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Os 10 pontos que explicam o Novo Sistema Mundial e como podemos intervir

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Novo Sistema Mundial pode ser explicado em 10 pontos. Precisamos tomar consciência das rápidas evoluções em curso e refletir sobre a possibilidade de que cada um de nós pode intervir de alguma forma

Ignacio Ramonet (reprodução)

Ignacio Ramonet*, Carta Maior

Como é o Novo Sistema Mundial? Quais são suas principais características? Que dinâmicas estão determinando o funcionamento real do nosso planeta? Que características dominarão os próximos 15 anos, de aqui até 2030?

Para tentar descrever este Novo Sistema Mundial e prever seu futuro imediato, vamos a utilizar a bússola da geopolítica, uma disciplina que nos permite compreender o jogo das potências e avaliar os principais riscos e perigos. Para antecipar, como num tabuleiro de xadrez, os movimentos de cada potencial adversário.

O que essa bússola nos diz?

O declínio do Ocidente

A principal constatação é o declínio do Ocidente. Pela primeira vez desde o Século XV, os países ocidentais estão perdendo poderio diante da ascensão das novas potências emergentes. Começa a fase final de um ciclo de cinco séculos de dominação ocidental do mundo. A liderança internacional dos Estados Unidos se vê ameaçado hoje pelo surgimento de novos polos de poder (China, Rússia, Índia) a escala internacional. O “rebaixamento estratégico” dos Estados Unidos já começou. O “século americano” parece chegar ao fim, ao mesmo tempo em que vai se desvanecendo o “sonho europeu”…

Embora os Estados Unidos continuem sendo uma das principais potências planetárias, está perdendo sua hegemonia econômica paulatinamente, com o crescimento da China, e já não exercerá sua “hegemonia militar solitária” como fez desde o fim da Guerra Fria. Caminhamos em direção a um mundo multipolar, no qual os novos atores (China, Rússia e Índia) têm vocação de constituir sólidos polos regionais para disputar a supremacia internacional com Washington e seus aliados históricos (Reino Unido, França, Alemanha, Japão).

Na terceira linha aparecem as potências intermediárias, com demografias em alta e fortes taxas de crescimento econômico, que podem se transformar também em polos hegemônicos regionais, com talvez, se mantiverem essa tendência nos próximos quinze anos, em um grupo de influência planetária. São os casos de Indonésia, Brasil, Vietnã, Turquia, Nigéria e Etiópia.

Para se ter uma ideia da importância e da rapidez da queda de prestígio do Ocidente, basta observar estas duas cifras: parte dos países ocidentais que hoje representam 56% da economia mundial serão apenas 25% em 2030 – em menos de quinze anos, o Ocidente perderá mais da metade de sua preponderância econômica. Uma das principais consequências disso é que os Estados Unidos e seus aliados já não terão os meios financeiros para assumir o rol de guardiães do mundo. Desse modo, esta mudança estrutural poderia debilitar o Ocidente de forma duradoura.

O inabalável crescimento da China

O mundo se “desocidentaliza” rapidamente, e é cada vez mais multipolar. Nesse cenário, se destaca, uma vez mais, o papel da China, que emerge como a grande potência do Século XXI. Embora a China se encontre ainda longe de representar um autêntico rival para Washington, por enquanto. Em parte, a estabilidade do novo candidato a império não está garantida, porque coexistem em seu seio o capitalismo mais salvagem e o comunismo mais autoritário. A tensão entre essas duas dinâmicas causará, cedo ou tarde, uma quebra que poderia debilitar o seu poder.

De qualquer forma, neste 2016, os Estados Unidos continuam exercendo uma indiscutível dominação hegemônica sobre o planeta. Tanto em termos de domínio militar (fundamental) como em vários outros setores cada vez mais determinantes: em particular, o tecnológico (Internet) e o soft power (cultura de massas). O que não significa que a China não tenha realizado prodigiosos avanços nos últimos trinta anos. Nunca na história, nenhum país cresceu tanto em tão pouco tempo.

