Pré-candidato, Flávio Rocha se diz "vítima" da opressão do Estado
Flávio Rocha: uma vítima da opressão do Estado com uma história de horror para contar sobre perseguição e crueldade. A descrição se encaixaria perfeitamente no perfil de um dos moradores das favelas cariocas. Mas não. Numa das salas do luxuoso teatro Riachuelo, foi assim que se auto definiu um dos homens mais ricos do Brasil
Rafael Duarte, Jornal GGN
Uma vítima da opressão do Estado com uma história de horror para contar sobre perseguição e crueldade. A descrição que abre o texto se encaixaria perfeitamente no perfil de um dos moradores das favelas cariocas, agora sob a mira da intervenção militar do governo Temer. Mas não. Bem distante dos morros e da pobreza, numa das salas do luxuoso teatro Riachuelo, em Natal (RN), foi assim que se auto definiu o empresário Flávio Rocha, um dos homens mais ricos e bem-sucedidos do país. O desabafo, em tom de lamento, ocorreu durante a coletiva de imprensa que antecedeu ao lançamento do projeto Brasil 200, na capital potiguar. O evento reuniu centenas de empresários, jornalistas e outros convidados para apresentar, como o próprio Flávio Rocha diz, um modelo de gestão liberal na economia e conservador nos costumes. Brasil 200 é uma alusão aos 200 anos de independência em relação a Portugal celebrados em 2022.
O dono do grupo Riachuelo está na linha de frente e é o principal financiador de um movimento que, segundo ele, não é empresarial, embora admita que reúna os mil empresários mais importantes do país. Assim como vem ocorrendo em entrevistas Brasil afora, Flávio Rocha foge do rótulo de “candidato óbvio” que criou e segue negando a intenção de se candidatar à presidência da República como vem sendo especulado pela mídia nacional. Para ele, não se constrói uma candidatura faltando oito meses para uma eleição e acredita que seria uma traição a um movimento propositivo que elegeu o Estado brasileiro, e o que ele chama de aristocracia burocrática, como os grandes inimigos a serem vencidos nas eleições de outubro.
– Mas isso não nos angustia. O Brasil 200 é um novo formato de fazer política sem precisar de candidatura. Temos uma eleição decisiva em 2018 quando resolveremos, com 50 anos de atraso, que país vamos ter para comemorar ou não a nossa independência. É um simbolismo que dá nome ao nosso movimento porque em 2020 queremos comemorar muito o grito de independência e os 4 anos de liberdade de uma máquina muito mais opressora do que a coroa brasileira, que é o Estado brasileiro com seus privilégios, aposentadorias precoces, farra de gastos. O Estado precisa se encontrar com seu propósito, o Estado existe para servir, para atender ao aluno da rede pública, ao médico da rede pública, ao paciente que precisa de segurança, mas ele está voltado inteiramente para dentro de si. O conflito que vai definir a cabeça do eleitor é o conflito dos que produzem contra os que parasitam. É isso o que está em jogo a eleição de 2018.
Flávio Rocha faz uma conta curiosa. Segundo ele, 2% da população, a chamada “aristocracia burocrática”, comandam a vida dos 98% restantes, onde estão incluídos a classe trabalhadora e empresários como ele e os demais integrantes do movimento Brasil 200. Quem pensa o contrário, na visão do dono das lojas Riachuelo, aposta na divisão.
– Como 2% da aristocracia burocrática ínfima consegue controlar 98% da população que paga a conta, empresários e trabalhadores ? É a tática de sempre: dividir para governar. Nós contra eles, patrão contra empregado, rico contra pobre, nordeste contra sudeste, negro contra branco, produtor rural contra MST, feminista contra machista. É a tática de onde existe uma fagulha de conflito, jogam um balde de gasolina. O Brasil 200 não é um movimento empresarial, é dos que puxam a carruagem, a imensa maioria da população brasileira que paga conta, sua camisa, que investe, empreende, que acredita no Brasil e que financia um Estado que saiu de todos os controles e todas as proporções.
