Não faça para o outro o que queria que ele fizesse para você. Conheça-se, conheça o outro, perceba as diferenças e ame-as, pois é esse um dos fatores que fazem a vida humana maravilhosa: a diversidade
Marcos de Aguiar Villas-Bôas*, Jornal GGN
A máxima atribuída a Jesus, o Cristo, de fazer ao próximo o que queremos que seja feito a nós é um excelente início para reger as tomadas de decisões dos indivíduos nas relações com os outros.
Naquela época, há cerca de 2.000 anos, quando o conhecimento era muito mais restrito e as consciências em geral eram mais embrutecidas, tanto que ainda predominava a lei de Talião (dente por dente, olho por olho), essa máxima de Jesus vinha como um importante mecanismo de transformação social.
A lei de Talião, segundo se diz, vinha de muitos séculos antes do nascimento de Jesus e foi confirmada por Moisés, conforme o livro Êxodo do Velho Testamento. Em momentos bárbaros nos quais, ao acontecer um ferimento a outrem, os familiares do ferido costumavam ir lá matar o agressor e sua família toda; se ao menos cada ato indesejado fosse pago na mesma moeda, já haveria um grande avanço. Assim, entendeu-se por muito tempo que a lei do olho por olho e dente por dente seria justa, era uma avanço em relação ao que se tinha antes.
Jesus veio, contudo, para trazer ensinamentos novos, transformar as relações e ajudar os seres humanos a despertar os seus mestres dentro de si. Ele revolucionou o conhecimento da época, ganhando alguns seguidores fervorosos e também muitos críticosi, como é natural acontecer com todo revolucionário.
No capítulo V do Evangelho de Mateus, versículos 38 a 42, é narrado que Jesus teria dito o seguinte:
“Tendes ouvido o que foi dito: Olho por olho, dente por dente. Eu, porém, vos digo: não resistais ao mau. Se alguém te ferir a face direita, oferece-lhe também a outra. Se alguém te citar em justiça para tirar-te a túnica, cede-lhe também a capa. Se alguém vem obrigar-te a andar mil passos com ele, anda dois mil. Dá a quem te pede e não te desvies daquele que te quer pedir emprestado.”
Segundo o capítulo XXII, versículos 34 a 40, do mesmo Evangelho, Jesus teria dito o seguinte:
“Os Fariseus, tendo sabido que ele tinha feito calar a boca aos Saduceus, reuniram-se; e um deles, que era doutor da lei, veio lhe fazer esta pergunta para o tentar: Mestre, qual é o maior mandamento da lei? Jesus lhe respondeu: Amareis o Senhor vosso Deus de todo o vosso coração, de toda a vossa alma e de todo o vosso espírito; é o maior e o primeiro mandamento. E eis o segundo, que é semelhante àquele: Amareis o vosso próximo como a vós mesmos. Toda a lei e os profetas estão contidos nesses dois mandamentos”.
Nota-se que, se as referências estiverem corretas, Jesus, no seu profundo amor, disse para não mais haver vingança, e sim perdão. Então, estabeleceu como máximas que englobariam todos os demais ensinamentos amar a Deus acima de todas as coisas e o próximo como a si mesmo.
No capítulo VII, versículo 12, também do Evangelho de Mateus, está narrado que Jesus teria dito o seguinte: “Fazeis aos homens tudo o que quereis que eles vos façam; porque é a lei e os profetas” e, no capítulo VI, versículo 31, do mesmo evangelho: “Tratai todos os homens da mesma forma que quereríeis que eles vos tratassem”.
Numa época em que se pagava tudo na mesma moeda, começar a tratar o outro como gostaria que ele tivesse nos tratado já seria um grande avanço em relação ao “dente por dente, olho por olho”. No entanto, passados mais de 2.000 desde o nascimento de Jesus, é possível avançar muito mais nessa ideia.