Por enquanto, o poder dos Estados Unidos está em declínio, e o da China em ascensão inabalável. Já é a segunda potência econômica do mundo, superando o Japão e a Alemanha.

Para Washington, a Ásia é agora uma zona prioritária, e o presidente Barack Obama decidiu reorientar a estratégia de sua política exterior. Os Estados Unidos tenta frear a expansão da China no continente, cercando-a com bases militares e se apoiando em seus sócios locais tradicionais: Japão, Coreia do Sul, Taiwan, Filipinas. É significativo que a primeira viagem de Barack Obama, depois de reeleito em 2012, tenha sido uma turnê por Birmânia, Cambodja e Tailândia, três Estados da Associação de Nações do Sudeste da Ásia Sudeste (ASEAN, por sua sigla em inglês), uma organização que reúne os aliados de Washington na região, a maioria deles com problemas de limites marítimos com Pequim.

Os mares da China se tornaram as zonas de maior potencial de conflito armado da área Ásia-Pacífico. As maiores tensões entre Pequim e Tóquio têm a ver com a soberania das Ilhas Senkaku – Diaoyú para os chineses. Também há disputas com o Vietnã e as Filipinas, sobre a propriedade das Ilhas Spratly, um conflito que vem crescendo gradualmente. A China está trabalhando para modernizar o arsenal de sua marinha. Em 2012, lançou seu primeiro porta-aviões, o Liaoning, e está construindo um segundo, com a intenção de intimidar a Washington. Pequim suporta cada vez menos a presencia militar dos Estados Unidos na Ásia. Entre estos dois gigantes, se está instalando uma perigosa “desconfiança estratégica” que, sem sombra de dúvidas, poderia marcar a política internacional da região daqui até 2030.

O terrorismo jihadista

Outra das ameaças globais que nossa bússola indica é o terrorismo jihadista praticado pela Al Qaeda e pela organização Estado Islâmico (ISIS, por sua sigla em inglês). As principais causas desse terrorismo jihadista atual são os desastrosos erros e os crimes cometidos pelas potências ocidentais que invadiram o Iraque em 2003, além dos disparates nas intervenções armadas na Líbia (2011) e na Síria (2014).

No Oriente Médio continua sendo o foco de conflito mais perturbador do mundo. Particularmente, em torno da inexplicável guerra civil na Síria. Está claro as grandes potências ocidentais (Estados Unidos, Reino Unido, França), aliadas aos Estados que mais difundem pelo mundo a concepção arcaica e retrógrada do Islã (Arábia Saudita, Qatar e Turquia), decidiram apoiar, com dinheiro, armas e instrutores, as milícias insurgentes sunitas. Os Estados Unidos constituiu nessa região um amplo “eixo sunita”, com o objetivo de derrubar Bashar al-Assad e despojar o Irã de um grande aliado regional. Mas o governo de Bashar al-Assad, com o apoio da Rússia e do Irã, vem resistindo, e continua se consolidando. O resultado de tantos erros é o terrorismo jihadista atual que multiplica os atentados odiosos contra civis inocentes na Europa e nos Estados Unidos.

Algumas capitais ocidentais continuam pensando que a potência militar massiva é suficiente para conter o terrorismo. Porém, na história militar, abundam os exemplos de grandes potências incapazes de derrotar adversários mais fracos. Basta recordar os fracassos norte-americanos no Vietnã, nos Anos 70, ou na Somália, nos Anos 90. Num combate assimétrico, aquele que pode mais, não necessariamente vence. O historiador Eric Hobsbawm recordava que “na Irlanda do Norte, durante cerca de trinta anos, o poder britânico se mostrou incapaz de derrotar um exército tão minúsculo como o IRA, que certamente nunca esteve em vantagem no conflito, mas tampouco foi vencido”.

