A conceituação do pobre de direita é a própria aberração engendrada nos meios de comunicação – que se não idiotizam – ao menos alienam. Domesticados para atacar, muitas vezes têm as suas correntes presas às mãos dos patrões ou a um pensamento ideológico atrofiado.
Mailson Ramos*
Dos mesmos autores de ‘Bolsa Família é esmola’, ‘política de cotas é privilégio para os negros’ e ‘pobre em aeroporto é um absurdo’, vem aí o novo ideário da direita brasileira: o pobre que não gosta de pobre. No espectro político, ele está no penúltimo degrau da escada social, submetido aos trabalhos pesados, mas vive ainda dos usufrutos do estado de bem estar social, promovido pelos últimos governos.
O pobre de direita é contra as cotas raciais nas universidades públicas. Subentende que pobre e negro deve pagar os seus estudos, pois, ao aderir a uma política de concessão do estado, estaria contribuindo com a discriminação. Ele, pobre e negro, não consegue compreender a condição de excluído da sociedade, a histórica subserviência da classe, a escravidão dos seus antepassados que durou 300 anos e foi a última a acabar no mundo.
O pobre de direita não compreende o que é política de direita ou de esquerda. Conceituado assim porque adere a pensamentos conservadores e neoliberais (que ele também não compreende), este cidadão absorve das premissas do contexto político um lugar que é seu por osmose. Muitas vezes submete-se a um contexto familiar, a uma conjuntura no espaço de trabalho, a qualquer motivo que não seja a capacidade ideológica, racional e consciente de decidir e de militar.
O pobre de direita é contrário às políticas sociais. Possivelmente passou fome ou viu alguns dos seus passar; ou atravessou um mar de necessidade, nos tempos em que o governo estendia a mão e junto o cabresto. Viu crianças morrerem desnutridas e outras nascerem mortas. Viu o suplício do nordestino com a seca e a morte dos seus rebanhos. Viu o retirante partir para as grandes cidades, molambento, para se humilhar nas portas das fábricas.
‘Bolsa Família é esmola’ virou mantra fundamental. Para além das ideias conservadoras, era mais importante congelar investimentos em Saúde e Educação durante 20 anos, do que reajustar um auxílio social. Era preciso cortar. Porque pobre tem que trabalhar. Pobre tem que morrer trabalhando. Sem direito a aposentadoria e sem o direito a um trabalho digno. Isso é conversa de comunista.
O pobre de direita é o perdigueiro da classe média, que é o perdigueiro da elite. Atiçados para aderir a uma ideia que no fundo só os prejudicará, seguem os roteiros da matilha do neoliberalismo, do estado mínimo, da ruptura democrática. Não são teleguiados totalmente, mas se submetem a discursos e notícias falsas que vicejam nas redes sociais. Ele é a representação do telespectador modelo concebido pelo William Bonner: um Homer Simpson.
Ao pobre de direita não interessa saber o que é presunção de inocência porque isso pode beneficiar aquele a quem considera um adversário político. Mas se indigna quando a polícia invade a sua casa; quando revista a mochila dos seus filhos a caminho da escola; quando as forças do estado revistam os seus bolsos e, não encontrando nada, atiram os seus documentos no chão. Para se agachar. Para se sentir um trapo humano.
O pobre de direita tem uma ética caolha que não o permite enxergar a corrosão do sistema político por inteiro. Que a corrupção é sistemática, muitas vezes representada socialmente pelo que chamamos de ‘o jeitinho brasileiro’. Furar fila, fraudar testes para obter a CNH, fraudar institutos para receber diplomas e certificados, adulterar, corromper, subornar, ludibriar.
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O Brasil é o único país do mundo onde prostituta se apaixona, cafetão sente ciúmes, traficante se vicia e pobre é de direita. Atribui-se esta frase a Tim Maia, cantor e compositor morto em 1998. O fato é que este FLAxFLU entre direita e esquerda não vai acabar enquanto pobres (classe trabalhadora) divergirem entre si. Porque a elite brasileira não diverge. Quando quer destituir um governo, por exemplo, mídia, políticos e mercado aderem a um só discurso.
E conseguem sempre angariar adeptos aos seus interesses. Pobre de direita é barata fazendo propaganda para inseticida. Porque o genocídio da população negra e pobre continua. Continuam – agora mais do que nunca – os negros impossibilitados de entrar na universidade. Voltam as crianças nordestinas a pedir esmolas nas estradas. Que rumos são esses?
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*Mailson Ramos é escritor, profissional de Relações Públicas e autor do site Nossa Política.
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