Jesus não podia, naquela época, ensinar empatia de uma forma mais profunda, pois havia passos anteriores a serem dados. Sair de uma visão individualista e de pagar na mesma moeda, para uma visão de agir com o outro como gostaríamos que agíssemos conosco já era um avanço enorme. Nos tempos atuais, em que avançaram estudos sobre consciência, ego, relações sociais etc., fica mais fácil aprofundar nessa ideia, ainda que muitos permaneçam tão embrutecidos quanto naquela época.
Amar o próximo como a si mesmo é algo muito diferente de fazer ou tratar o próximo como gostaria que fosse tratado. Primeiro, ame a si mesmo, respeite-se, esteja pleno. Em seguida, transborde o mesmo amor para os demais. Vibre ternura, doçura, serenidade, respeito, aceitação com os demais assim como já vibra consigo.
O amor é uma energia pura, incondicional, de entendimento do outro, consideração, ligação. O amor é algo tão profundo que é até difícil de explicar com palavras humanas. Está muito longe do que se tem por amor, que é normalmente a paixão, o toque, a atenção que alimenta o ego e outras manifestações que dizem mais respeito à vida humana e sua personalidade do que à energia cósmica central denominada amor.
Não se pode fazer com o próximo aquilo que gostaríamos que ele fizesse conosco, pois o próximo é diferente de cada um de nós. Então, ele não precisa necessariamente querer o mesmo que nós. Fazer para o outro o que gostaríamos que ele fizesse conosco já pode ser bem menos bruto do que fazer para ele o que ele fez para nós, como era o dente por dente, olho por olho, mas continua sendo uma visão que pode facilmente ser carregada de egoísmo.
O fazer, o tratar, o lidar com o outro em cada situação específica é algo que depende de conhecer-se e de conhecer o próximo. Como todos são diferentes, amar o outro como a si mesmo depende, antes de tudo, de se entender profundamente e de se aceitar, pois alguém apenas pode se amar com mais plenitude se souber bem quem é e se estiver confortável com isso, o que não significa ficar estagnado.
Há uma dualidade a ser superada entre aceitar-se e continuar buscando a própria evolução. É preciso saber lidar com ela, sendo pleno com o que se é, mas ciente de que há sempre o que ser melhorado, cabendo aprodundar cada vez mais o autoconhecimento e elevar o conhecimento que contribui para a expansão da consciência.
Não sendo assim, o indivíduo estará cheio de ilusões sobre si mesmo e sobre os outros. Tendo se conhecido muito bem e continuando esse processo ao longo de toda encarnação, pois sempre há muito mais o que aprender sobre tudo, inclusive sobre nós mesmos, é preciso também conhecer cada um daqueles com os quais convivemos para que se possa amá-los como a nós mesmos, ou seja, sabendo quem eles são e aceitando-os.
O outro tem gostos, interesses etc. que não são necessariamente iguais aos nossos. Então, não se pode fazer sempre ao outro o que gostaríamos que fosse feito a nós. O carente quer atenção a todo o tempo e gosta que outros fiquem grudados nele. O indivíduo que não é carente e que preza mais pela sua liberdade tende a não se sentir bem com alguém limitando a sua individualidade, querendo estar junto o tempo todo, exigindo atenção.
Se o carente sentimentalista gruda em alguém que não é carente supondo que este irá gostar disso pelo fato de ele também gostar, terminará sendo desagradável. E numerosos outros exemplos poderiam ser dados. A vida humana está cheia de condutas não amorosas, inapropriadas, pelo fato de uns tentarem impor aos outros aquilo que eles acham o amoroso, o certo, o bonito, o gostoso, sem procurar ver se os outros acham a mesma coisa e sem aceitar a verdade dele, por mais estranha que seja.