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Os conflitos em que o mais forte enfrenta o mais fraco em terreno são fáceis de iniciar, mas não de terminar. O uso massivo de meios militares pesados não significa necessariamente alcançar os objetivos buscados.

A luta contra o terrorismo também está autorizando, em matéria de governação e política interior, todas as medidas autoritárias e todos os excessos, inclusive uma versão moderna do “autoritarismo democrático” que tem como principal alvo não as organizações terroristas em sia mas sim os grupos insubmissos e insurgentes que se opõem a las políticas globalizadoras e neoliberais em certas regiões do mundo.

A crise será longa…

Outra constatação importante: os países ricos continuam padecendo pelas consequências do terremoto econômico-financeiro que foi crise de 2008. Pela primeira vez, a União Europeia vê sua coesão e até a sua existência sob ameaça – situação confirmada pelo “brexit”. Na Europa, a crise econômica durará ao menos uma década mais, ou seja, até pelo menos 2025…

As crises, em qualquer setor, acontecem quando algum mecanismo deixa de atuar como o esperado, começa a ceder, até que se quebra. Essa ruptura impede que o conjunto das máquinas continue funcionando. É o que está ocorrendo na economia mundial desde que estourou a crise do subprime, em 2007-2008.

As repercussões sociais desse cataclismo econômico têm sido de uma brutalidade inédita: 23 milhões de desempregados na União Europeia e mais de 80 milhões de pobres… Os jovens em particular são as vítimas principais; gerações sem futuro. Mas as classes médias também estão assustadas, porque o modelo neoliberal de crescimento as abandona à margem do caminho.

A velocidade da economia e do mercado financeiro hoje é como a de um relâmpago, enquanto a velocidade da política se parece à de um caracol, para melhor comparação. É cada vez mais difícil conciliar tempo econômico e tempo politico. E também crises globais e governos nacionais. Tudo isso provoca nos cidadãos sentimentos de frustração e angústia.

A crise global produz vencedores e perdedores. Os vencedores se encontram, essencialmente, na Ásia e nos países emergentes, que não têm uma visão tão pessimista da situação como a dos europeus. Mas também há muitos “vencedores” entre os países ocidentais, cujas sociedades se encontram fraturadas pelas desigualdades entre ricos cada vez mais ricos e pobres cada vez mais pobres.

Na verdade, esses países não estão suportando uma só crise, mas sim uma soma de crises mescladas tão intimamente umas com as outras que não conseguimos distinguir entre causas e efeitos. Os efeitos de umas são as causas de outras, formando assim um verdadeiro sistema de crises. Ou seja, enfrentamos uma autêntica crise sistêmica do mundo ocidental, que afeta a tecnologia, a economia, o comércio, a política, a democracia, a identidade, a guerra, o clima, e meio ambiente, a cultura, os valores, a família, a educação, a juventude, etc.

Do ponto de vista antropológico, estas crises estão se traduzindo num aumento do medo e do ressentimento. As pessoas vivem em estado de ansiedade e de incerteza. Voltam a estar presentes os grandes pânicos diante de ameaças indeterminadas, como a da perda do emprego, dos eletrochoques tecnológicos, das consequências da biotecnologia, das catástrofes naturais, da insegurança generalizada… Tudo isso configura um desafio para as democracias. Porque esse terror se transforma às vezes em ódio e em repúdio. Em vários países europeus, e também nos Estados Unidos, esse ódio se dirige hoje contra o estrangeiro, o imigrante, o refugiado, o diferente. A ojeriza contra os chamados “outros” (muçulmanos, latinos, ciganos, subsaarianos, indocumentados, etc) vem crescendo e fomentando os partidos xenófobos e a extrema direita.

