A geração que protagonizou o movimento de Maio de 1968 se mantém fiel a seus ideais de justiça e de liberdade, afirmam especialistas no momento em que a França se prepara para celebrar o 50º aniversário de um dos meses mais intensos de sua história
No ano de 1968, a França viveu uma grande onda de protestos de caráter revolucionário. Um movimento ocorrido durante o mês de maio daquele ano provocou uma grande greve geral de trabalhadores e estudantes franceses e chegou a reverberar em outros países. Os protestos de Maio de 68 tiveram no movimento estudantil. Em 2 de maio de 1968, um movimento foi iniciado por estudantes das universidades de Paris e Sorbonne que pediam reformas no setor educacional francês. Os protestos se estenderam por vários dias e foram reprimidos com violência policial. Estudantes e trabalhadores levantaram barricadas e enfrentaram a repressão e, nesse período, Paris vivia um cenário de batalha campal.
A resposta violenta do então presidente Charles De Gaulle aos estudantes franceses fez com que o movimento estudantil ganhasse força, sendo apoiado pelo Partido Comunista Francês (PCF) e pelos trabalhadores franceses.
Com ajuda de sindicatos, o movimento convocou em 13 de maio uma greve geral no país. Com cerca de dois terços dos trabalhadores em greve, o presidente De Gaulle se sentiu pressionado e no dia 30 de maio decidiu convocar novas eleições para junho. No entanto, De Gaulle e seus aliados venceram as eleições graças à manobras políticas e promessas de aumentos salariais, o que enfraqueceu o movimento estudantil e terminou com a greve geral. Apesar da vitória, De Gaulle renunciou no ano seguinte.
As frases rebeldes de Maio de 68 na França, como o clássico “É proibido proibir”, além de “A imaginação no poder” e “O poder está nas ruas, não nas urnas”, são algumas que entraram para a história da luta política internacional. Embora apagadas dos muros, as frases sobreviveram e resistiram à passagem do tempo e permaneceram gravadas na memória de uma geração. Pintados nas paredes, principalmente do famoso Quartier Latin de Paris, sede da Universidade Sorbonne e epicentro da revolta estudantil, os grafites eram sinônimo de liberdade, diz o jornalista Julien Besançon em um livro que compilou centenas de inscrições em Paris e na cidade próxima, Nanterre, sede de outra universidade mobilizada durante as revoltas de maio.
Muitos dos grafites se transformaram em palavras de ordem e foram imortalizados na época por uma militante de belas artes de Paris, que imprimiu 600 mil cartazes, colados na capital e arredores. A maioria de seus autores conservaram o anonimato. Mas alguns evocam sua fase criativa, como Bernard Cousin, estudante que se transformou em médico e que reivindica a compaternidade de “Sob os paralelepípedos, a praia”. A frase foi fruto de uma reflexão dele e de um jovem publicitário, Bernard Fritsch, e o ponto de partida foi a frase “Há grama debaixo dos paralelepípedos”.
O famoso “É proibido proibir” foi criado por um humorista e causou furor na época. A revolta e a recusa à autoridade foram expressas no cartaz “Jovem, aqui está sua cédula para votar”, que mostrava um paralelepípedo, símbolo da luta e revolta contra os agentes da repressão policial e de barricadas.
Enquanto algumas propagandas falavam de uma sociedade voltada ao trabalho, como “Metrô, trabalho, dormir”, outros celebravam a utopia: “Sejam realistas, exijam o impossível”. Cartazes em Paris mostravam uma jovem lançando um paralelepípedo enquanto dizia: “A beleza está na rua”.
Mesmo 50 anos depois a geração de maio de 68 permanecem fiéis ao seus ideais
A geração que protagonizou o movimento de Maio de 1968 se mantém fiel a seus ideais de justiça e de liberdade, afirmam especialistas no momento em que a França se prepara para celebrar o 50º aniversário de um dos meses mais intensos de sua história. As conclusões são ainda mais surpreendentes dado o mito que cerca os jovens que protagonizaram a maior greve geral da história francesa.
“Quando investigamos as pessoas anônimas que participaram do movimento, nos damos conta de que a ideia de que a geração de Maio de 1968 deu as costas para a causa é completamente falsa”, explica a pesquisadora Julie Pagis, do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França.
Entre os membros de 170 famílias analisadas por Pagis para um livro sobre o tema, “apenas uma pessoa” deu uma guinada para a direita. “Há uma grande fidelidade à esquerda, ou à extrema-esquerda”, diz a pesquisadora.
“Mais da metade ainda tem atividades militantes” e “muitos continuam participando regularmente de manifestações públicas”, completa. “Ainda querem, por diferentes meios, mudar o mundo”, diz Julie Pagis, acrescentando que, hoje, muitos se manifestam contra as reformas de Macron.
Já o historiador Pascal Ory afirma que o espírito de Maio de 1968 não apenas influenciou comunistas e anarquistas da época, mas a esquerda como um todo e se prolongou por meio de novos combates “influenciados por perspectivas libertárias”, como o feminismo, a ecologia e a luta contra o racismo.
