Prontos a aplaudir o jovem Miguel Santo Amaro, fundador da empresa, uma centena de funcionários se espalham todas as quartas-feiras pelo chão, por sofás, bancos, degraus de escadas e até por uma rede que decora o ambiente de trabalho da startup portuguesa Uniplaces.
Conectados via web a colegas distribuídos por várias capitais europeias, eles recebem de seu “guru” os dados positivos sobre a performance e as diretrizes para as próximas semanas da companhia, uma das que simboliza a recente retomada econômica em Portugal.
Há seis anos, a empresa, espécie de Airbnb da habitação estudantil, desenvolveu uma plataforma digital que conecta proprietários de imóveis e universitários em busca de alojamento de aluguel durante o ano letivo. A ideia deu certo e atraiu aportes externos, um primeiro de € 3,2 milhões e um segundo de € 24 milhões em 2015. Hoje a companhia já soma 140 funcionários e se tornou referência em seu setor na Europa, atuando em seis países e movimentando € 100 milhões só em transações entre estudantes e proprietários.
O caso de sucesso no universo digital é apenas um em meio a uma economia que, após anos de recessão, reencontrou o caminho da prosperidade. Depois de virar a página do socorro econômico de € 78 bilhões e da consequente intervenção da União Europeia (UE) e do Fundo Monetário Internacional (FMI), Portugal vive hoje seu melhor desempenho econômico em 17 anos. Com o “crescimento do século”, de 2,7% em 2017 – acima da média da UE –, e o desemprego em forte baixa, em 7,8%, o país não só vem saneando suas finanças públicas como já voltou a aumentar o salário mínimo. Antes moribunda, sua indústria cresce e se qualifica, ao mesmo tempo em que o país se transforma em um celeiro europeu de tecnologia, design e economia digital.
Virada
O “milagre português”, como vem sendo chamado por alguns analistas econômicos mais eufóricos, reflete a virada de expectativas em torno do país. Atingido em cheio pela crise financeira global, Portugal enfrentou entre 2010 e 2014 o risco concreto da falência. Com um déficit público de 9,4% do PIB em 2009, o país acabou arrastado pela crise das dívidas da zona do euro, tornando-se, ao lado da Grécia e da Irlanda, um dos primeiros a serem socorridos pelo FMI na história da Europa. De grau de investimento com dívida classificada A+ pela agência Standard & Poor’s, acabou rebaixado a grau especulativo, nível que indica mais risco para investidores.
Nesse período, mais de 500 mil pessoas, a maioria jovens, buscou postos de trabalho no exterior, em países como Brasil, Angola, Moçambique e na Europa.
Hoje a política de austeridade ficou para trás e a situação se inverteu. Em Lisboa, o comércio prospera em bairros como o Alfama, recheado de turistas e também de restaurantes típicos e casas de fado. Na capital e no Porto, as duas maiores cidades do país, prosperam pequenos e médios negócios que vão da cosmética natural e da alimentação orgânica à realidade virtual e à inteligência artificial. Não raro, essas áreas se fundem, como no caso da The Green Beauty Concept, uma loja de cosmética natural via e-commerce criada em 2017 por Joana Parente, 30 anos, na cidade de Estoril. “Havia uma lacuna que podíamos preencher”, conta Joana, referindo-se ao mercado nacional.
Antes fora do mapa da inovação digital, Lisboa tornou-se um dos hubs mais promissores para novas empresas de toda a Europa. Atraídos pela qualidade de vida, pela qualificação da mão de obra jovem e, sobretudo, pelo seu custo baixo, startups têm se mudado para Lisboa. A capital agora atrai grandes eventos do setor de tecnologia, como o WebSummit, espécie de Fórum de Davos do universo digital. De acordo com dados da incubadora público-privada Startup Portugal, 46% dos empregos criados no país estão ligados ao universo das startups. Mais de 2,3 mil estão em incubação nesse momento, e nelas mulheres ocupam postos de liderança em 35% dos casos. “Houve uma oportunidade muito específica durante a crise”, diz Miguel Santo Amaro.
A busca pelo dinamismo também é seguida por multinacionais europeias. Este mês, parte do setor de informática do banco francês Crédit Agricole será transferido para Lisboa, aproveitando uma economia da ordem de 30% nos gastos. Desde 2016, BNP Paribas e Natixis fizeram o mesmo, um movimento também seguido por empresas da Alemanha e do Reino Unido.
A nova fase de Portugal beneficia ainda a “velha indústria”, que também se recupera. Devastado pela concorrência com os países do Leste da Europa e da Ásia, o setor têxtil e de vestuário, um dos mais tradicionais do país, viu quase 50% de suas empresas fecharem entre 2001 e 2009. Hoje reorganizado, bateu seu recorde nas exportações do país – € 5,23 bilhões em 2017.
Ainda há dúvidas se expansão é sustentável
Embora satisfeitos com os números do PIB e do desemprego registrados em 2017, economistas portugueses manifestam dúvidas sobre se o crescimento verificado no ano passado é sustentável. José Reis, diretor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (FEUC), elogia a recuperação, mas entende que a economia portuguesa ainda enfrenta desequilíbrios preocupantes e que o tamanho da dívida pública vai continuar a absorver grande parte do crescimento ao longo das próximas décadas.
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Andrei Netto, Agência Estado
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