Finalmente a esquerda marca pontos na atual guerra no front do campo simbólico da sociedade (grande mídia + opinião pública): a ocupação do indefectível “triplex do Lula” no Guarujá apresentou todas as características de um petardo semiótico
Wilson Roberto Vieira Ferreira, Cinegnose
Finalmente a esquerda marca pontos na atual guerra semiótica no front do campo simbólico da sociedade (grande mídia + opinião pública): a ocupação do indefectível “triplex do Lula” no Guarujá pelo MTST e a Frente Povo Sem Medo apresentou todas as características de um petardo semiótico: Detonação, Letalidade, Dilema Midiático e Dissonância Cognitiva. Uma ocupação curta (pouco menos de quatro horas), mas o suficiente para a grande mídia viver um dilema e dar uma guinada gramatical no seu discurso, como se sentisse o golpe. Mas o melhor dessa bomba semiótica foi como a mídia corporativa mordeu a isca (o álibi) para a ocupação revelar o seu verdadeiro propósito: a filmagem no interior da verdadeira caixa preta em que se tornou o imóvel. Revelando a dissonância entra as narrativas jurídico-midiática e da oposição. Uma ação simbólica bem-sucedida que revela outras questões. Entre elas, a possível criação de um grupo de inteligência semiótica para multiplicar essa ação prototípica.
Este Cinegnose afirma que a rendição de Lula foi um erro, seja político ou semiótico. No mínimo, por vender aquilo que o juiz Sérgio Moro e a PF mais queriam, por um custo simbólico muito baixo. E pior, com as imagens da condução do prisioneiro faturadas em pleno horário nobre televisivo, com direito a um posterior “vazamento” de áudio do próprio apresentador que deu a notícia da prisão de Lula – o suposto vazamento do jornalista global “bonzinho”, emocionado e cheio de culpa – clique aqui.
Avaliação corroborada pelas próprias hostes da militância como a do senador Lindbergh Farias ou dos relatos do advogado Samuel Gomes sobre os lamentos e críticas à decisão de Lula ter se entregado. Desaprovações sentidas no próprio acampamento em Curitiba em frente a PF – clique aqui.
Por isso, ocupação do famoso “triplex do Lula” no Guarujá pelo MTST e a Frente Povo Sem Medo, por quatro horas, na manhã de segunda-feira demonstrou duas coisas:
(a) Uma clivagem entre a militância e o chamado “petismo jurídico” formado pelo ex-ministro da Justiça Thomaz Bastos, Tarso Genro e José Eduardo Cardoso – este, que participou das negociações com a PF para a prisão de Lula. Um crônico descompasso entre a predisposição da militância em buscar alternativas de ação política e o republicanismo jurídico do partido que embarcou na “cruzada anticorrupção” na qual os governos Lula-Dilma levariam o troféu “do país que mais combate a corrupção”.
Sem perceberem que, enquanto jovens juízes eram catapultados para cursos e bolsas nos EUA nos quais o combate ao terror se confundia com repressão a lavagem de dinheiro e corrupção, os EUA construíam sua hegemonia planejando a atual ação da guerra híbrida nas diversas “primaveras” ao longo do planeta. E hoje, a prisão de Lula se converteu no maior troféu.
(b) Uma potente e certeira bomba semiótica que lembrou a técnica ativista do empate, muito usada por ativistas seringueiros como o falecido Chico Mendes. Tática intermediária entre o pacifismo e o belicismo para criar um impasse institucional.
Estratégia que reverteria em altos ganhos simbólico na resistência de Lula no sindicato de São Bernardo, com as ruas ao redor repletas de manifestantes. Uma ação de força repressiva e invasão resultaria em severo prejuízo simbólico na midiosfera nacional e internacional: a guerra híbrida revelaria seu lado sujo, violento, bem longe das assépticas togas e data vênias que dominam a narrativa da grande mídia.
Características de uma bomba semiótica
Até aqui as ações políticas de ataque simbólico foram solitárias, curtas e reticentes. Como a do então prefeito de São Paulo Fernando Haddad: sem mais paciência para aguentar os escândalos que o historiador Marco Antônio Villa arrancava na leitura diária da agenda de Fernando Haddad, o prefeito de São Paulo aprontou uma “pegadinha” – disponibilizou uma agenda trocada (na verdade, a do governador Geraldo Alckmin), cheia de espaços em branco. “Está em branco! Em Branco! É a incapacidade de alguém pouco afeito ao trabalho!”, gritou o historiador no microfone da Rádio Jovem Pan. Certamente, enquanto o prefeito se rachava de rir.