Estudantes-trabalhadores portugueses em Maio de 68
O envolvimento português nos acontecimentos de maio de 1968 foi sobretudo protagonizado por estudantes-trabalhadores que serviram de ponte entre os sindicatos e a emigração clandestina.
O historiador da Universidade de Pau et des Pays de l’Adour, Victor Pereira, refere que existem estudos de sociologia, elaborados na França logo após o Maio de 68, que mostram que muitos portugueses, sobretudo nas fábricas, não boicotaram greves e que participaram dos acontecimentos até porque havia trabalhadores politizados e que falavam francês e que fizeram a ligação entre o movimento sindical e os emigrantes.
“Não podemos ter visões monolíticas, de que todos os portugueses tiveram medo e fugiram, porque isso não é verdade. Houve uma organização importante como o Comitê de Ação da Sorbonne e um Comitê de Ação dos Trabalhadores e Estudantes Português que tinha a ideia de que a revolta não se limitava ao meio acadêmico. Os estudantes lançaram a faísca, mas os operários é que tinham de continuar a luta”, conta o historiador.
Em 1968, viviam na França cerca de 200 mil portugueses sendo que muitos tinham ido a salto (clandestinamente) a partir do final dos anos 1950, sem documentos, não dominavam totalmente a língua e viviam como operários em bairros periféricos, em casas muito degradadas ou em alojamentos para estrangeiros, sobretudo na região de Paris.
Segundo Victor Pereira, quando surgem os tumultos de 68 em Paris muitos dos portugueses não entendem o movimento porque a grande parte trabalhava na construção civil (obras públicas), um meio pouco sindicalizado e que não permite, como numa fábrica, ter uma unidade fixa e consequentemente promover a sindicalização.
“Por outro lado, é preciso distinguir quem são os operários e quem são os estudantes, porque a partir de 1961, com o início da Guerra Colonial e da revolta estudantil em 1962 muitos estudantes portugueses vão para França e são obrigados a trabalhar porque cortaram com a família, têm pouco dinheiro e são obrigados a encontrarem emprego, muitos deles em fábricas”, diz o autor do livro “A Ditadura de Salazar e a Emigração”.
Muitos estudantes portugueses são rebeldes e têm uma visão diferente dos acontecimentos porque têm um “capital cultural diferente” do que a maior parte da comunidade emigrante e ao contrário dos trabalhadores sabiam que não podiam voltar – por motivos políticos – enquanto que os emigrantes pretendiam regressar quando tivessem dinheiro para visitar Portugal nas férias.
“Na França, os estudantes-trabalhadores portugueses podiam fazer coisas que dificilmente poderiam fazer em Portugal: falar, contestar e explicar diretamente os acontecimentos aos trabalhadores portugueses de comunidades rurais”, explica o historiador acrescentando que, sobretudo nas fábricas, os trabalhadores-estudantes portugueses desempenham um papel muito importante na intermediação entre os sindicatos e os operários.
Na altura, frisa o historiador, os trabalhadores-estudantes faziam panfletos em português e organizavam visitas aos bairros operários como “tentativas” de ações de politização dos emigrantes clandestinos que receavam estar vigiados pela polícia política do Estado Novo para os perseguir e expulsar da França.
A maior parte desses estudantes eram maoistas, anarquistas ou sem organização, mas “estavam desvinculados” do Partido Comunista de Portugal (PCP) que era apontado como um partido ortodoxo.
“Muitos militantes do PCP não participaram no Maio de 68 porque temiam ser vistos pela polícia ou pelo informador da Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE). É quase um paradoxo: os comunistas eram as pessoas que mais capital político tinham e quase não participaram nos acontecimentos. Quase nunca iam ao Quartier Latin, em Paris, onde os cafés eram frequentados pela extrema-esquerda, mas onde temiam ser apontados pelos ‘bufos’ e informadores da PIDE”, sublinha Victor Pereira.
1968 – O ano que marcou o mundo
Em 1968, os Estados Unidos acumularam fracassos no Vietnã, a juventude tomou as ruas de Berlim, Paris e México. Foi um ano de revoltas e esperança, que muitas vezes acabou em desilusão.
Em meados dos anos 1960, estudantes dos Estados Unidos e Europa eram os principais críticos da guerra do Vietnã. Em 1968, o movimento foi ampliado, incorporadas críticas ao capitalismo e introduzidas novas reivindicações: liberdade sexual, feminismo e ecologia. Na Alemanha, a tentativa de assassinato, em 11 de abril, do líder estudantil Rudi Dutschke, iniciou uma revolta em Berlim, que se ampliou para dezenas de cidades alemãs.
Na Cidade do México, em 2 de outubro, a 10 dias dos Jogos Olímpicos, as forças de segurança assassinaram centenas de estudantes, quando os jovens realizavam uma manifestação na Praça das Três Culturas, no bairro de Tlatelolco, pedindo a abertura democrática no país. Além disso, o líder do movimento pelos direitos civis Martin Luther King foi assassinado em 1968, ano que viu as chocantes imagens da fome causada pela guerra da Biafra, na Nigéria.
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