Unidos. Veja o artigo feito para contemplar o Google: “Art. 26. (…) § 2o. Para os fins desta Lei, inclui-se entre as formas de impulsionamento de conteúdo a priorização paga de conteúdos resultantes de aplicações de busca na internet”.
Como podemos notar, impulsionar conteúdos para o legislador brasileiro é também vender os resultados de uma busca ou “priorizar” o conteúdo que você verá primeiro na lista de resultados. Permitir a venda de resultados de busca nas eleições deveria ser crime eleitoral. Mesmo que o buscador seja obrigado a informar que aquele resultado foi pago nos deparamos com o efeito “bula de remédio”. Isso quer dizer que a maioria das pessoas não irá reparar que a hierarquia dos resultados foi alterada.
Para completar os absurdos, sugiro que leia com atenção esse parágrafo do artigo 57-B da lei em vigor: “§ 3o É vedada a utilização de impulsionamento de conteúdos e ferramentas digitais não disponibilizadas pelo provedor da aplicação de internet, ainda que gratuitas, para alterar o teor ou a repercussão de propaganda eleitoral, tanto próprios quanto de terceiros”. Se um candidato com apoio de amigos da computação, hackers, geeks e makers fizerem uma ferramenta de distribuição de conteúdos estarão violando a lei. Você só pode usar ferramentas oferecidas pelo “provedor de aplicação da internet”, ou seja, pelas empresas que vendem impulsionamento.
Bom, a pergunta é como enfrentar esses absurdos? Outra pergunta é será que o Facebook e o Google fizeram lobby para aprovar essa lei? Como não cabe aqui ilações, deixemos as acusações baseadas em convicção para a equipe da Lava Jato. Concretamente, se você tem um blog ou um site sugiro que você crie um mecanismo de circulação de conteúdos entre os seus leitores. Um site ou um blog é uma aplicação da Internet. Como não dava para dizer que nas eleições, só valeria fazer propaganda paga no Facebook e no Google, eles tiveram que falar “só é permitido impulsionar conteúdo e priorizar resultados de busca”. Isso é genérico. Vamos utilizar a boa técnica do hacking. Os blogs e sites de empresas nacionais de comunicação podem montar redes e chamar isso de impulsionamento de conteúdos. Em seguida, será necessário montar um sistema rigoroso e transparente de informação da Justiça Eleitoral para informar quem está impulsionando o conteúdo pago. Pronto, o hacking funciona. Não vamos permitir que apenas duas plataformas dominem a visualização de conteúdos e a propaganda na internet. Acho que os deputados foram longe demais no entreguismo e na priorização do poder econômico invisibilizado pelos algoritmos.
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*Sergio Amadeu da Silveira é pesquisador do mundo digital e professor da UFABC.
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