Redação Pragmatismo
Justiça 17/Mar/2018 às 09:57 COMENTÁRIOS
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Padre que violentou menor durante 5 anos é condenado a 63 anos de prisão

Publicado em 17 Mar, 2018 às 09h57

"Os abusos sexuais eu curei com terapia, mas não o calvário judicial e o acobertamento", diz a vítima, hoje com 35 anos. Padre que abusou de menor durante anos é finalmente condenado. A sentença é também a primeira que envolve diretamente dois bispos em atividade, por saberem das aberrações e não denunciá-las

Padre que violentou menor condenado México

Jesús Romero chegou exausto à sentença da quinta-feira. Reconhece que é histórica, mas também que foram tão duros os abusos sexuais como os últimos 10 anos de litígio judicial. Dos seus 35 anos de vida, passou uma década brigando por justiça e recordando repetidamente aquele sacerdote que o bolinava até lhe causar asco e o obrigava a fazer sexo oral durante dezenas de fins de semana passados na sua casa, em Cuernavaca, na região central do México.

Na semana passada, pela primeira vez na Cidade do México um sacerdote em atividade, Carlos López Valdés, de 70 anos, foi condenado pelo estupro de um menor. Um tribunal condenou o religioso a 63 anos de reclusão. A sentença é também a primeira que envolve diretamente dois bispos em atividade, por saberem das aberrações e não denunciá-las.

É quase um padrão no México que muitas vítimas precisam denunciar, investigar, reunir as provas e até localizar os culpados por conta própria antes de conseguirem justiça. Se além disso os envolvidos tiverem alguma relação com a Igreja Católica, então a tarefa é titânica.

Quando soube da sentença, comecei a chorar. Nem sequer pensava em tudo o que Carlos me fez, e sim no martírio que passei depois, por denunciar. O Ministério Público fez provas desaparecerem, me tratou mal, me humilhou, me intimou nas férias e tentou me convencer de que o caso tinha prescrito”, conta.

Quando Jesús apresentou como prova as fotos do religioso vestido só com uma tanga ou nu, com o pênis do menino na boca, teve que escutar os porta-vozes da diocese dizerem que ele “só estava atrás de um dinheirinho”. “É fácil falar, mas foram 10 anos duríssimos, nos quais tantas vezes saí abatido da Procuradoria Geral da República”, recorda ele em entrevista ao ElPaís.

A sentença de 8 de março é também uma soma de recriminações ao Ministério Público por obstruir deliberadamente um processo repleto de provas. O caso reabre o debate sobre o direito canônico e seu emprego no direito civil. É suficiente esconder aos culpados em “clínicas espirituais”? Por que permitiram que o sacerdote continuasse em contato com crianças e celebrando missas mesmo depois de conhecidas as provas?

Em 1994, Jesús queria ser missionário. Nas igrejas de São Agustín de las Cuevas e de San Judas Tadeo, no centro da capital, conheceu o padre Carlos, com quem começou a celebrar missa como coroinha, e a quem amava como a um pai.

Um dia ele pediu permissão aos meus pais para que me deixassem passar um fim de semana com ele. Ao anoitecer, me pediu que me deitasse com ele, embora houvesse outros dois dormitórios. Senti que era algo muito estranho que eu fosse dormir com um sacerdote na mesma cama, era como se eu não pudesse compartilhar daquele lugar, que apesar de estar fora da paróquia estava, ao menos para mim, impregnado de algo sagrado. Coloquei o meu pijama para dormir, mas ele me disse que aquilo era anti-higiênico, que tirasse. Obedeci com muita dificuldade, já que nunca tinha estado nu diante de alguém que não fosse a minha mãe.”

De madrugada, comecei a sentir que me tocavam as minhas partes íntimas. Acordei assustado e percebi que era ele. Não soube como reagir, simplesmente não podia acreditar. A única coisa à qual pude aferrar foi pensar que ele estava dormindo”, recorda, sobre aqueles dias. Jesús tinha 11 anos na época.

Os abusos continuaram até que um dia foram descobertas numa caixa dezenas de fotos e cartas do religioso com outras pessoas, “suponho que pedófilos também, que lhe pediam mais fotos minhas. Então, ele as trocava”.

Todos os detalhes do caso foram narrados pela jornalista Sanjuana Martínez em seu livro Manto Púrpura (editora Mondadori, em espanhol) e depois por Alejandra Sánchez no documentário Agnus Dei: Cordero de Dios. O filme mostra a infatigável busca de Jesús por todas as paróquias da cidade até encontrar e confrontar o “homem que me ferrou a vida”.

Durante esses anos (1994-1999), pelo menos dois bispos em atividade estavam a par da existência de um sacerdote que se cercava de meninos, com os quais passava os fins de semana na piscina de Cuernavaca e que gostava de ser fotografado com roupa íntima feminina.

Os bispos de Sinaloa, Jonás Guerrero, e de Colima, Marcelino Hernández, viram aquelas imagens e se limitaram a enviar uma carta ao religioso sugerindo-lhe que se internasse na Casa Damasco “para cuidar da sua problemática”. A Casa Damasco é uma das três enigmáticas moradias da Igreja mexicana destinadas a atender casos de sacerdotes com algum transtorno sexual.

Em todo esse tempo, a principal dificuldade foi romper os vínculos jurídicos e políticos com os religiosos. Impediram que a investigação avançasse”, diz Luis Ángel Sala, advogado da organização de direitos humanos Grupo de Ação para a Justiça Social, que se encarregou do caso. A ONG decidiu apresentar duas denúncias contra os bispos ao Ministério Público por crimes sexuais.

O que esse homem me fez eu consegui superar depois de muitos anos de trabalho em terapia. Mas não o que aconteceu depois. Eu pensava que era a vítima, que tinha sofrido abuso e estupro, e que todos ficariam do meu lado para colocar um delinquente na prisão e afastá-lo de qualquer criança. Mas não, tudo virou um calvário.”

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Jacobo García, ElPaís

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