Nas últimas semanas, apenas para citar os casos em evidência, tivemos o assassinato de Marielle, os atentados contra Lula, o ataque de um aluno nazista contra um colega negro, as ameaças de morte ao padre Júlio Lancellotti e a chacina de cinco jovens em Maricá. Padre Amaro será a próxima vítima?
Mauro Donato, DCM
Nas últimas semanas, apenas para citar os casos mais em evidência, tivemos o assassinato de Marielle Franco, os atentados contra Lula, o ataque de um aluno nazista contra um colega de classe negro em uma escola de São Paulo, as ameaças de morte direcionadas ao padre Júlio Lancellotti e a chacina de cinco jovens em Maricá após assistirem um show do cantor Projota (o tipo de episódio que a vereadora Marielle tanto denunciava).
Soma-se agora a essa lista de atrocidades a perseguição ao padre Amaro. Sacerdote que trabalhou ao lado Dorothy Stang (a missionária assassinada em 2005 a mando de fazendeiros grileiros), padre José Amaro Lopes de Sousa vinha dando sequência ao trabalho da religiosa americana na Comissão Pastoral da Terra, em Anapu, no Pará.
Nesta terça-feira, padre Amaro foi abordado na rua por mais de 20 policiais e conduzido até a sua residência para realização de um mandado de busca e apreensão. O objetivo era o de recolher documentos e objetos que comprometessem o pároco. As acusações são de incitação a invasão de terra, extorsão e abuso sexual. O caso – e as provas – corre em segredo de justiça.
No domingo a noite, os cinco garotos que participavam de um grupo de dança, cantavam rap e trabalhavam em produções de eventos voltavam de um show de Projota foram executados na mesma área de lazer onde costumavam dar aulas para crianças de 8 a 10 anos. Dois dos jovens eram filiados ao PCdoB. A polícia investiga a participação de milicianos no caso.
Levantar suspeita de ‘desvio de comportamento’ contra padres é a maneira mais fácil (e covarde) de conquistar a opinião pública. E acusar padre Amaro de agir como um grileiro é aproveitar-se do momento político – de algum resquício de antipatia com o MST – e inverter os papéis. O pároco está sendo definido como um ‘grande líder e incentivador das ocupações de terras no município’.
Dorothy Stang foi morta por defender comunidades pobres de serem expulsas de áreas disputadas por barões da terra e por atuar nos chamados PDS (Projetos de Desenvolvimento Sustentável).
Padre Amaro faz o mesmo (junto às Irmãs de Notre Dame, a mesma congregação a qual Dorothy pertencia) e sua prisão ocorre no exato momento em que começavam a circular informações de que uma gleba seria liberada em breve em favor dos colonos, contrariando interesses de gente graúda.
Os meninos de Maricá foram mortos por motivos ainda não esclarecidos, mas entre as certezas temos que eram pobres, negros, que faziam um trabalho de conscientização social. O professor Igor Fuser (Relações Internacionais da UFABC) postou nas redes sociais:
“Cinco jovens assassinados, dois deles vinculados ao PCdoB, e todos faziam trabalho social e cidadão. Os prováveis assassinos são integrantes de milícias (grupos ilegais e fortemente armados, formados por policiais, ex-policiais, comerciantes, etc) que assumem o controle de favelas e outras comunidades pobres, onde cobram proteção aos moradores, comerciantes e microempresários, no mais puro estilo mafioso, e em muitos casos se envolvem também com o tráfico de drogas, de armas e outras atividades criminosas, com a conivência e cumplicidade das forças policiais. Quem cai em desgraça com as milícias é eliminado, como parece ter sido o caso desses jovens.”
O bispo de Marabá, Dom Vital Corbellini, demonstrou preocupação com a situação de padre Amaro e fez uma contundente defesa da reforma agrária:
“Estamos apreensivos com os acontecimentos que estão correndo nestes últimos dias em relação à prisão do Padre Amaro e tudo aquilo que se refere à questão da terra no Pará, Sul e Sudeste do Estado (…) É preciso lutar pela terra para todas as pessoas, contra o desmatamento de florestas, favorecer a vida do povo pobre que vive na sua terra. Como a terra nesta área é muito expressiva em minérios, e outros metais de valor, atrai a atenção das grandes empresas, e os proprietários de terra fazendo com que haja a concentração da terra sempre mais nas mãos de algumas pessoas. O latifúndio está reinando. Quem grita contra tal situação corre o risco da perseguição ,e às vezes, da própria vida. Os conflitos agrários são diversos em todo o Estado de modo que é preciso pensar a reforma agrária.”
A prisão do padre Amaro é resultado da influência dos fazendeiros e grandes latifundiários sobre o poder judiciário da região. A juíza nem mesmo deu-se ao trabalho de ouvir o Ministério Público antes de decretar a prisão. Prisão esta que é preventiva e não em razão de flagrante. Está fundamentada exclusivamente em depoimentos, obviamente, de fazendeiros.
Desde a morte da missionária Dorothy Stang, padre Amaro já recebeu centenas de ameaças de morte. Seus inimigos, entretanto, devem ter avaliado as consequências de ter mandado matar a missionária e, ao que tudo indica, elaboraram um golpe branco. Aproveitaram o rastro do escândalo de Formosa no qual padres foram presos por desvio de dinheiro e simularam mais uma operação.
Como aos olhos e ouvidos do telespectador leigo hoje tudo é uma grande ‘operação’ para passar o país a limpo, tome ação abusiva pra cima dos que incomodam.
A Direção Nacional da CPT emitiu uma nota: “Padre Amaro é um incansável defensor dos direitos humanos e, por isso, é odiado pelos exploradores da região e por aqueles que acobertam seus crimes. Há muito tempo que ele vem sendo ameaçado de morte pelos latifundiários, por aqueles que querem se apropriar criminosamente de terras públicas para explorá-las, às custas da expulsão do povo que precisa das terras para sobreviver”.
Tão logo tomou conhecimento de que os jovens executados estavam retornando de seu show, o rapper Projota também manifestou sua tristeza num tom menos indignado que resignado.
“Tô me sentindo assim, fraco e impotente (…) Espero realmente que respostas cheguem! Pois é assim hoje em Maricá, como foi em Osasco, como acontece em todas as favelas no RJ, nas periferias do Nordeste e em cada canto do nosso país. Gente sem voz, povo acuado e fragilizado, até quando??? Até quando??? Hoje a quebrada chora”.
Quem acreditava que as mortes de Chico Mendes ou Marielle Franco seriam divisores de águas, enganou-se.
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