Decepção e desencantamento

É preciso entender que, desde a crise financeira de 2008 (da qual ainda não saímos), já nada é igual em nenhum lugar do mundo. Os cidadãos estão profundamente desencantados. A própria democracia como modelo vem perdendo sua credibilidade. Os sistemas políticos foram sacudidos até as raízes. Na Europa, por exemplo, os grandes partidos tradicionais estão em crise. E em todos os lugares e possível perceber o avanço das agrupações de extrema direita (na França, na Áustria e nos países nórdicos) ou de partidos antissistema e anticorrupção (na Itália e na Espanha). A paisagem política foi radicalmente transformada.

Esse fenômeno chegou aos Estados Unidos, um país que já viveu uma onda populista devastadora, em 2010, protagonizada então pelo chamado Tea Party. A candidatura do multimilionário Donald Trump para ocupar a Casa Branca prolonga aquela onda e configura uma revolução eleitoral que nenhum analista poderia prever. Embora persista, em aparência, a velha dicotomia entre democratas e republicanos, a ascensão de um candidato tão heterodoxo como Trump constitui um verdadeiro sismo. Seu estilo direto, bonachão, seu discurso maquiado e reducionista, apelando aos baixos instintos de certos setores da sociedade, deram a ele um caráter de autenticidade aos olhos dos mais decepcionado eleitores da direita.

Vencedor das primárias do Partido Republicano, Trump soube interpretar o que poderíamos chamar de “rebelião das bases”. Melhor que ninguém, ele percebeu que, por um lado, existe a fratura cada vez mais ampla entre as elites políticas, econômicas, intelectuais e midiáticas, e por outro, uma quebra na base do eleitorado conservador. Seu discurso violentamente crítico à burocracia de Washington, aos meios de comunicação e a Wall Street seduz particularmente os eleitores brancos, pouco cultos e empobrecidos pelos efeitos da globalização econômica.

Sismos e mais sismos

Neste sentido, poderíamos dizer que outra grande característica do Novo Sistema Mundial são os sismos. Sismos financeiros e monetários, sismos climáticos, sismos energéticos, sismos tecnológicos, sismos sociais, sismos geopolíticos – como o restabelecimento de relações entre Cuba e Estados Unidos, ou, em outro sentido, o recente golpe de Estado institucional no Brasil, contra a presidenta Dilma Rousseff. Sem esquecer dos sismos eleitorais, como a vitória do “Não” aos acordos de paz no plebiscito realizado na Colômbia, além do “brexit” no Reino Unido, ou o sucesso da extrema direita na Áustria, ou a derrota de Angela Merkel em várias eleições parciais na Alemanha. Ou o enorme sismo eleitoral que poderia constituir efetivamente a eventual vitória de Donald Trump nos Estados Unidos, em novembro.

Acontecimentos imprevistos que surgem com força, sem que ninguém, ou quase ninguém, possa se prevenir. Há uma falta de visibilidade geral. Se governar é prever, vivemos uma evidente crise de governança geral. Em muitos países, o Estado que protegia os cidadãos deixou de existir. Há uma crise da democracia representativa: “não nos representam!”, diziam os “indignados”. As pessoas reclamam que a autoridade política volte a assumir o seu papel de condutor da sociedade. Se insiste na necessidade de reinventar a política e de fazer o poder político entender que precisa colocar freios ao poder econômico e financeiro dos mercados.

Internet, a ciberespionagem e a ciberdefesa

O Novo Sistema Mundial também se caracteriza pela multiplicidade de rupturas estratégicas cujo significado às vezes não compreendemos. Hoje, a Internet é o vetor da maioria das mudanças. Quase todas as crises recentes têm alguma relação com as novas tecnologias da comunicação e da informação, com a desmaterialização e a digitalização generalizadas e com a propagação das redes sociais. Mais que uma tecnologia, a Internet é um ator fundamental das crises. Basta recordar o rol cumprido por WikiLeaks, Facebook, Twitter e as demais redes sociais na aceleração da difusão de informação, e também na conectividade social através do mundo.