Para defender o Estado mínimo, Flávio Rocha usa uma analogia. “O carrapato ficou maior que o boi”, diz para reafirmar em tom de indignação que a população é quem financia a gigantesca máquina estatal. Durante a coletiva, o empresário criticou mais de uma vez o período em que o país foi governado pelo PT. Nesta mesma fase, a Riachuelo cresceu cinco vezes de tamanho. Levantamento realizado pela agência Saiba Mais junto ao BNDES, mostra que entre 2009 e 2016, o grupo Riachuelo/Guararapes recebeu R$ 1,4 bilhão em financiamento do Banco. Outro dado importante apurado pela reportagem é em relação às isenções fiscais. A Guararapes utiliza-se das isenções fiscais no Rio Grande do Norte desde em 1959, quando da chegada da empresa ao Estado.
Durante a entrevista, a agência Saiba Mais questionou o empresário Flávio Rocha sobre esse modelo de Estado mínimo defendido por ele que beneficia suas empresas a juros abaixo do mercado e com isenções há quase 60 anos. O empresário reconheceu que a Riachuelo utilizou o financiamento, já pagou 90% do que recebeu, mas afirmou que era melhor que o BNDES não existisse.
– Pelo que você está falando parece que um aluno liberal, por exemplo, não pode estudar na UFRN, da mesma forma que eu que sou um liberal não posso usar uma estrada daqui até o aeroporto. Estou dizendo é que não devem existir esses mecanismos de deformação. Não tem que ter o BNDES. Agora seria uma penalização se toda empresa têxtil tivesse acesso ao crédito do BNDES e o Rio Grande do Norte não tivesse o mesmo acesso. Mas eu quero lhe dizer que eu preferia que não existisse BNDES porque o BNDES é uma máquina de quem sabe fazer para dar para quem sabe conversar. Nós somos muito melhores em fazer do que conversar, mas temos que conversar, fazer power point, botar uma gravata, mostrar nosso projeto aqui na fábrica de Extremoz para não sair fora do jogo.
Rocha citou “deformações maiores” do Banco realizadas nos governos petistas e afirmou que defende o BNDES original, criado pelo liberal Roberto Campos, nos anos 1950.
– O meu BNDES é o BNDES de Roberto Campos, que vendo a discrepância no Nordeste e como uma taxinha um pouquinho mais favorecida poderia ajudar, como ajudou. A diferença entre o veneno e o remédio está na dose. O BNDES do Foro São Paulo, dando bilhões à ditaduras bolivarianas, dinheiro que nunca veremos de volta, o BNDES para escolher os amigos do Rei como campeões nacionais… esse não é o BNDES de Roberto Campos. Então eu acho que a melhor coisa que precisa acontecer para uma empresa competente que sabe fazer no mercado é que não exista nada. Não queremos nada. Mas você falou que tivemos R$ 1,4 bilhão ? Pois esse dinheiro gerou 15 mil empregos em lojas e mais 65 mil empregos nos fornecedores. E já pagamos 90% disso. Agora isso que você mencionou é uma deformação mínima. Quer ver outra mais absurda ? O BNDES chegou ao absurdo de se dar a arrogância de eleger os campeões nacionais. Não era mais o mercado, mas o governo quem dizia quem ia ser o campeão de proteína animal, o campeão de óleo e gás, olhe quanto o Eike Batista recebeu! Olhou para o Marcelo Odebrecht e disse que ele seria o campeão da construção pesada… isso sim é crime.
Nos últimos dez anos, entre 2007 e 2017, a Guararapes deixou de pagar R$ 542 milhões em impostos, beneficiada pela política de isenção fiscal do Governo do Estado. Sobre a política de isenções, o empresário classificou como “o instrumento mais eficiente para discutir discrepâncias regionais”.
