Para compreender o personagem Sergio Fernando Moro e sua sanha em prender o ex-presidente Lula é preciso, antes de tudo, mergulhar na construção de sua psiquê
Marcos Cesar Danhoni Neves*, Revista Fórum
Compreender o personagem Sérgio Fernando Moro, seu trabalho e sua sanha em prender o presidente Luís Inácio Lula da Silva e liquidar com seu partido é mergulhar, antes de tudo, na construção de sua psiquê. Compreender este personagem que destruiu não somente os fundamentos da própria Justiça, mas, sobretudo, as bases da Constituição de 1988, é compreender a fixação paranoica e psicopática de um homem que mergulhou a nação no caos do pós-golpe de 2016.
Moro é filho de Odete Starke Moro e Dalton Áureo Moro. Seu pai, falecido em 2005, era originário de Ponta Grossa (PR), cidade próspera do estado do Paraná, e conhecida ultimamente na mídia como “Reaçolândia”, devido aos fortíssimos componentes ultra-conservadores advindos de políticos e empresários que se enquadram na Bancada BBB (Boi, Bala e Bíblia) do Congresso Nacional. A cidade, colonizada por alemães, ucranianos e polacos guarda os traços mais estereotipados de uma cultura branca avessa à miscigenação e fortemente patriarcal. Estas marcas permanecerão indeléveis em Dalton Moro e se tornarão ainda mais evidentes em seu rebento Sérgio Fernando Moro.
Dalton Moro muda-se de Ponta Grossa à Maringá, e torna-se professor de Geografia de um colégio estadual e do Departamento de Geografia da Universidade Estadual de Maringá. Sua mãe, Odete Starke, torna-se professora do Instituto Estadual de Educação, tradicional colégio público do Estado.
A vida em Maringá, é agradável, uma vez que a cidade, com grande colonização italiana e japonesa (e, em menor escala, de alemães), guarda os traços conservadores da velha Ponta Grossa. No entanto, três fatos abalarão a vida do Sr. Dalton: a greve de 1980, praticamente no estertor final do regime militar, de professores, com apoio do DCE (Diretório Central dos Estudantes), na Universidade Estadual de Maringá, a eleição de um prefeito pelo Partido dos Trabalhadores (PT) em 2000 e a eleição do presidente Lula em 2002.
Mas aqui estamos nos adiantando na história … A vida em Maringá, apesar de pacata, tem lá seus desafios: a educação dos filhos seguindo uma moral cristã monolítica, as tradições, o civismo, a Pátria… Tudo isso dentro de uma família de cunho pesadamente patriarcal. A mãe de Moro, provavelmente sufocada por essa tradição extremamente anti-feminista se consola numa especialização no Departamento de Letras escrevendo uma monografia intitulada “Clarice Lispector: As personagens femininas de Laços de Família”, em 1987. Segundo Machado,
A sujeição ao pensamento patriarcal e o comportamento condicionado é um dos reflexos sociais mais perceptíveis nos dois contos (de Clarice Lispector) analisados. Uma leitura atenta à condição feminina das personagens lispectorianas revela uma consistente crítica social, em que a sociedade ocupa um papel fundamental no desencadeamento dos conflitos psicológicos pelos quais passam as personagens retratadas. Além disso, é importante dedicar atenção ao que está no exterior do universo psicológico de cada personagem. Neste aspecto, o título de cada conto se mostra indissolúvel na hermenêutica de seus significados se relacionados ao título do livro. É o Amor que Ana nutre pelos filhos e pelo marido que a mantém ligada a eles; é a Festa de Aniversário razão única do encontro dos distintos membros da família de D. Anita. Estas duas razões, na esfera da instituição máxima que mantêm organizada a sociedade, mais que unir – tal como sugere o título Laços de Família -, tornam por agrilhoar pessoas distintas por natureza (in: http://desenredos.dominiotemporario.com/doc/13_-_artigo_-_Wellington_Machado.pdf).
Obviamente este trabalho acadêmico da mãe de Moro é uma válvula de escape ao seu papel de mãe e esposa sob o jugo patriarcal. No entanto, este pequeno candeeiro logo se apagará quando na educação dos filhos, será o papel do pai a se sobrepor na construção da psiquê do filho mais famoso do casal: Sérgio Fernando Moro. Educado e treinado sob as hostes do ideal da classe média, qual seja, fazer um filho “Doutor em Direito”, escalando as benesses da classe e dos altos salários pagos ao funcionalismo público hierarquizado do Poder Judiciário, Sérgio Moro torna-se uma máquina de estudar e galgar posições elevadas.
