O que significa o "apoio popular à intervenção" no Rio de Janeiro?
A grande mídia tem divulgado sondagens que apontam que a maioria da população carioca apoiaria a intervenção no Rio. Por outro lado, grande parte dessa mesma opinião pública teria declarado não acreditar que a intervenção dará certo. É preciso entrar no mérito dessas posições contraditórias
Jailson de Souza e Silva*, Observatório de Favelas
Muitas pessoas têm afirmado a importância de não nos colocarmos contrário à intervenção militar no campo da segurança pública que está sendo estabelecida no Rio de Janeiro baseadas no argumento que ela teria apoio popular.
De fato, a grande mídia divulgou sondagens que apontavam que cerca de 80% da população carioca apoiaria a intervenção. Por outro lado, 40% dessa mesma opinião pública teria declarado não acreditar que a intervenção dará certo. Mais do que entrar no mérito dessas posições contraditórias, gostaria de destacar a necessidade de se desnaturalizar esse tipo de pesquisa.
Pierre Bourdieu, um dos grandes nomes da Sociologia Francesa defendeu, na década de 70, uma tese polêmica: “a opinião pública não existe, pelo menos na forma que lhe atribuem os que têm interesse em afirmar sua existência.”
Ele considerava “que a pesquisa de opinião trata a opinião pública como uma simples soma de opiniões individuais, recolhidas numa situação que no fundo é a da cabine indevassável, onde o indivíduo vai exprimir furtivamente, no isolamento, uma opinião isolada. Nas situações reais, as opiniões são forças e as relações entre opiniões são conflitos de força entre os grupos”. Com sua argumentação, Bourdieu não queria invalidar a produção de pesquisas de opinião, mas relativizar seus resultados e demonstrar que elas, muitas vezes, são construídas de forma tal que reforçam as posições de determinados grupos de interesse.
No que diz respeito, portanto, ao apoio popular à intervenção militar, caberia indagar quais perguntas foram feitas às pessoas entrevistadas; quantas delas já viveram experiências concretas de intervenções armadas das forças armadas em seus territórios de moradia, tais como a população da Maré e do Alemão; acima de tudo, que alternativas foram apresentadas além da proposta de intervenção, colocada como um fato.
Objetivamente, o sentimento de insegurança e desproteção do cidadão carioca, em geral, é tão grande – em processo muito alimentado pelos meios de comunicação – que as pessoas tendem a achar que qualquer solução que implique enfrentar o pretenso quadro de caos social é válida.
Não há, na verdade, uma reflexão maior sobre o que pode representar essa intervenção em termos de violações de direitos da população; violências e constrangimentos nos territórios; eventual envolvimento de membros das forças armadas em atos ilegais; desvio de função das Forças Armadas, que pode contribuir para a perda de seu papel institucional.
Há, por sua vez, especialmente, a percepção de que as forças armadas priorizarão sua ação nas favelas e periferias, transformando-as em zonas de guerra, nas quais se pode agir ignorando os direitos mais básicos dos seus moradores e colocando em risco de violações de direitos, em particular o direito à vida, de forma constante.
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Não por acaso, o Ministro da Defesa defende o uso do mandado coletivo nas ações. Ora, quando se propõe algo do tipo, ninguém supõe que ele está pensando em usar o dispositivo em bairros como Leblon ou Ipanema. É nas favelas que se pensa em usar um artifício que não tem base jurídica alguma, é ineficaz, ineficiente, autoritário e uma violência absurda contra 99% da população dos territórios populares que não têm vinculação alguma com atividades criminosas.
Assim, no que diz respeito às sondagens de opinião, caberia perguntar às pessoas se elas são a favor ou contra a intervenção militar depois de situar o custo absurdo que ela representa para os cofres públicos – lembrando que apenas na Maré foram gastos cerca de seiscentos milhões de reais em pouco mais de um ano; que ela pode ter sua casa invadida pelas forças policiais; ter seus familiares – inclusive filhas e filhos menores de idade – revistados de forma constrangedora; que ela pode ser baleada em situações de confronto constantes; que ela pode ter proibido ou cerceado seu direito de ir e vir, de se reunir, de realizar ou participar de eventos públicos, de viver, enfim, seu cotidiano com liberdade.
E, acima de tudo, ter a informação que nunca, em lugar algum do Brasil, a intervenção teve resultados positivos permanentes, sendo que os grupos criminosos sempre ficaram mais fortes após a retirada das forças armadas.
Depois disso, se a pessoa continuar apoiando a intervenção militar, a sondagem refletirá uma posição consciente e efetiva.
*Jailson de Souza e Silva é Fundador do Observatório de Favelas, diretor geral do Instituto Maria e João Aleixo.