Empresário que divulgou um vídeo liberando seus funcionários para a manifestação contra o ex-presidente Lula já foi condenado por sonegação
Joaquim de Carvalho, DCM
O empresário Edgard Gomes Corona, fundador e presidente do Grupo Bio Ritmo/Smart Fit, divulgou um vídeo em que convida todos os brasileiros para participar das manifestações desta terça-feira contra o HC de Lula:
— Esse casuísmo, essa história que nós estamos colocando do sujeito ter a presunção de inocência até a última instância, a Lava Jato condenou 110 pessoas na primeira instância, não tem um condenado no Supremo. Tudo prescreve. Essa vai ser o nosso destino. Ou nós vamos lá, ou nós vamos para a rua.
Edgard Gomes Corona, descrito em perfis da velha imprensa como um empresário bem-sucedido, também teria liberado seus funcionários (seriam 5 000, em todo o Brasil) para participar das manifestações de rua.
O que os jornais não dizem nos perfis elogiosos do grande anunciante é que Edgard Gomes Corona foi condenado por sonegação fiscal na década de 90, e só não foi preso porque, num recurso de apelação, dezoito anos depois do crime, o Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu que o delito estava prescrito.
Antes de atuar no ramo de fitness, Edgard dirigiu a Usina Bonfim, herdada de sua família, na região de Jaboticabal.
Segundo o Ministério Público do Estado de São Paulo, ele e dois outros diretores “reduziram tributos mediante fraude contra a fiscalização tributária, via inserção de elementos inexatos em documentos e livros exigidos pela lei fiscal, bem como falsificação de notas fiscais”.
A denúncia contra eles, acatada pela Justiça, descreve uma série de condutas criminosas para sonegar dinheiro devido aos cofres públicos — dinheiro que, sempre é bom lembrar, serve para financiar a segurança pública, hospitais e escolas.
Em um dos casos descritos, a Corona S.A., da Usina Bonfim, vendeu entre janeiro e maio de 1992 açúcar para a Santa Elisa Indústria e Comércio Ltda, com sede em Cariacica, no Espírito Santo, só que a mercadoria nunca chegou.
Nem era para chegar. Era apenas uma forma de colocar produto no mercado paulista sem recolher os 18% de ICMS. Na operação entre Estados, a alíquota era menor — 7%.
Em 2002, Edgar Gomes Corona foi condenado a 3 anos de reclusão em regime aberto e ao pagamento de 300 dias-multa (cada dia multa fixado no valor de cinco salários mínimos).
A reclusão foi convertida em duas penas restritivas de direitos, consistentes na prestação de serviços à comunidade e limitação de final de semana.
Mas ele não chegou a cumprir nada porque, graças a uma sucessão de recursos, inclusive HCs, conseguiu postergar a sentença.
Em 2010, com base no voto do desembargador José Raul Gavião de Almeida, o Tribunal entendeu que já era tarde para puni-lo.
“Em face da prescrição superveniente ter incidido na hipótese sub examine, torna-se imperativo que se reconheça a extinção da punibilidade nos termos do artigo 107, inciso IV do Código Penal”, decidiu o tribunal.
Chega a parecer cinismo que, em sua convocação para os atos organizados pelo Vem Pra Rua e MBL, Edgard Corona se mostre indignado com a possibilidade de prescrição de crimes.
— Eu falo para os meus filhos. Para ir para bloquinho, vocês têm tempo. Para o escolher o país em que vocês vão viver, vocês ficam pensando. Para mim, já deu. Eu tenho 61 anos de idade, não é muito mais tempo. Para vocês de 29, 30, 35 e 23, vocês têm que ver o país que vocês vão querer. Vocês têm que determinar o destino de cada um de vocês. Então, para evitar que esses criminosos voltem para a rua, só tem um jeito, vamos nós para a rua. Dia 3, amanhã, no Brasil inteiro leve sua contribuição, se manifeste, fale: o país que eu quero não é esse que vocês estão criando. Nós queremos um país justo, com desenvolvimento, com escola, com segurança, com lei para todos, e que criminoso, assassino, tem que ficar na cadeia. Não ter esse negócio de ficar empurrando de barriga. Pessoal, conto com todos vocês amanhã. Vamos todos para a rua dizer: o Brasil que a gente quer e que vai ser para nosso futuro. Vamos lá. Espero vocês — disse.
A palavra deste homem condenado por sonegação não é muito diferente das de muitos outros que, se dizendo preocupados com o futuro da Nação, prometem ocupar a rua.
Não tem nada a ver com corrupção. O negócio é poder, preconceito e exclusão.
Na linha de frente desta campanha que, em essência, procura interditar a principal liderança política do Brasil, Lula, está a TV Globo, cujos irmãos controladores escaparam da denúncia por crime contra a ordem tributária, em 2007, graças ao desaparecimento de um processo na delegacia da Receita Federal no Rio de Janeiro.
Pode apostar: atrás de um microfone, megafone ou por trás das câmeras, controlando o espetáculo, estará sempre alguém com contas a ajustar com a Justiça, mas que, no Brasil, jamais é alcançado. E, livre, pode dizer que criminoso é sempre o outro, de preferência no campo popular.
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