Até 2030, no Novo Sistema Mundial, algumas das maiores coletividades do planeta já não serão países e sim comunidades congregadas e vinculadas entre si pela Internet e pelas redes sociais. Por exemplo, “Facebooklândia”, com mais de um bilhão de usuários, ou “Twitterlândia”, com mais 800 milhões. Espaços cuja influência no jogo de tronos da geopolítica mundial, poderia ser decisiva. Hoje, as estruturas de poder se mostram cada vez mais obsoletas aos olhos de um público com acesso às novas redes e ferramentas digitais.

Por outro lado, a estreita cumplicidade entre algumas grandes potências e as grandes empresas privadas que dominam as indústrias da informática e das telecomunicações, a capacidade em matéria de espionagem de massas cresce também de forma exponencial. As megaempresas, como Google, Apple, Microsoft, Amazon e Facebook estabeleceram estreitos laços com o aparato do Estado em Washington, especialmente com os responsáveis pela política exterior. Essa relação se tornou evidente. Compartilham as mesmas ideias políticas e idêntica visão do mundo. Em última instância, esses estreitos vínculos e a visão comum do mundo, por exemplo, entre a Google e a administração estadunidense, estão a serviço dos objetivos da política exterior dos Estados Unidos.

Se trata de uma aliança sem precedentes: Estado, aparato militar de segurança e indústrias gigantes da web. Criaram um verdadeiro império da vigilância, cujo objetivo claro e concreto é manter a Internet sob constante observação, toda a Internet e todos os internautas, como foi denunciado por Julian Assange e Edward Snowden.

O ciberespaço se transformou numa espécie de quinto elemento. O filósofo grego Empédocles sustentava que nosso mundo estava formado por uma combinação de quatro elementos: terra, ar, água e fogo. Porém, o surgimento da Internet, com seu misterioso “interespaço” superposto ao nosso, formado por bilhões e bilhões de intercâmbios digitais de todo tipo, por seu roaming, seu streaming e seu clouding, engendrou um novo universo, de certo modo quântico, que completa a realidade do nosso mundo contemporâneo como se fosse um autêntico quinto elemento.

Neste sentido, é preciso destacar que cada um dos quatro elementos tradicionais constitui, historicamente, um campo de batalha, um lugar de confrontação. E que os Estados vem tendo que desenvolver componentes específicos das forças armadas para cada um destes elementos: para a terra, o exército de terra; para o ar, o exército do ar (aeronáutica); para a água, o exército da água (marinha); e, num carácter mais singular para o fogo, os “guerreiros do fogo” (bombeiros). De forma natural, como aconteceu com a criação da aviação militar – entre 1914 e 1918 –, todas as grandes potências estão conformando hoje, juntos com os exércitos tradicionais e os combatentes do fogo, um novo exército cujo ecossistema é o quinto elemento: o ciberexército, encarregado da ciberdefensa, que tem suas próprias estruturas orgânicas, seu Estado maior, seus cibersoldados e suas próprias armas: supercomputadores preparados para defender as ciberfronteiras e enfrentar a ciberguerra digital, no âmbito da Internet.

Uma mutação do capitalismo: a economia colaborativa

Trinta anos depois da expansão massiva da web, os hábitos de consumo também estão mudando. Pouco a pouco, está se impondo a ideia de que a opção mais inteligente hoje é a de usar algo em comum, e não necessariamente comprá-la. Isso significa abandonar aos poucos uma economia baseada na submissão dos consumidores e no antagonismo ou na competição entre os produtores, e passar a uma economia que estimula a colaboração e o intercâmbio entre os usuários de um bem ou um serviço. Tudo isto planteia uma verdadeira revolução no seio do capitalismo, que está bem diante dos nossos narizes, uma nova mutação.

É um movimento irresistível. Milhares de plataformas digitais de intercâmbio de produtos e serviços estão se expandindo a toda velocidade. A quantidade de bens e serviços que podem ser alugados ou intercambiados através de plataformas online, sejam elas pagas ou gratuitas, já é literalmente infinita.

