Ator de propaganda do governo Temer que foi ao ar nacionalmente diz que sofreu assédio moral durante as filmagens e que ainda não recebeu "nem um centavo". Na peça publicitária, ironicamente, ele interpreta um trabalhador que está feliz com a "queda do desemprego" e a "volta da atividade econômica"
O ator Nobu Kahi, de 31 anos, não teve motivos para comemorar quando viu seu rosto em uma peça publicitária no horário nobre da TV.
Modelo de um dos vídeos da campanha do Governo Federal para divulgar a queda do desemprego, que foi ao ar nacionalmente nesta semana, Nobu diz que teve o contrato de trabalho desrespeitado, que sofreu assédio moral durante as filmagens e que ainda não recebeu “nem um centavo“.
Na propaganda, porém, Nobu é “Pedro” – um trabalhador do setor industrial que está feliz com a queda do desemprego e a volta da atividade econômica.
Em março, Nobu fez um teste para uma campanha de propaganda para o governo. Se a peça fosse ao ar, como de fato foi, renderia um cachê de R$ 1 mil. “Cheguei às 15h e fui fazer o teste às 23h“, conta ele.
Com a campanha aprovada, ele foi chamado para outros dias de gravação, nos quais diz ter sofrido episódios de forte assédio moral. Quando a campanha finalmente foi ao ar, em 7 de abril, o produtor avisou que o cachê tinha caído para R$ 600, sem dar nenhuma explicação. Disse ainda que o pagamento só seria feito dali a 90 dias – ninguém tinha avisado Nobu desta condição antes de o trabalho começar.
Segundo o ator, ele ainda ouviu que seriam descontados 30% de agenciamento e 15% de nota fiscal desse valor de R$ 600.
“É um desrespeito enorme. Eu tenho o contrato aqui, dizendo que o cachê seria R$ 1 mil – que já é um valor muito abaixo da média do mercado. E em nenhum momento disseram que o pagamento seria depois de três meses“,
Assédio moral
Nobu diz que os atores foram desrespeitados durante toda a produção e que ele pessoalmente sofreu assédio moral do diretor desde o início.
“Já no teste ele ficava me chamando de ‘japa’, de um jeito pejorativo, fazendo piadas infames e sendo muito preconceituoso. Nunca me senti mal de me chamarem da japa, mas ele me tratou de um jeito horrível, me transformou em motivo de chacota no set“, conta.
Além disso, diz ele, a produção marcou gravações que duraram muito mais que o combinado e mudou a programação sem avisá-lo. “A primeira (gravação) depois do teste foi marcada para as 14h. Gravei até as 5h da madrugada. O tempo inteiro sofrendo assédio do diretor“, diz Nobu.
Depois, diz ele, foi marcada uma nova sessão para o dia 7 de abril – o que obrigou o ator a viajar de Goiânia, onde estava para fazer outro trabalho, até Brasília. Só ao chegar ao set de filmagem, Nobu soube que a sessão tinha sido cancelada. A viagem perdida foi paga pelo próprio ator.
“Sei que posso sofrer retaliações por falar – porque o mercado publicitário de Brasília é muito pequeno – mas é um desrespeito sem tamanho“, diz ele, que atua em comerciais desde 2012. “Me senti muito mal.”
Peça é do irmão de Elsinho
A BBC questionou o marqueteiro de Michel Temer, Elsinho Mouco, sobre o caso – ele disse que cuida apenas da comunicação digital do governo e que não teve envolvimento com a produção da peça publicitária. “Me parece que é discussão de um figurante com a agência de modelos… discutindo o valor da comissão sobre o cachê. Mais tarde vou ter a história real“, escreveu Mouco, que não fez mais contato até a publicação desta reportagem.
A campanha foi produzida para o Governo Federal pela Calia Y2, empresa de publicidade de Gustavo Mouco – irmão de Elsinho. A Calia Y2 foi procurada, mas não havia respondido até o momento da publicação da reportagem.
Poucas horas depois de a reportagem da BBC entrar em contato com Elsinho, Nobu foi procurado pela agência de modelos, com a promessa de que o pagamento seria feito.
Em outubro de 2017, a Folha de S. Paulo revelou que os pagamentos do governo à Calia cresceram 82% depois que Temer assumiu a Presidência. No primeiro ano do governo do emedebista, foram pagos R$ 102,1 milhões à empresa. Na época, a empresa afirmou que Mouco nunca teve funções na companhia nem participação nas licitações por ela disputadas.
Após a publicação desta reportagem, o Palácio do Planalto enviou respostas à BBC Brasil sobre o caso:
“Cabe esclarecer que a fiscalização do contratante em relação à empresa contratada se refere à execução do objeto contratual, nos termos do Contrato nº 28/2017, firmado com a agência CALIA Y2 Propaganda e Marketing Ltda., decorrente de processo licitatório. (…) No processo de produção da campanha, a agência CALIA realizou concorrência entre produtoras de vídeo, e ganhou a produtora que ofereceu o menor preço, como é usual nesse setor. (…) Compete à agência contratada cumprir a legislação trabalhista e securitária com relação a seus empregados e, quando for o caso, com relação a empregados de fornecedores de bens e de serviços especializados contratados. Não compete ao governo regular valores de cachês do mercado publicitário. (O pagamento 90 dias após a veiculação da peça) diz respeito à relação entre prestador de serviços e seus fornecedores. O governo desconhece a existência de denúncia formal (de abuso moral) nesse caso.”
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André Shalders e Letícia Mori, BBC
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