– O incentivo fiscal não é uma invenção brasileira, é o instrumento mais eficiente que existe para discutir discrepâncias regionais. Eu sou velho o suficiente para lembrar o que tinha antes do incentivo fiscal: uma Sudene com um burocrata, muitas vezes não tão republicano, que olhava e dizia que ia te dar tanto de dinheiro, lhe dava o cheque, você vai, faz o seu galpão, pegava outro cheque para ir a Europa comprar os equipamentos, era subsídio direto. O incentivo fiscal é um grande avanço porque é automático: você deu emprego, você produziu, construiu a fabrica ? Então você tem o benefício automático. Se o seu concorrente paga 17% de ICMS, você paga só 7% se fizer uma fábrica no Nordeste, é inteligentíssimo, é uma prática universal. E isso não altera minhas convicções liberais.
Ainda segundo o empresário potiguar, a classe política ainda não conseguiu traduzir para a população o projeto de país que a sociedade deseja e que o movimento Brasil 200 está apresentando a um eleitor, na visão dele, muito mais maduro. Para Rocha, a intervenção mínima do Estado na economia e a valorização da família são a base do sonho brasileiro.
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A partir desta avaliação, a reportagem perguntou a Flávio Rocha por qual motivo o ex-presidente Lula aparece liderando todas as pesquisas se o líder petista defende um modelo de país contrário ao do Brasil 200. O empresário afirmou que essa reação assusta:
– É um índice de conhecimento. Isso nos assusta porque há 6 meses atrás a gente imaginava… os ventos liberalizantes, o rumo natural das coisas, o países (da América Latina) criando juízo estão vendo como se constrói prosperidade, como se garante conquistas sociais pela via da liberdade econômica. E estamos vendo (no Brasil) esse enorme vazio da esfera política. Mas a gente vê que a mudança está acontecendo na sua raiz, a cabeça do eleitor está muito melhor. Estes três anos não foram perdidos, foi um aprendizado, o eleitor está claramente melhor, se manifestou em 2016. Agora a classe politica não está conseguindo traduzir o anseio desse eleitor que galgou um novo patamar de cidadania num novo projeto que faça eco a essa mudança que está acontecendo.
Pro-sertão
O empresário Flávio Rocha fez questão de deixar claro, durante a entrevista, que ainda não digeriu a ação em que o Ministério Público do Trabalho cobra R$ 38 milhões da Guararapes por danos morais por irregularidades na relação trabalhista mantida com facções de costura no interior do Rio Grande do Norte. Ele se disse vítima de perseguição e crueldade “de uma pessoa só” do MPT do RN. Embora não tenha citado nomes, Rocha se refere à procuradora do Trabalho Ileana Neiva, única mulher entre os 11 procuradores da Força-tarefa que ajuizaram a ação relacionada às facções de costura do Pro-sertão.
Na época, o empresário fez graves acusações públicas à procuradora e, por isso, responde a uma ação criminal por difamação, calúnia e coação no decorrer do processo. Segundo o dono da Riachuelo, todo empresário tem uma história de horror para contar e a dele está relacionada ao Pro-sertão e ao processo movido contra a Guararapes.
– Quando eu vi esse meu sonho (do pro-sertão) ruir por causa do que vocês viram (ação ajuizada pelo MPT contra a Guararapes) aí eu fiz uma coisa meio irresponsável, eu falei da minha história de horror, da minha dor, e descobri que todo mundo tem uma história de horror para contar, uma história de opressão do Estado. Assim nasceu o Brasil 200. Do maior ao menor empresário, que tem uma história que engole dolorosamente, que vai dormir com aquela humilhação, a injustiça de um Estado que não tem sensibilidade, que não está sofrendo com os milhares desempregados no Rio Grande do Norte.