O verniz conservador torna-se tintas grossas após um incidente em no início da década de 80 na Universidade Estadual de Maringá. Este ano, 1980, é importante para a cidade e para o Brasil: marca os estertores finais do regime de exceção iniciado pelo golpe militar de 1964, pelo nascimento do Partido dos Trabalhadores, pela luta da Lei de Anistia e pela volta dos exilados políticos. Dalton Moro é contrário à abertura política. Na UEM está alinhado com a linha dura que administra a Universidade, cujo reitor é um administrador biônico escolhido pelo Governador de época. Eis que, no fervor da abertura da nova década, 1980, professores e alunos resolvem iniciar uma greve pela volta à Democracia no país e contra o ensino pago nas universidades públicas estaduais. Dalton Moro sente o golpe e não se sujeita à votação da maioria em favor da greve. Decide que no dia seguinte, ele e a esposa do então reitor, darão aulas independentemente da decisão democrática da Assembleia de Greve. Porém, os alunos não estão dispostos ao prosseguimento das duas disciplinas destes dois fura-greve. Diante do impasse, dois amigos meus, Professores da UEM, são chamados para conversar com os fura-greve. Os professores, em tom sereno, acabam convencendo Dalton e a esposa do reitor a dispensarem seus alunos. Após a saída de todos, as salas são trancadas, assim como as entradas do Bloco.
Terminada a greve, o descontentamento de Dalton Moro se faz sentir no pedido de inquérito administrativo contra os dois professores que haviam intercedido no imbróglio com os alunos. A sede persecutória durou cerca de dois anos, com Dalton contente com as vicissitudes que passavam seus colegas grevistas, graças à punição aprovada. Este estado de ânimo conservador não ocorreu como um rompante contingencial: era traço característico de sua formação que ele impunha desde seu entorno imediato, sua família, até seu entorno institucional (universidade e escola). Enquanto chefe de Departamento, nunca permitiu a entrada de alunos e professores para discussões políticas, especialmente em épocas de eleições para Centro Acadêmico, Diretório Central do Estudante e Sindicato de Professores.
Apesar de não ser um militante político, sua postura extremamente conservadora, simpática ao golpe militar e à administração biônica da UEM, influenciou demasiadamente seu filho que, aos cinco ou seis anos de idade, já vivia em primeira pessoa as batalhas do pai contra desafetos socialistas e comunistas…
Em 1990, Sérgio Moro passa no exame vestibular da UEM para o curso de Direito. Gradua-se nos cinco anos do curso, formando-se em 1995.
Dalton Moro e Odete Starke assistem com orgulho a ascenção meteórica do filho na magistratura, com Sérgio Moro tornando-se Juiz Federal em tempo recorde: um ano após a formatura na graduação em Direito. Mais recorde ainda, e fora de qualquer parâmetro exigido pela Academia e pela Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoas de Nível Superior-CAPES/MEC, Moro se tornará Mestre e Doutor em Direito pela UTFPR em dois anos (2001-2002). Este fato inusitado carece de explicações plausíveis porque, em geral, um Mestrado e Doutorado tomam cerca de seis anos para sua consecução efetiva (dois anos para Mestrado e quatro anos para Doutorado).
Entre 1995 e 2000, Sérgio Moro ajuda um prefeito embaraçado na subtração de dinheiro público, Jairo Gianotto do PSDB, a livrar-se da cadeia. A quantia do roubo é astronômica (500 milhões à época; atualizado, este valor supera um bilhão de reais). Segundo consta no site do Brasil247, Sergio Moro, atuando em parceria com o tributarista e advogado do prefeito, Irivaldo Joaquim de Souza, consegue um habeas corpus para evitar a prisão do prefeito. Irivaldo advoga para o então prefeito, para o clã Barros (hoje representado pelo Ministro da Saúde do governo golpista, Ricardo Barros), em negócios que envolviam o tesoureiro de Gianotto, Paolicchi (assassinado anos depois), Alberto Youssef, Álvaro Dias e Jaime Lerner. Sérgio Moro faz um depoimento favorável ao Prefeito, determinante para a soltura do mega-meliante.