A nível planetário, esta economia colaborativa cresce atualmente entre 15% e 17% ao ano. Com alguns exemplos de crescimento absolutamente espetaculares. Um exemplo conhecido é o Uber, a aplicação digital que conecta passageiros e motoristas, que tem somente cinco anos de existência e já vale 68 bilhões de dólares, e opera em 132 países. Por sua parte, Airbnb, a plataforma online de alojamentos para particulares, surgida em 2008, já encontrou camas para mais de 40 milhões de viajantes, e vale hoje mais de 30 bilhões de dólares – significa que, sem ser proprietária habitação nenhuma, a empresa já vale mais que os grandes grupos Hilton, Marriott ou Hyatt.

Outro aspecto fundamental que está mudando – e que foi nada menos que a base da sociedade de consumo –, é o sentido da propriedade, o desejo de possessão. Adquirir, comprar, ter, possuir eram os verbos que melhor traduziam a ambição essencial de uma época na qual o ter definia o ser. Acumular “coisas” (casas, carros, geladeiras, televisores, móveis, roupa, relógios, livros, quadros, telefones, etc) constituía, para muitas pessoas a principal razão da existência. Parecia que, desde o início dos tempos, o sentido materialista de posse era inerente ao ser humano.

A economia colaborativa constitui um modelo econômico baseado no intercâmbio e na comunhão de bens e serviços, mediante o uso de plataformas digitais. Se inspira nas utopias do compartilhamento e em valores não mercantis, como a ajuda mútua ou a convivialidade, e também no espírito de gratuidade, mito fundador da Internet. Sua ideia principal é: “o que é meu é seu”, ou seja compartilhar em vez de possuir. O conceito básico é a troca. Se trata de conectar, por via digital, aqueles que buscam “algo” com aqueles que oferecem esse algo. As empresas mais conhecidas desse setor são Uber, Airbnb, Netflix, Blablacar, etc.

Muitos indícios nos levam a pensar que estamos assistindo o ocaso da segunda revolução industrial, baseada no uso massivo de energias fósseis e em telecomunicações centralizadas. Assistimos o surgimento de uma economia colaborativa que obriga o sistema capitalista a mutar.

Por outra parte, num contexto em que as mudanças climáticas se tornam a principal ameaça à sobrevivência da humanidade, os cidadãos não desconhecem os perigos ecológicos inerentes ao modelo de hiperprodução e de hiperconsumo globalizado. Também nesse sentido, a economia colaborativa oferece soluções menos agressivas para o planeta.

Num momento como o atual, de forte desconfiança sobre o modelo neoliberal e as elites política, financeira, midiática e bancária, a economia colaborativa parece entregar respostas a muitos cidadãos em busca de sentido e de ética responsável. Exalta valores de ajuda mútua e boa vontade para dividir recursos, critérios que, em outros momentos, foram a argamassa das teorias comunitárias e de ambições socialistas. Porém, que ninguém se equivoque, pois hoje elas são o roto de um capitalismo mutante, que deseja se afastar da selvageria do impiedoso período ultraliberal.

Nossa bússola também nos mostra como a aparição de tensões entre os cidadãos e alguns governos, em dinâmicas que vários sociólogos qualificam como “pós-políticas” ou “pós-democráticas”… Por um lado, a generalização do acesso à Internet e a universalização do uso das novas tecnologias permitem à cidadania alcançar altas quotas de liberdade e desafiar os representantes políticos (como durante a crise dos “indignados”). Ao mesmo tempo, essas mesmas ferramentas eletrônicas proporcionam aos governos, como já foi dito acima, uma capacidade sem precedentes para vigiar os seus cidadãos.

