Em 1982, um sheik "argumentou" com o árbitro da partida da seleção de seu país contra a França. E o juiz voltou atrás em sua decisão. Conheça a história do 'primeiro VAR' das Copas
Óscar Abou-Kassem Rubio e Paco López, ElDiario | Tradução: RBA
Era 21 de junho de 1982 e ninguém esperava muito da partida entre França e Kuwait, a não ser um dia a mais, quase rotineiro no Mundial, em que uma seleção potente arrasa sem maiores problemas um adversário menor. Eram 35 minutos do segundo tempo e Michel Platini lançava a bola em profundidade para Alain Giresse, que anotava o quarto gol francês. Pouco antes da finalização, ouviu-se um apito vindo das arquibancadas do Estádio Nuevo José Zorrilla, de Valladolid. Alguns defensores do Kuwait pararam com o som pensando que a jogada havia sido anulada, mas o árbitro fez um sinal para que continuassem. Não era um gol importante, aquele tento definia o placar em 4 a 1 em mais uma partida sem história. Até que todo o estádio direcionou o olhar para as tribunas.
O protagonista do jogo não estava de calção
Após tímidas reclamações ao árbitro, os jogadores do Kuwait já haviam voltado a suas posições quando algo chamou a atenção de todos. Um homem pedindo aos atletas que abandonassem a partida. Mas não era uma pessoa qualquer. Quando os jogadores o reconheceram, se dirigiram ao banco de reservas sem saber o que fazer: aquele torcedor era o sheik Fahid Al-Ahmad Al-Sabah, irmão do emir do Kuwait e presidente da Federação Nacional de Futebol.
O dirigente seguiu insistindo e, quando viu que não obedeciam sua ordem, passou à ação. Das tribunas ao gramado. Seguramente o resto dos mortais não poderia ir a campo e passar por ali como se fosse sua propriedade, mas ele conseguiu. A barreira de policiais que guardava o acesso se abriu sem hesitar –seguramente alguém reconheceu o indivíduo a tempo deu a ordem – e o sheik permaneceu como um a mais no campo.
Depois de um burburinho entre os jogadores de ambas as equipes, nosso protagonista, seu séquito e a polícia conseguiram chegar até o árbitro e lhe explicar o motivo pelo qual o gol deveria ser anulado. Depois disso, o irmão do emir deu meia volta acompanhado de seus seguidores e voltou a seu lugar nas tribunas.
O árbitro soviético Miroslav Stupar refletiu diante do que supomos ter sido um argumento muito certeiro do magnata árabe e anulou o gol. Logicamente, o treinador francês Michel Hidalgo foi pedir explicações e se deparou com aqueles membros da polícia que deixaram o sheik passar e que agora o impediam de se aproximar para conversar com o árbitro. O placar voltava a marcar 3 a 1. Ao final, esta interferência externa não resultou em nada, já que a França precisou de apenas dez minutos a mais de jogo para fazer novamente seu quarto gol.
O medo do árbitro e da Fifa
A ação de Fahad Al-Ahmed Al-Jaber Al-Sabah não passou despercebida e a Fifa se viu obrigada a intervir. Pior para Miroslav Stupar, árbitro daquela partida, que perdeu sua licença Fifa para apitar partidas internacionais por tempo indeterminado. A sanção não foi tão contundente com a outra parte: 10.000 dólares de multa ao irmão do emir e presidente da Federação de Futebol do Kuwait por “conduta antidesportiva”.
Oito anos depois o dirigente morreu assassinado na invasão iraquiana que marcou o início da primeira Guerra do Golfo. O informe da Fifa por aquele ‘gol fantasma’ também marcou o mal-estar com os organizadores por conta da atuação das forças de segurança. Em 2018, estamos vendo o primeiro Mundial com videoarbitragem, mas em 1982 já havia quem “ajudasse” a equipe de arbitragem a tomar a decisão “correta“.
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