"Reunião informal" para discutir 2ª instância reflete falta de liderança no STF
Atípica reunião informal convocada pelo decano do STF para discutir a execução da pena de prisão após uma condenação na segunda instância reflete a falta de liderança na corte
Kennedy Alencar, em seu blog
O decano do Supremo Tribunal Federal, ministro Celso de Mello, convidou os colegas para uma reunião atípica hoje. Ele quer discutir num encontro informal a possibilidade de a corte voltar a julgar a execução da pena de prisão após uma condenação na segunda instância.
Poucas vezes os ministros tiveram reuniões informais para tratar de tema tão delicado. Na maioria das vezes, encontros desse tipo são apenas momentos para melhorar a relação entre os 11 ministros que compõem o colegiado do tribunal.
A presidente do STF, Cármen Lúcia, confirmou que houve o convite de Celso de Mello, mas afirmou que não sabe qual seria a pauta. Todo o Brasil sabe.
Há incômodo de ministros com a decisão da presidente do Supremo de não levar a julgamento ações de repercussão geral que possam permitir mudança de jurisprudência em relação à execução da pena de prisão após condenação em segunda instância.
A presidência do STF é complicada, pois tem de ser exercida para a coordenação dos trabalhos de um colegiado de iguais _de pares, como costumam dizer uns aos outros. A presidência da corte também tem a função de porta-voz maior do Poder Judiciário, uma posição que deveria iluminar e não obscurecer os caminhos do direito no Brasil.
Portanto, é uma presidência de um poder da República que tem de ser exercida com mais limites, prestando contas aos dez outros ministros que compõem o colegiado. Não é como o presidente da República, que está acima de seus ministros e dá ordens aos auxiliares.
Se realmente acontecer, a reunião de hoje será sinal de grave contestação à forma como a ministra Cármen Lúcia vem liderando o STF. Nos últimos anos, o Supremo tem se mostrado cada vez mais dividido em relação a temas importantes. Tem trabalhado mais como um tribunal no qual os ministros são ilhas que decidem isoladamente e não como um grupo com ação coordenada, um verdadeiro colegiado. A ação de Celso de Mello é uma tentativa de pacificar a guerra interna no STF.
Jogo de empurra
Repetindo o que já dissera anteriormente, Cármen Lúcia afirmou à Globonews não ver razão para rediscutir esse tema. Ela já disse, porém, que não é contra analisar um habeas corpus de caso específico. Está nas mãos do ministro Edson Fachin um recurso da defesa do ex-presidente Lula.
Mas Cármen Lúcia e Fachin fazem uma espécie de jogo de empurra porque não querem ser responsáveis por uma decisão que possa, eventualmente, favorecer o ex-presidente Lula, na hipótese de o STF mudar o entendimento sobre a execução da pena de prisão após condenação em segunda instância.
A presidente do STF tem um bom argumento quando diz que bastaria a Fachin pedir que seja julgado o habeas corpus dos advogados de Lula. Ela afirmou que o relator tem o poder de pedir que o recurso seja apreciado pelo plenário. Fachin tem dito que não vai solicitar a análise.
Outros ministros dizem que seria melhor fazer um julgamento de repercussão geral para pacificar o tema de uma vez por todas, já que a última decisão aconteceu por 6 a 5 e haveria possibilidade de mudança de posição de ministros em relação àquele entendimento. Alguns acham que, num novo julgamento, não haveria garantia de mudança. Há um pouco de loteria nesses prognósticos.
Mas o jogo de empurra é ruim para o STF, que não deveria fugir das suas responsabilidades. Todos os principais atores da política e do Judiciário já se manifestaram a respeito. O juiz federal Sergio Moro defende a execução da pena de prisão após condenação em segunda instância. Ministros do STF, como Marco Aurélio Mello e Gilmar Mendes, entendem que a Constituição não autoriza a atual jurisprudência.
Como qualquer outro cidadão, o ex-presidente Lula tem o direito de lutar para não ser preso. Se é casuísmo tentar beneficiar um réu porque ele é um ex-presidente da República importante, também é casuísmo evitar a análise do caso para prejudicar um réu por ele ser um ex-presidente da República importante.
O Supremo tem de descascar os seus abacaxis. Possui o poder que possui na democracia justamente para isso. Cabe ao Supremo ter coragem de tomar decisões, sejam num sentido ou noutro. É Supremo Tribunal Federal para isso. A omissão e o jogo de empurra são ruins para o Judiciário e para o Brasil, porque revelam fraquezas da mais alta corte de justiça do país.
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