Jornalista, professor e escritor formula dez questões sobre como seria possível explicar ao mundo a prisão de Lula
Juremir Machado da Silva*, RBA
1 – Como o Brasil explicará ao mundo, se Lula for preso, que o presidente visto por organismos internacionais como aquele que mais fez pelos pobres depois de Getúlio Vargas e de João Goulart, derrubado quanto tentou fazer mais, foi condenado sem uma prova clássica, robusta, convincente, aplicada ao longo do tempo e dos casos, enquanto Aécio Neves segue senador apesar de uma mala de provas contra ele?
2 – Como o Brasil explicará ao mundo que Lula seja preso enquanto Michel Temer governa o país numa espécie de liberdade condicional – será investigado depois do fim do mandato?
3 – Como o Brasil explicará ao mundo que um presidente possa governar mesmo acusado de crimes graves, mas, deixando de ser presidente, passe a ser alvo imediato da justiça? Não seria como deixar um suspeito de coisas graves administrar nossa casa até voltarmos de viagem só para que ela não fique abandonada?
4 – Como o Brasil explicará ao mundo, depois de zombar de Lula por ele dizer que não sabia de nada, que Temer não sabia das malas de dinheiro de seu braço direito Geddel Vieira Lima e de seu braço esquerdo Rocha Loures?
5 – Como o Brasil explicará ao mundo que o STF deixou um deputado acusado de crimes graves comandar o impeachment de uma presidente acusada de manobras contábeis, não de corrupção, e logo depois de concluído o serviço sujo afastou-o?
6 – Como o Brasil explicará ao mundo que não se trata de golpe em várias fases quando o afastamento de Dilma foi feito com um pretexto jamais usado contra outros presidentes, embora praticado por eles, manobras contábeis, e a condenação de Lula foi por indícios, não por provas, enquanto normalmente haveria absolvição por insuficiência de provas?
7 – Como o Brasil explicará ao mundo que o Ministério Público denunciou Lula por um motivo (o recebimento de vantagens indevidas com dinheiro dos contratos da Petrobras com a OAS), o juiz Sérgio Moro condenou-o por outro (afirmando não haver relação entre os tais contratos e o tríplex do Guarujá) e o TRF-4 aumentou a pena e confirmou a condenação não pelos motivos de Moro, mas pelos do MPF?
8 – Como o Brasil explicará ao mundo que Sérgio Moro, juiz natural dos casos envolvendo a Petrobras na Lava Jato, continuou juiz competente no caso do tríplex de Lula depois de declarar que não existia relação entre a Petrobras e o tríplex atribuído a Lula?
9 – Como o Brasil explicará ao mundo que o tucano Eduardo Azeredo continua livre, apesar de condenado em segunda instância há meses, aguardando julgamento de embargos, enquanto tudo o que diz respeito a Lula é acelerado em nome da prioridade do combate à corrupção?
10 – Como o Brasil explicará ao mundo, se Lula for para a cadeia, que o primeiro presidente preso seja logo o que veio do povo enquanto os que vieram dos berços esplêndidos não são nem investigados?
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*Juremir Machado da Silva é jornalista, professor e escritor, foi coordenador do Programa de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).
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