Mas a rápida ocupação do famigerado triplex por ativistas abriu uma expectativa de que finalmente as lutas políticas da esquerda também sejam travadas no campo simbólico da sociedade – opinião pública + midiosfera. Não mais restrita a uma galhofa solitária, mas agora uma ação coletiva organizada.
A iniciativa do MTST e Frente Povo Sem Medo teve todas as características de uma bomba semiótica:
(a) Criou um acontecimento comunicacional: um evento-surpresa com logística rápida e contundente. Uma “blitzkrieg semiótica”;
(b) A mídia corporativa sentiu o impacto. Pegou a grande mídia de surpresa que, também rapidamente, avaliou o potencial impasse institucional que a ocupação criaria se fosse prolongada. Principalmente pelo leitmotiv da invasão ao triplex: “Se o triplex é dele [do Lula], ele já disse mais de uma vez que o povo poderia entrar lá e ocupar. Estamos autorizados pelo proprietário. Pela primeira vez o MTST faz uma ocupação consentida pelo proprietário. Se o triplex não é dele, o juiz Sérgio Moro vai ter que vir se explicar por que prenderam o Lula por um apartamento que não é dele“, disse Guilherme Boulos.
(c) Dessa maneira, ficou evidente o principal indício de como a grande mídia acusou o golpe, como apontou a análise linguística das manchetes realizada pela “Madrasta do Texto Ruim” no Jornal GGN: os jornais abandonaram o genitivo (caso gramatical que indica relação principalmente de posse) pelo locativo ou advérbio: “MTST ocupa triplex no Guarujá”; “MTST invade tríplex supostamente atribuído a Lula”; “MTST invade Triplex no Guarujá que levou Lula à prisão” etc. Desapareceram expressões como “Triplex do Lula” ou conectores como “Lula e o Triplex”. Afinal, se o caso se arrastasse, quem pediria a reintegração de posse do imóvel: Lula? Moro? OAS? Caixa?
(d) Simplesmente a mídia corporativa não podia ignorar ou fazer vistas grossas em relação ao que acontecia no Guarujá. Afinal, uma das lideranças da ocupação era um presidenciável. Jamais a belicosa mídia poderia perder a oportunidade de demonizar um candidato de esquerda. E tentativas de demonização não faltaram, como divulgar uma foto de um morador do condomínio. Foto icônica pela óbvia alusão pela sua gestalt a famosa sequência de perseguição do filme O Iluminado – veja o comparativo abaixo. Mas… morderam a isca e deram visibilidade ao empate institucional.
(e) Mas o melhor estava por vir. Depois de quatro horas ocupando o midiático imóvel do balneário paulista, os manifestantes foram retirados sob a ameaça de prisão comum por flagrante, sem a necessidade jurídica de reintegração. Mas o objetivo principal foi alcançado. Aquilo que nenhum jornalista investigativo da mídia corporativa (ávida em promover congressos acadêmicos sobre o assunto e apoiar agências de checagem de notícias, “fact-checking”) ousou em fazer: filmar o interior do famoso tríplex para ver, em loco, os supostos R$ 1,2 milhões investidos em reforma pela OAS para presentear Lula.
(f) Nesse momento, o vídeo do interior do tríplex roda o mundo, criando uma dissonância entre a narrativa que condenou Lula (um apartamento avaliado em dois milhões de reais por Moro) e as imagens: uma piscina pré-fabricada que mais parece uma banheira, péssimo acabamento, minúsculas suítes com armários em MDF, apertadas e perigosas escadas em caracol de concreto – provavelmente também pré-fabricadas. Nada que demonstre luxo ou, no mínimo, os milhões supostamente gastos pela OAS com a reforma.
Hoje, o tríplex está em leilão público promovido pela justiça. E está encalhado! Nenhuma das mais de 22 mil pessoas que visitaram a página do canal de lances judiciais fez uma proposta: está à venda por R$ 2,2 milhões – valor jogado para cima para legitimar a sentença de Moro. Mas pelo vídeo, o valor real nem deve chegar a R$ 800 mil…
Em síntese, a ocupação do triplex foi uma perfeita bomba semiótica porque:
1 – Detonação (impacto, repercussão, viralização);
2 – Letalidade (grande mídia acusou o golpe);
3 – Dilema midiático (marketing de guerrilha – mídia não pode deixar de dar visibilidade ao evento. Boulos foi a isca);
4 – Dissonância cognitiva (o vídeo do interior do triplex como produto final).
Uma ação tão bem-sucedida em todos aspectos (político, midiático e semiótico) deveria inspirar as lideranças a criar uma espécie de Grupo de Inteligência Semiótica (GIS) com a finalidade de explorar novas oportunidades de empates, criação de impasses institucionais, trolagens e pegadinhas para ridicularizar a mídia corporativa. E mais vezes sentir golpes como esse da ação no Guarujá
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