Redução da maioridade penal ou escola pública, gratuita, universal e de qualidade? Os verdadeiros bandidos não encontramos nas favelas, mas onde o dinheiro entra, circula, e não sai em benefício do povo sob a forma de escola para que, finalmente, se faça desativar a “fábrica” de excluídos
Carlos Gustavo Maio*, Jornal GGN
Muito se tem debatido a respeito da necessidade de redução de menoridade penal no Brasil como sendo uma das possíveis medidas eficazes de combate à violência urbana que tem crescido exponencialmente nos últimos anos.
Esclarecemos, de início, que deixamos de lado aqui qualquer abordagem de natureza puramente jurídica acerca da impossibilidade de se reduzir a menoridade penal. Sim, pois a nossa Constituição impõe óbices intransponíveis para que tal medida seja proposta e sancionada.
Afinal de contas – asseveram os defensores da redução – esses jovens optam livremente em seguir pelo caminho do crime; têm o pleno domínio da consciência de seu comportamento criminoso. Além disso, beneficiados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, não são punidos com rigor e voltam a circular pelo meio social.
E aqui cabe uma breve nota acerca da teleologia da Lei 8.069/90. Trata-se, como já é notório, de um Estatuto. Os Estatutos devem abrigar em seu conteúdo normas gerais exatamente porque se destinam a regulamentar as variadas relações jurídicas estabelecidas por uma determinada coletividade que guarda entre si características comuns (consumidores, idosos, crianças etc.).
Outra não é a razão pela qual os Estatutos, necessariamente, comportarem uma variedade de normas dotadas de alta carga principiológica. Sim, os Estatutos estão permeados de normas-princípios, com altíssima carga valorativa, responsáveis pelo norteamento da conduta do Estado no amparo jurídico a esse determinado grupo social.
Assim é que não devemos jamais cair no erro muito comum de confundir o Estatuto da Criança e do Adolescente tendo-o como um verdadeiro “Código Penal de Menores Infratores”, absolutamente.
Ali não há espaço para o binômio crime e castigo, sob a forma de norma jurídica. A leitura do ECA criando expectativa de que o mesmo veicule resposta social ante a algum mal praticado deve ser, de plano, logo afastada.
O que temos verdadeiramente na Lei 8.069/90 é a existência de um código de conduta voltado, agora sim, para o atuar do Estado na sua relação com a sociedade, especificamente à criança e ao adolescente, regulamentando toda a sua vida civil, sempre sob o manto dos princípios protetivos ali contidos.
Voltando à questão social, tem-se que o Estado falha no cumprimento de seus deveres básicos para com a população. Assim, como desejar que uma criança moradora de favela faça opções livres e conscientes se as alternativas que lhes são oferecidas encontram-se restritas ao ambiente pernicioso em que vive? É de uma hipocrisia a olhos vistos.
Crianças e adolescentes que nascem e se desenvolvem em ambientes sociais e familiares violentos e desprovidos de tudo aquilo que é básico para a sobrevivência humana entram no jogo da vida, nas disputas por bens econômicos escassos, invariavelmente, sem paridade de armas com aqueles que amadurecem em ambientes sociais com mais recursos.
Ora, se o Estado numa ponta do elo social “fabrica” essa massa de excluídos, como se exigir que na outra extremidade esse mesmo Estado vá simplesmente eliminá-los?
É bem verdade que vidas são subtraídas violentamente com as ações de determinados menores infratores. Todavia, estamos aqui nos referindo às causas desses males para os quais o Estado sempre fechou os olhos e deu de ombros. Noutras palavras, tratamos aqui o crime como válvula de escape dessa imensa massa de crianças e adolescentes excluídos das oportunidades.
A periferia necessita de escola, de aperfeiçoamento profissional e ingresso regular no mercado de trabalho com igualdade de oportunidades. Só assim experimentaríamos a verdadeira meritocracia.
O que temos hoje é a verdadeira ditadura da elite conservadora que monopoliza todos os espaços sociais disponíveis e afasta crianças e adolescentes, oriundos da periferia, de todo o espaço público sadio.
Defender a redução da menoridade penal é negar tudo aquilo que se apresenta proposto no ECA. É antes de tudo um ato de covardia praticado contra uma imensa massa de desvalidos que o Estado sempre se negou a proteger e a elite conservadora sempre fingiu não existir e quando sabe que existe quer ver bem longe de si.
Diante desse quadro, antes de propugnar pela eliminação desses excluídos em presídios, toda a sociedade deveria exigir do Estado a tomada de medidas sociais sérias visando a diminuição progressiva da miséria e do ócio social.
Como olhar para esses jovens e crianças, marginalizados, com a indiferença de hábito jogando-os na vala comum como se fossem eles os responsáveis pela violência urbana?
A esquerda no Brasil se insurge corajosamente contra essa ordem posta, em posição radicalmente voltada contra esse comportamento omisso e reiterado do Estado e de determinada parcela da sociedade.
Logo aqueles seus filiados e simpatizantes são imediatamente taxados de “defensores de bandidos”. Nada mais equivocado. A esquerda brasileira procura se colocar de forma assumida como o veículo de expressão política dos marginalizados contra a omissão e o arbítrio do Estado.
Os verdadeiros bandidos não encontramos nas favelas, mas no Poder Público onde o dinheiro entra, circula, mas não sai em benefício do povo sob a forma de escola para que, finalmente, se faça desativar a “fábrica” de excluídos.
*Carlos Gustavo Maio é professor, advogado e pós-Graduado em Direito Público pela EMERJ.
Acompanhe Pragmatismo Político no Twitter e no Facebook