Justiça

“Ele pediu desculpas como quem rasgou uma camisa”

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O primeiro dia do julgamento do ex-deputado Carli Filho foi marcado por um pedido de desculpas "meia sola" do réu e por confusão entre as famílias das vítimas e do acusado. Segundo dia de julgamento promete ser ainda mais pesado

Chegada do ex-deputado Carli Filho (esq) no Tribunal do Júri para o primeiro dia de julgamento

O primeiro dia do julgamento de Carli Filho, ex-deputado paranaense que matou dois jovens no trânsito, foi marcado por um pedido de desculpas “meia sola” do réu e pela emoção da mãe de um dos garotos mortos.

“Ele [Carli Filho] pediu desculpas como quem rasgou uma camisa. ‘Desculpa mãe, matei seu filho. Desculpa mãe, rasguei uma camisa’. Eu achava que ele ia se levantar, me dar um abraço e pedir perdão. ‘Perdão mãe, eu errei’. Você acha que eu não ia perdoá-lo?”, desabafou Christiane Yared, mãe de Gilmar Yared, após o primeiro dia de julgamento nesta terça-feira (27).

O ex-deputado Luiz Fernando Ribas Carli Filho encerrou seu depoimento no Tribunal do Júri na noite de ontem. Ele é acusado de duplo homicídio com dolo eventual, quando o réu assume o risco de matar.

Falando ao juiz e respondendo a perguntas do Ministério Público, Carli Filho admitiu ter cometido o “maior erro da vida” naquela noite.

“Eu bebi. Eu dirigi. Assumo minha parcela de culpa. Sou culpado, mas nunca tive a intenção de matar ninguém”, disse, para em seguida virar-se para Christiane e Vera Lúcia de Carvalho, mãe de Carlos Murilo de Almeida, 20 anos, a outra vítima do acidente e pedir desculpas.

“Eu sei que eu nunca tive a oportunidade de pedir desculpa para a dona Christiane e para a dona Vera. Quero hoje poder pedir desculpas pelo que eu causei.”

Após a morte do filho, Christiane fundou uma ONG para combater a violência e a impunidade no trânsito. Em 2014, ela foi eleita a deputada federal mais votada do Paraná com 200 mil votos.

Confusão

No primeiro dia, foram ouvidas seis testemunhas arroladas pela defesa e pela acusação, e o próprio réu. Abalada com imagens do acidente, que ainda não tinha visto, Christiane não conteve o choro e desabafou:

“Não tem vencedor, não há vencedor (no julgamento)… o filho morto eu não trago de volta. Eu posso chorar, ver as imagens, ficar chocada de ver… eu não tinha visto essas imagens, mas eu sei que nós precisamos lutar pelos filhos vivos”, disse, explicando de onde tirar forças para lutar pela mudança da “cultura do trânsito brasileiro em que é considerado normal beber e dirigir”.

“Esse juri vai ser um divisor de águas… A justiça não é para os mortos, é para os vivos”.

Durante o intervalo da audiência, uma tia de Carli Filho, que não se identificou, pediu a Yared que perdoe o sobrinho.

“Perdoe, vai falar com a mãe dele e o pai… Você promete? Ele não teve intenção de causar o acidente… não saiu de casa para matar… Seu filho morreu, mas foi um acidente… e se fosse seu filho?”, questionou a tia.

O pedido causou revolta. Yared argumentou que nunca recebeu o pedido de perdão, apesar do vídeo que foi publicado pelo réu nas redes sociais.

“Carli Filho não me pediu perdão. Ele não pediu perdão a mim, ele pediu perdão a uma rede social. Ele pediu perdão para tentar melhorar a imagem dele perante a sociedade. Perdão se pede olhando nos olhos, chorando e abraçando”, afirmou.

Segundo dia de julgamento

O segundo dia do julgamento já está em andamento nesta quarta-feira (28) e Christiane Yared afirmou que espera um ambiente ainda mais pesado se comparado a ontem, quando foram ouvidas as testemunhas e o réu.

“Peço à Deus que nos dê forças para aguentar porque são dias horríveis, nós revivemos toda aquela dor e angústia. A todo momento que eu e meu esposo conseguíamos tentar descansar nós acordávamos naqueles solavancos. Eu com aquela imagem que eu vi do meu filho com a cabeça nos joelhos. Foi uma coisa desumana, mas necessária”, afirmou.

Relembre o caso

O acidente ocorreu na madrugada do dia 7 de maio de 2009, em uma rua que liga o Mossunguê (um dos bairros mais caros de Curitiba) ao centro da cidade. Horas antes, o então deputado estadual Carli Filho havia jantado e bebido, primeiro com familiares e depois com um casal de amigos. Pelo menos três garrafas de vinho foram consumidas em uma mesa com três pessoas.

Carli Filho deixou o local bêbado, conforme o relato de Altevir Santos, funcionário do restaurante. Chegou a entrar no carro do seu médico e amigo pessoal Eduardo Missel da Silva. Combinaram, segundo o depoimento de Missel, que Daniela Daretti, namorada do médico, iria dirigir por ter bebido menos. O casal levaria Carli Filho para casa e o ex-deputado pegaria seu carro no estacionamento apenas no outro dia.

O combinado, porém, durou segundos. Ele saltou do banco de passageiros do carro dos amigos. Ao sair, tropeçou e precisou ser amparado por Altevir. Desvencilhou-se do porteiro e entrou em seu carro, um Passat Variant. Com a carteira suspensa com mais de 130 pontos e 30 multas, deixou o local bêbado e em alta velocidade.

O inquérito policial indica que o ex-deputado dirigia entre 161km/h e 173 km/h no momento da colisão e que seu Passat teria alçado voo, atingindo a metade de cima do Honda Fit.

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