Desistência de Joaquim Barbosa frustra defensores de "fórmulas mágicas"
Primeiro foi Doria, depois Luciano Huck e agora Barbosa. E talvez venha outro. Desistência de Joaquim Barbosa mostra que é a direita, e não a esquerda, que terá problema nesta eleição
Joaquim de Carvalho, DCM
O anúncio de que Joaquim Barbosa desistiu de se candidatar a presidente mostra que que aqueles que procuram uma novidade para esta eleição perderam novamente.
Primeiro foi Doria, depois Luciano Huck e agora Barbosa. E talvez venha outro. Ou, sem nomes, uma fórmula mágica que afaste Lula (ou quem ele indique) da vitória em outubro.
Pois é disso que se trata esta eleição: de um lado, Lula. De outro, o anti-Lula. Mas alguém poderá dizer: Lula está morto politicamente, preso e sem condição legal de se candidatar.
É controverso — embora seja, de fato, remotíssima a possibilidade de sua candidatura ser aceita pela justiça eleitoral.
Isso não significa que se deva abrir da candidatura dele agora, como fez o governador Flávio Dino, na entrevista à Folha de S. Paulo.
Segundo o jornal, ele acha que a esquerda deveria se unir em torno da candidatura de Ciro Gomes, que é no campo progressista o mais bem colocado na pesquisa de intenção de voto.
Flávio Dino, um dos mais competentes quadros da esquerda brasileira, tem legitimidade para defender a candidatura de quem quer que seja, ainda que isso signifique enfraquecer a candidatura de Manuela D’Ávilla, do seu partido.
Mas o governador erra ao dizer que Ciro é o mais bem colocado na pesquisa de intenção de voto.
Não é.
O mais bem colocado é o nome que Lula indicar. É o que revela todas as pesquisas.
O indicado de Lula (seja ele quem for) está à frente de Bolsonaro, o nome mais bem colocado da direita.
Então, por que o anúncio de que haverá apocalipse na esquerda se não se definir agora por um nome alternativo?
Só as articulações com interesses regionais podem explicar declarações desse tipo.
Dino e os demais que se apressam no anúncio da unidade em torno da candidatura de Ciro puxam para si o ônus que deve ser o da direita entreguista: barrar Lula, matá-lo politicamente.
É preciso compreender que esta eleição se dará em torno de uma ideia — Lula perseguido tornou essa ideia mais clara do que nunca e hoje se confunde com ela.
A ideia do Brasil soberano e inclusivo x a ideia de um país que se move pelos interesses do mercado financeiro, do grande capital.
Guilherme Boulos, do PSOL, em sua entrevista ao Roda Viva, mostrou que compreende muito bem esse processo.
Talvez seja por isso que Lula, com 72 anos de idade, vê em Boulos um político com uma avenida aberta pela frente.
Em seu discurso no Sindicato dos Metalúrgicos, no dia 7 de abril, Lula fez questão de destacar o valor do líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST):
“Boulos é nosso companheiro que está iniciando uma jornada, sendo candidato a presidente da república pelo PSOL. É um companheiro da mais alta qualidade. Vocês têm levar em conta a seriedade desse menino. Eu digo menino porque ele tem só 35 anos de idade e eu, quando fiz a greve de 78, tinha 33 anos de idade e consegui, através da greve, chegar a criar um partido e virar presidente. Você tem futuro, meu irmão. É só não desistir nunca.”
Boulos reagiu com um beijo no rosto do ex-presidente.
Lula também se dirigiu a Manuela D’Ávilla e saudou sua estréia como candidata a presidente. Disse que é motivo de orgulho, numa perspectiva de esperança para o Brasil, “ter gente nova se dispondo a enfrentar a negação da política, assumindo a política e dizendo: ‘nós queremos ser presidente da república para mudar a história do país’”.
O ex-presidente poderia também citar Ciro, outro candidato do campo progressista, mas Ciro não estava ali, no momento crucial da história não apenas de Lula, mas da esquerda brasileira e do Brasil.
Política é feita de gesto, de símbolos, e a ausência tem significado. Isso não quer dizer que Ciro não seja a opção de petistas e lulistas caso vá para o segundo turno.
Ciro tem posições que qualquer progressista defenderia com vigor.
Foi firme no combate ao programa neoliberal (entreguista) de Fernando Henrique Cardoso, rompendo com seu passado tucano, e não vacilou um único momento no enfrentamento ao processo que resultou no golpe em Dilma Rousseff.
Mas Ciro não é capaz de liderar no primeiro turno um projeto de esquerda autêntico ou, como se queira, o legado de Lula.
Por razões eleitorais, ele quer é agradar o mercado.
Tudo bem, Lula já fez isso.
Mas a diferença entre os dois é que Lula tinha (e tem) uma conexão autentica com os movimentos sociais, o que alguns chamam de o Brasil profundo.
Quando agrada o mercado, o faz não em nome próprio, mas em nome desse Brasil profundo, do qual ele emergiu.
Guilherme Boulos também emergiu da luta desse Brasil profundo, embora não tenha a mesma densidade eleitoral de Ciro — entre outras razões, porque nunca disputou uma eleição.
Mas bastam alguns minutos de exposição para que se preste muita atenção no que diz, como se viu ontem no Roda Viva.
Com a prisão de Lula, o Brasil vive a mesma experiência de tempos atrás, quando a direita brasileira queria interditar de qualquer maneira o trabalhismo de Getúlio Vargas representado por Leonel Brizola.
Ou enfraquecer os movimentos sociais.
Na época, se dizia que Lula deveria abandonar a ideia de criar um partido e apoiar o PMDB, com o mesmo argumento agora usado por Flávio Dino: o PMDB tinha chance de vencer, o PT, não.
Com a mesma força que agora se move e enfrenta a solidão da cadeia, Lula não deu ouvidos e, 22 anos depois, se tornou presidente da república.
O PT tem um caminhão de defeitos, mas uma virtude que supera todos esses defeitos: a vocação pelo poder que transforma.
Poder pelo poder não significa nada.
Mas o poder que se traduz no meio para transformar para melhor a vida das pessoas é a arma que defende os mais pobres.
Alguém pode, outra vez, argumentar: Ciro é o meio para chegar ao poder.
Quem pensa assim ignora que não é Ciro nem Lula que transforma a vida das pessoas.
É o Brasil profundo que emergiu da luta contra a ditadura, dos movimentos sociais, que não pegaram em armas, mas se mantiveram firmes na busca por dias melhores.
É o Brasil que viu na política (principalmente eleitoral) o caminho para o poder que transforma. Esta eleição não se dará em torno de Ciro ou qualquer outro.
Será plebiscitária: o sim para Lula (ou o que ele representa) contra o não, que até agora só encontrou respaldo na figura sombria de Jair Bolsonaro.
A esquerda tem tudo para triunfar, inclusive com Ciro, mas a pressa para interditar Lula deve ser uma preocupação da direita — esta, sim, perdida pela falta de um candidato viável —, não de seus aliados.
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