Flávio Rocha afirmou que não retirou a Guararapes do Rio Grande do Norte, assim como fizeram outras empresas, porque ele e o pai, o empresário Nevaldo Rocha, têm um caso de amor com o Estado. De acordo com ele, o patriarca da família chegara a afirmar que as empresas só deveriam importar produtos se o RN não conseguisse produzí-los.
A origem do pro-Sertão, aliás, é controversa. Em entrevistas recentes e num vídeo institucional produzido pela própria assessoria, Flávio Rocha defende que o pro-sertão é um sonho pessoal antigo de transformar a vida de milhares de famílias do interior do Estado, além das cidades, num polo têxtil do país. Porém, em audiência na Justiça, o diretor industrial da Guararapes Jairo Amorim contou outra história em juízo. Segundo ele, o pro-Sertão foi criado para atender uma demanda reprimida de produtos que demoravam seis meses para chegar da China e de outros países asiáticos. Pelas facções de costura do interior potiguar, os produtos ficam prontos em no máximo 45 dias.
Questionado se o diretor da Guararapes mentiu em juízo, Flávio Rocha não respondeu e preferiu falar da paixão da família pelo Estado potiguar e da relação estremecida com o MPT.
– Toda demanda é atendida de alguma forma. Se uma empresa vender 100, 120… vai produzir aonde ? Pode produzir na nossa fábrica no Paraguai, na operação de Xangai, em Santa Catarina… mas eu decidi atender essa demanda adicional no Pro-sertão, enquanto for possível. Vinte empresas desistiram do RN. Porque só a Guararapes insiste ? Porque existe, você acreditando ou não, um vínculo afetivo com essa terra. Seu Nevaldo é apaixonado por essa terra, até bem pouco tempo atrás ele dizia: só compra de fora de Natal o que Natal não puder trazer. Natal chegou a produzir 90% do que a Riachuelo fazia. Era a maior fábrica de confecção do mundo. Tínhamos 20 mil funcionários quando esse esquema começou a nos cercar. De lá para cá, a Riachuelo cresceu 5 vezes. E você acha que a Guararapes cresceu cinco vezes ? Não. A Guararapes perdeu competitividade. (Por causa) dessa loucura, dessa perseguição. A Guararapes era para estar 5 vezes maior, como a Riachuelo está cinco vezes maior, mas isso não aconteceu por crueldade. Era para ter muito mais emprego acontecendo. Cada emprego na loja gera 5 na cadeia de suprimento. Hoje tem 20 mil pessoas trabalhando na Riachuelo, isso que dizer que em algum lugar do mundo tem 100 mil pessoas trabalhando para alimentar essas lojas. Poderiam ser todas no Rio Grande do Norte.
Levantamento realizado pela agência Saiba Mais e divulgado em novembro de 2017 revelou que a Guararapes está entre dez empresas mais acionadas na Justiça do Trabalho. São mais de 2,3 mil ações trabalhistas. O empresário reclama que dos 27 estados da federação, o único em que o grupo Riachuelo tem problemas com o MPT é o Rio Grande do Norte. Para ele, a ação relacionada ao pro-Sertão vai além da legislação trabalhista.
– Muito mais. Fomos autuados em 38 milhões e não tem um artigo que tenha sido afrontado. Nos autuaram por danos morais e tiraram uma tese do bolso, a de insubordinação estrutural. Isso não tem na lei. É como chegar no ABC de São Paulo e dizer pra Ford. Olha, Ford, você tem que trazer todas as carteiras de trabalho da Cofap, da Pirelli, da Santa Marina, da companhia de estofado, é o que querem fazer com a gente. Você acha que é justo ? Mas o que angustia é que eu poderia fazer como Josué da Coteminas que foi embora, como o Márcio da Alpargatas que foi embora, como 20 outras que foram embora, mas não. Estou insistindo por amor a essa terra. Mas acho que a gente vai ganhar. A Justiça tem sido mais serena do que o MPT. Nós somos empregadores nos 27 estados e é só aqui.