Amar é, acima de tudo, respeitar o espaço do próximo, os seus direitos, a sua própria essência manifestada por meio de um ego, mesmo que se julgue que o próximo é alguém egóico, errado etc. Outra questão comum na vida humana é muitos acharem que sabem o que é certo e errado, o que os leva a terminar julgando os demais como errados quando eles apenas têm visões, gostos, interesses distintos.
É fácil amar o outro quando ele agrada ao nosso ego. Difícil é amar aquele que é diferente, que incomoda de alguma forma. Muitas vezes, isso acontece mais pelas próprias deficiências de cada um do que por impropriedades do outro. Aqueles que terminam se destacando, por exemplo, incomodam muitos invejosos.
Não faça para o outro o que queria que ele fizesse para você. Conheça-se, conheça o outro, perceba as diferenças e ame-as, pois é esse um dos fatores que fazem a vida humana maravilhosa: a diversidade. Ela é excelente para a evolução, pois, se todos fossem iguais, o mundo seria repetitivo, com possibilidades muito mais limitadas. Seria, inclusive, difícil conhecer-se na medida em que não houvesse outros diferentes para nos testarem de diferentes formas e, assim, nos abrirem lapsos de consciência.
Se existem 12 signos no zodíaco e essas energias ainda se combinam entre si formando múltiplas combinações, há dezenas de possibilidades energéticas que podem ser manifestar em uma infinidade de formas de acordo com as experiências espirituais e com as experiências específicas da encarnação. Todos são igualmente espíritos, centelhas divinas, mas, ao mesmo tempo, todos são igualmente diferentes em alguma medida.
Conheça-se bem, conheça bem o outro, aprofunde-se naquele ser, interesse-se pelo seu íntimo e, então, faça com ele o que ele gostaria que fosse feito com ele, desde que, é claro, esteja dentro das leis divinas e humanas, e desde que não fira a sua própria essência, uma vez que ninguém é obrigado a ficar agradando os outros.
Uma coisa é ser bom, íntegro; outra coisa é ser bonzinho. O bonzinho é aquele que quer agradar, e esse normalmente deixa de ser quem é para ser um personagem que vai fazer o outro satisfeito. Nesse caso, comete-se um crime consigo mesmo, uma incoerência e limita-se a própria potencialidade. Querer meramente agradar o outro sem estar sentindo aquilo no âmago é, de certo modo, uma falsidade.
Faça para o outro o que ele gostaria que fosse feito para ele desde que esteja dentro do que você gosta de fazer, dentro de sua verdade, de sua essência. Do contrário, poderá ser, por exemplo, uma ajuda sem vontade, interessada em obter algo do outro ou de alguma consciência metafísica em que se crê, como Deus ou os espíritos. Agrada-se o outro no externo quando, no fundo, o indivíduo está vibrando chateação por estar em incoerência com o que se é.
Ame-se muito, mas sem vaidade. Ame a Deus acima de todas coisas, mas sem fanatismo. Ame o próximo como a si mesmo, mas mantenha sua individualidade, ainda que una com o todo, e respeite a individualidade do próximo. Cada um é um. Todos devem ser amados. Acima de tudo, amar é respeitar e aceitar.
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*Marcos de Aguiar Villas-Bôas é terapeuta holístico, consultor jurídico e político, espiritualista universalista, reikiano usui, reikiano xamânico, estudante de psicanálise e de Programação Neurolinguística (PNL), praticante de meditação e amante do todo e de todos. Deixou a sociedade de um dos cinco maiores escritórios de advocacia do país, sediado em São Paulo/SP, para seguir seu sonho de realizar pesquisas em Harvard e em outras universidades estrangeiras, mas, após atingir muitos dos seus objetivos materiais, percebeu, por meio da Yoga, de estudos e práticas espiritualistas sem restrições religiosas, que seus sonhos e suas missões iam muito além das vaidades acadêmica e profissional. Hoje busca despertar a consciência, o mestre dentro de si, e ajudar os outros a fazerem o mesmo, unindo o material e o espiritual e superando todas as demais dualidades.
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