MEC age para censurar curso da UnB sobre o golpe de 2016. Ministro Mendonça Filho (DEM) acionou MPF e órgãos de controle para coagir a universidade e professor, que classificou a proposta como corriqueira. "A única coisa que não é corriqueira é a situação do Brasil"
O ministro da Educação, Mendonça Filho (DEM), afirmou que vai acionar nesta quinta-feira (22) o Ministério Público Federal (MPF), a Advocacia-Geral da União (AGU), a Controladoria-Geral da União (CGU) e o Tribunal de Contas da União (TCU) para a investigar a disciplina O Golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil do curso de graduação em Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB).
A proposta é do professor Luis Felipe Miguel, que diz que o objetivo é estudar a ruptura democrática que culminou com a derrubada da presidenta Dilma Rousseff, a agenda de retrocessos sociais e de restrições à liberdade pelo governo Temer e analisar as possibilidades de restabelecimento do Estado de direito e da democracia política no país.
O anúncio da nova disciplina despertou a fúria e a ânsia por censura nos círculos do governo e também da imprensa tradicional conservadora. Mendonça prometeu investigar supostas irregularidades e identificar eventuais culpados.
“Eu achei um absurdo. Não é possível que no âmbito de uma universidade pública alguém possa aparelhar uma estrutura para defender ideias do PT ou de qualquer outro partido. Estão transformando o curso numa extensão do PT e dos seus aliados“, esbravejou o ministro ao site Poder 360.
Questionada pelos jornalistas, a direção da UnB afirmou os departamentos da universidade têm “autonomia para propor e aprovar conteúdos”, destacou seu “compromisso com a liberdade de expressão e opinião”, e reafirmou que as universidades são “por excelência” espaços democráticos para o debate de ideias.
Pelo Facebook, o professor Miguel, que também é doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), comentou a ameaça de censura, a “falsa polêmica” e o “estardalhaço” criada pela imprensa. Segundo ele, trata-se de uma disciplina “corriqueira” de interpelação da realidade à luz do conhecimento produzido nas ciências sociais.
“A única coisa que não é corriqueira“, segundo o professor, é a atual situação do país, e criticou o discurso que a cobrança por “imparcialidade” que, assim como no jornalismo, serve para silenciar opiniões e posições divergentes. “A disciplina que estou oferecendo se alinha com valores claros, em favor da liberdade, da democracia e da justiça social, sem por isso abrir mão do rigor científico ou aderir a qualquer tipo de dogmatismo“, defendeu o professor.
Apoios
Professores e estudiosos também reagiram às ameaças de cerceamento à liberdade de cátedra e à autonomia universitária. O professor de Gestão de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP) Pablo Ortellado classificou como perigosa a iniciativa do MEC de investigar a proposição da disciplina e declarou que, “se esse governo fosse sério“, as declarações e ações de Mendonça Filho seriam motivos suficientes para a demissão do ministro.
Ele afirmou não ter “qualquer acordo” com as teses do professor Luis Felipe, mas classificou a sua interpretação como “legítima“, e destacou que é uma visão defendida por “parcela expressiva” dos cientistas sociais.
“O Ministério da Educação não pode e não deve se ocupar do conteúdo programático dos cursos das universidades sob o risco de conferir ao Estado o poder de censurar ou suspender investigações críticas sobre políticas públicas ou investigações científicas que contrariem orientações de governo. Não faz bem para a democracia e não faz nada bem para a ciência“, disse o professor da USP.
O advogado e professor de Direito da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Renan Quinalha afirmou que a reação autoritária do governo coloca em risco a liberdade acadêmica e “só atesta que foi golpe mesmo“. E sugeriu que os professores ofereçam cursos sobre o golpe de 2016 em todas as universidades.
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