Chance de negro ser morto no Brasil é 2,5 vezes maior do que um branco. Em dez anos, taxa de homicídios de negros cresceu 23,1%; no mesmo período, a taxa entre os não negros teve uma redução de 6,8%, aponta Atlas da Violência
Arthur Stabile, Ponte
Uma pessoa negra tem 2,5 vezes mais risco de ser vítima de homicídio do que brancos ou amarelos. No Brasil, os registros apontam que em cada 10 assassinatos praticados por ano, 7 são contra a população negra.
O ano de 2016 teve a maior quantidade de homicídios registrada dos últimos dez anos: 62.517 mortos, segundo informações do Ministério da Saúde. Isso significa que aproximadamente 44,7 mil negros morreram vítimas de assassinato apenas naquele ano.
Entre 2006 e 2016, o recorte de raça tem diferentes parâmetros no país: enquanto as execuções de negros e negras cresceu 23,1%, os assassinatos de brancos, amarelos e indígenas diminuiu 6,8%. Em 2016, a taxa de mortalidade violenta de negros ficou em 40,2 por 100 mil habitantes. Entre não negros, a taxa cai para 16 em cada 100 mil habitantes. “É como se, em relação à violência letal, negros e não negros vivessem em países completamente distintos”, diz o texto do Atlas da Violência 2018.
O período analisado de 10 anos aponta para 553 mil homicídios no país, um total de 395 mil corpos negros mortos no período, segundo as estatísticas levantadas pelo estudo.
Os dados foram divulgados nesta terça-feira (5/6) pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública). Nele são analisados indicadores do Ministério da Saúde, IBGE, anuário do FBSP, da ONU e OMS para comparar a situação no país ao longo dos anos.
Para Samira Bueno, diretora-executiva do FBSP, a diferença dos números é uma tendência histórica que tem se acentuado. “Os negros são mais vitimados pela violência letal do que brancos e amarelos. Há uma redução entre não negros e aumento dos negros, o que cria uma taxa, hoje, 56% maior para mortes entre os negros em relação aos não negros. É um reflexo da desigualdade estrutural da sociedade brasileira e do próprio racismo”, analisa a pesquisadora e que integra a equipe responsável pela pesquisa.
Pelo menos 11 estados apresentaram crescimento gradativo da violência nos últimos dez anos. Com exceção do Rio Grande do Sul, todos os outros estão nas regiões norte e nordeste. O campeão de mortes violentas por 100 mil habitantes é Sergipe, com 64,7 homicídios, seguido pelo Acre, com 54,2. A título de comparação, São Paulo teve taxa de 10,9.
O Atlas faz um destaque especial ao Rio de Janeiro. “A partir de 2012, observou-se uma oscilação nos indicadores de letalidade violenta, sendo que em 2016 houve forte crescimento nos índices. Pode-se dizer que 2016 marcou o final de um período positivo para o estado e a capital, com grandes eventos internacionais. O final das Olimpíadas demarcou essa transição, quando a falência econômica e política deram a tônica ao novo cenário”, diz o texto.
Também foi destacado o caso de Alagoas, que teve a terceira maior taxa de homicídios de negros (69,7%) e a menor taxa de homicídios de não negros do Brasil (4,1%). “Em uma aproximação possível, é como se os não negros alagoanos vivessem nos Estados Unidos, que em 2016 registrou uma taxa de 5,3 homicídios para cada 100 mil habitantes, e os negros alagoanos vivessem em El Salvador, cuja taxa de homicídios alcançou 60,1 por 100 mil habitantes em 2017”, compara o relatório apresentado nesta terça-feira.
O risco de ser jovem no país
Os jovens também estão entre os principais alvos, principalmente os com idade entre 15 e 29 anos. O risco de eles serem mortos violentamente é quase 5 vezes maior do que o restante da população: taxa de 142,7 mortos por 100 mil habitantes nessa idade contra 30,3 para as faixas etárias restantes.
Ao longo de 2016, 33.590 jovens de 15 a 29 anos morreram executadas nos 26 estados e no Distrito Federal. Em números absolutos, a Bahia lidera a lista com 4.358 crimes, seguida pelo Rio de Janeiro (3.386) e Minas Gerais (2.513).
Os números registrados neste ano tiveram crescimento nos crimes contra jovens em 20 desses estados. Em apenas 7 deles houve diminuição. O Acre aparece com maior elevação: 84,8%, de 105 para 194 crimes comparando 2016 com 2015. Do outro lado, a Paraíba tem a maior diminuição, de 15,6%, caindo de 828 jovens mortos para 699.
“É um padrão em qualquer país do mundo ter a população jovem como a mais vitimada e também como autores. De novo, é uma desigualdade brutal. No fundo, estamos matando o nosso futuro. É mais de uma geração perdida para a violência, com custo humano e também econômico”, analisa Samira Bueno.
A especialista considera que a questão da morte de jovens vai além da segurança pública e se trata de uma discussão “de desenvolvimento do estado brasileiro”. “Temos dois caminhos: nos sensibilizarmos pela tragédia humana ou nos sensibilizarmos pelo custo econômico que essa violência representa. Por um motivo ou pelo outro, é algo que já deveria ter mobilizado governantes há muito tempo”, pondera.
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