Ameaças não militares

A tecnologia – como analisa um relatório recente da CIA – continuará sendo o grande nivelador, e os futuros magnatas da Internet, como poderia ser o caso dos donos de Google e Facebook, possuem montanhas inteiras de bases de dados, e manejam muito mais informações que qualquer governo, e em tempo real”. Por isso, a CIA recomenda à administração dos Estados Unidos que faça frente a essa ameaça eventual das grandes corporações de Internet, ativando o Special Collection Service, um serviço de inteligência ultrassecreto, administrado conjuntamente pela NSA (sigla em inglês da Agência Nacional de Segurança) e pelo SCE (Serviço de Elementos Criptológicos) das Forças Armadas, especializado na captação clandestina de informações de origem electromagnética. O perigo de que um grupo de empresas privadas controle toda essa massa de dados reside, principalmente, em que poderia condicionar o comportamento da população mundial em grande escala, e que inclusive das entidades governamentais. Também se teme que o terrorismo jihadista seja substituído por um ciberterrorismo ainda mais poderoso.

A CIA toma tão em sério este novo tipo de ameaça que considera que, finalmente, o declínio dos Estados Unidos não foi provocado por uma causa exterior, mas sim por uma crise interna: a quebra econômica a partir dos anos de 2007 e 2008. O informe insiste em dizer que a geopolítica de hoje deve se interessar por novos fenômenos que não possuem necessariamente um carácter militar. As ameaças militares não desapareceram, mas alguns dos perigos mais importantes rondam as nossas sociedades hoje são de ordem não militar: crise climática, mutação tecnológica, conflitos econômicos, crime organizado, guerras eletrônicas, esgotamento dos recursos naturais…

Sobre este último aspecto, é importante saber que um dos recursos que está se esgotando mais aceleradamente é a água doce. Em 2030, 60% da população mundial terá problemas de abastecimento de água, dando lugar ao surgimento de “conflitos hídricos”. Com respeito ao petróleo e o gás natural, graças às novas técnicas de fraturação hidráulica, a exploração dessas matérias-primas energéticas está alcançando níveis excepcionais. Os Estados Unidos já são quase autossuficientes em gás, e em 2030 poderia ser também autossuficiente em petróleo, o que tende a abaratar seus custos de produção de manufaturas, impulsar a relocalização de suas indústrias. Mas se os Estados Unidos – principal importador atual de hidrocarburetos – deixa de importar petróleo, podemos prever então uma queda no preço do barril. Quais serão as consequências disso para os grandes países exportadores?

O triunfo das cidades e das classes médias

No mundo para o qual caminhamos, 60% das pessoas viverão nas grandes cidades, algo inédito na história da humanidade. As consequências da redução acelerada da pobreza, as classes médias serão dominantes e triplicarão de tamanho, passando de um bilhão a três bilhões de pessoas. Isto em si já seria uma revolução colossal, e deixará como sequela, entre outros efeitos, uma mudança geral nos hábitos culinários e, em particular, um aumento do consumo de carne a escala planetária, o que agravará a crise meio ambiental.

Em 2030, seremos 8,5 bilhões de habitantes no planeta, mas o aumento demográfico cessará em todos os continentes, menos na África, com o conseguinte envelhecimento geral da população mundial. O vínculo entre o ser humano e as tecnologias protésicas estimulará a invenção de novas gerações de robôs e a aparição de “super homens”, capazes de proezas físicas e intelectuais inéditas.

O futuro é muito poucas vezes previsível. Por isso, é preciso deixar de imaginá-lo em termos de prospectiva. Devemos nos preparar para atuar em diferentes circunstâncias possíveis, das quais somente uma se tornará realidade. A geopolítica é uma ferramenta extremamente útil. Nos ajuda a tomar consciência das rápidas evoluções em curso e a refletir sobre a possibilidade de que cada um de nós pode intervir de alguma forma, e propor um rumo. Para se tentar construir um futuro mais justo, mais ecológico, menos desigual e mais solidário.

*Ignacio Ramonet é doutor em semiologia, professor emérito da Universidade de Paris e diretor do Le Monde Diplomatique em espanhol. Autor do livro “El Imperio de la Vigilancia”, entre outros.

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