Redação Pragmatismo
EUA 10/Mai/2018 às 15:30 COMENTÁRIOS
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O problema dos EUA é o desprezo permanente pelos pobres

Publicado em 10 Mai, 2018 às 15h30

Robert Kennedy e a barbárie neoliberal: ao contrário do que afirma Donald Trump, o problema dos EUA não é a imigração. É o desprezo evidente (e permanente) pelos pobres

problema dos EUA é o desprezo permanente pelos pobres

Fábio de Oliveira Ribeiro, Jornal GGN

Antes de mais nada vou transcrever aqui as palavras do jovem político norte-americano cuja vida foi dramaticamente interrompida em 06 de junho de 1968:

Nos próximos quarenta anos, a nossa população duplicará e os nossos problemas duplicarão com ela. Teremos de construir tantas casas, hospitais e escolas quantas foram edificadas desde que o nosso país nasceu; Mais do que isso, teremos de arranjar espaço para todos: planejar em conjunto onde iremos viver, trabalhar e nos divertir; onde e como poderemos começar a reconstruir a nossa comunidade, um lugar onde cada homem encontre importância e significação, quer em sua vida pessoal, quer em suas contribuições para a vida comunitária. É uma enorme tarefa. Mas é o mínimo que podemos fazer, se quisermos que as nossas cidades sejam lugares de dignidade e segurança, de oportunidades e realizações; se quisermos que a nossa sociedade adquira o nome de civilização.” (Luta por um mundo melhor, Robert F. Kennedy, Editora Expressão e Cultura, Rio de Janeiro, 1968, p. 44)

Já se passaram 50 anos desde que este livro foi publicado no Brasil, 51 anos se levarmos em conta sua publicação nos EUA. A população norte-americana saltou de 198,7 milhões de pessoas para 326,4 milhões de pessoas nesse período. O declínio na fecundidade feminina (2,56 filhos por mulher em 1967 para 1,84 filhos por mulher em 2015) explica a esse fenômeno.

As privatizações e desregulamentações da era Reagan/Bush/Clinton produziram um aumento na oferta de casas. Mas a crise financeira do período Bush Jr./Obama/Trump provocou a desocupação de dezenas de milhões de habitações. O resultado foi devastador. Nos últimos anos ocorreu uma verdadeira proliferação de favelas de barracas nas periferias das cidades norte-americanas. Elas estão crescendo de maneira consistente em virtude do descaso da administração de Trump.

A renda per-capita dos norte-americanos era 4.366 dólares em 1967 e cresceu para 59.501 dólares em 2017, mas a participação dos salários dos operários no PIB dos EUA declinou. O resultado geral foi o aumento da concentração de renda e o empobrecimento da esmagadora maioria da população norte-americana. A expectativa de melhoria de vida através da educação (algo implícito no texto de Robert Kennedy) deixou de existir e a mobilidade social se tornou uma exceção.

Em 1967 Robert Kennedy raciocinava usando os conceitos de civilização e barbárie. Ele imaginava uma sociedade melhor que iria merecer o nome de civilização. A discurso dele se organiza em torno de dois grandes eixos: igualdade jurídica e inclusão social. Desde Ronald Reagan estes dois princípios foram claramente abandonados pelos governantes norte-americanos. Isso fica bem claro quando levamos em conta dois problemas: encarceramento e assistência médica.

Em 1970 os EUA tinham aproximadamente 357 mil pessoas encarceradas em presídios estaduais e federais. No início de 2017 os EUA tinham 2,12 milhões de pessoas encarceradas. O crescimento da população carcerária nos EUA entre 1970 e 2017 foi de 594%, o da população em geral entre 1967 e 2017 foi de apenas 64,26%.

Atualmente 11,3% da população adulta norte-americana não tem assistência médica. Robert Kennedy defendeu a construção de hospitais, mas as estatísticas revelam que o que cresceu nos EUA foi a construção de presídios (muitos deles privatizados). Exclusão social e desigualdade econômica são os principais fundamentos da sociedade norte-americana atual.

Os dados acima mencionados, que foram coletados de estatísticas disponíveis na internet, são desanimadores. Cinquenta anos depois de Robert Kennedy publicar seu livro, o que caracteriza a sociedade norte-americana é a barbárie, sem qualquer limite ou contenção pelo poder público, produzida de maneira programática pelo neoliberalismo

Gostemos ou não, a verdade nua e crua é que “Sadly, the American dream is dead”, como disse Donald Trump quando se candidatou a presidente dos EUA. Trump venceu as eleições, mas não cumpriu o que prometeu. “America first” rapidamente se tornou apenas mais do mesmo. O neoliberalismo segue produzindo e consolidando distorções econômicas nos EUA. Em algum momento o abismo entre pobres e ricos irá solapar de vez a estabilidade política norte-americana.

Invencível no exterior, onde aproximadamente 600 bases militares drenam seus recursos orçamentários sem produzir nada em troca, o império dos EUA irá ruir por causa dos bárbaros que os republicanos e democratas criaram e estão criando dentro das fronteiras dos EUA. O problema dos EUA não é a imigração como tem dito Trump. É o desprezo evidente que sucessivas administrações devoraram aos norte-americanos pobres. Esta é a lição que está sendo exportada para o Brasil nesse momento. A longo prazo ela não fará nada bem aos brasileiros ou a presença norte-americana em nosso país.

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