A população de Maringá, irada com o roubo de seus impostos pelo ex-prefeito defendido por Moro, dá o troco nas urnas e, em 2000, elege o candidato José Claudio Pereira Neto, do Partido dos Trabalhadores, com quase 107 mil votos (uma das mais surpreendentes votações para Prefeito até os dias de hoje). Infelizmente, José Claudio não conseguirá terminar seu mandato posto que abatido por um câncer letal em 2003.
Dalton Moro deve ter ficado lancinado com esta eleição. Transtornado com a vergonhosa administração de Jairo Gianotto, do PSDB, vê ascender ao poder um político socialista cuja primeira medida, como prefeito eleito é expor em praça pública duas mega-colheitadeiras confiscadas de uma das fazendas de Gianotto, compradas com o roubo do dinheiro público.
A situação diante da família Moro torna-se ainda mais acachapante quando o então candidato Luís Inácio Lula da Silva vence as eleições presidenciais em 2002. É necessário que Moro filho honre o conservadorismo do pai, batalhando para destruir num plano muito maior as batalhas que seu genitor havia travado contra professores e alunos esquerdistas e o prefeito municipal. Corre uma lenda urbana em Maringá que Sergio Moro teria prometido ao pai, agonizante por um câncer que o mataria em 2005, que eliminaria a esquerda no Brasil.
Importante destacar na formação de Moro, a orientação de seu Doutorado realizado sob o comando do Prof. Dr. Marçal Justen Filho, da UFPR: um ultraconservador, colaborador assíduo do Jornal de Direita A GAZETA DO POVO e defensor da ideia de que “o Estado só pode oferecer algo além do mínimo se for capaz de oferecer o mínimo muito bem” e ainda: “pode ser que a Petrobras sobreviva, mas ela vai sobreviver bem menor do que era”. Graças à esta doutrinação e patifaria, Sergio Moro e também seu colega de doutorado João Pedro Gebram Neto (do TRF4 que condenou Lula a 12 anos + 1 dia de prisão), conspiraram contra não somente Lula da Silva, mas contra os fundamentos da Justiça e da Democracia brasileira. Gebram deveria se julgar impedido, por conflito de interesses devido à sua amizade com Moro na pós-graduação; mas não! Preferiu o caminho da conspiração, assim como o outro juiz, Paulsen, também do TRF4, que ministra, junto com Moro, disciplinas de especialização na PUC do Rio Grande do Sul.
O resto é História já conhecida … Moro torna-se professor (sem dedicação exclusiva) do Departamento de Direito da UFPR, em Curitiba, em 2007. O pai ainda teve o “orgulho” de ver o filho pródigo participar do “Program of Instruction for Lawyers” na Harvard Law School” em julho de 1998. Este curso de atualização (em sentido extensionista) seria o primeiro degrau para quase dez anos depois, em 2007, Moro participar do “International Visitors Program” organizado pelo Departamento de Estado norte-americano com visitas a agências e instituições dos EUA encarregadas da prevenção e do combate à lavagem de dinheiro. Este treinamento garantirá a conversão total de Moro no destruidor dos baluartes de nossa frágil Democracia. É neste momento que Moro encontrará o “mapa da mina” para destruir Lula, Dilma e o PT usando estratagemas da Lei, numa política aberta de Lawfare (perseguição política usando hermenêuticas relativistas da Justiça e da Constituição), honrando o pai Dalton e replicando toda sua educação baseada no patriarcalismo. Perdeu sua mãe, que timidamente, tentou romper o conservadorismo sufocante daquele que nasceu e havia se criado na Reaçolândia de Ponta Grossa! Os laços de família, sempre comandados pelo patriarca, parira um Juiz que destruiria não somente as bases da República e da democracia brasileira, mas, sobretudo, sua pujante indústria petrolífera, naval, nuclear e de engenharia civil, minando o futuro da Nação. Cumpre-se, pois, a promessa de Moro ao pai agonizante: destruíra as conquistas da Esquerda, mesmo que para isso tivesse jogado no lixo toda a população brasileira e seus anseios de um país soberano…
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*Marcos Cesar Danhoni Neves é professor titular da Universidade Estadual de Maringá, autor de “Lições da Escuridão” entre outras obras.
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