300 universitários têm caligrafia analisada em investigação sobre racismo na UFSM
Polícia Federal analisa caligrafia de 300 estudantes para identificar autores de ataques a negros na UFSM. Em busca de punição mais dura, com penas mais altas e sem chance de fiança aos responsáveis, caso é tratado como racismo, e não como injúria racial
Um ano após os primeiros casos de manifestações de ódio a estudantes negros na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) em 2017, a Polícia Federal (PF) ainda não tem suspeitos para os crimes. Na tentativa de elucidar esses atos, a instituição analisa as caligrafias de 300 universitários para buscar quem são os responsáveis. O caso é tratado pela PF como racismo, e não como injúria racial, uma forma de enquadrá-lo como um crime mais grave – o racismo tem pena maior, é inafiançável e não prescreve.
Conforme o delegado Diogo Caneda, os dois primeiros casos registrados no Diretório Acadêmico do Direito foram unificados em um único inquérito que tem as investigações mais avançadas. Na investigação, estão sendo analisadas as caligrafias de 300 estudantes que estiveram no local e nos dias prováveis dos crimes.
— O primeiro caso, da suástica, aglutinamos no segundo, que aconteceu no mesmo lugar. Isso porque acreditamos que, isoladamente, era difícil se chegar a autoria quanto ao primeiro caso. São poucos elementos, já que é um desenho e não tinha câmeras no local. Acreditamos que, ao chegarmos na autoria do segundo, também identificaremos a do primeiro — diz Caneda.
No ano passado, foram registradas três manifestações de ódio dentro da instituição. Na primeira delas em agosto, suásticas nazistas foram desenhadas na sala do diretório acadêmico do Direito, que fica no prédio da Antiga Reitoria, no centro de Santa Maria.
Depois, em setembro, a mesma sala recebeu as frases “o lugar de vocês é no tronco” e “fora negros” – em um ataque direto a, pelo menos, dois alunos negros do curso. Já em novembro, a parede da sala do Diretório Acadêmico do curso de Ciências Sociais – no campus da UFSM, no bairro Camobi – recebeu novas inscrições racistas: “Brancos no topo” e “fora macacos” ao nominar três estudantes da instituição.
Caneda explica que a análise das 300 caligrafias antecede o trabalho pericial:
— Estamos eliminando aquelas caligrafias que não têm relação com o que foi feito lá. Estamos selecionando as com traços semelhantes às escritas nas paredes para depois submeter a um exame pericial mais detalhado e conclusivo. Como é um número muito grande de pessoas que circularam nos prédios e não sabemos exatamente que dia foi, isso alargou bastante nosso horizonte de possíveis autores dos fatos. O trabalho é grande e demorado.
No segundo inquérito, que apura as manifestações na sala do diretório acadêmico do curso de Ciências Sociais, ainda não há um número específico de estudantes que terão as caligrafias analisadas:
— Lá os textos são menores. Quanto menores, mais difícil termos um parâmetro para poder comparar e apontar com segurança quem escreveu. Estamos trabalhando também para obter os materiais escritos dos alunos desse diretório.
Entenda a diferença entre injúria racial e racismo
Os dois crimes, normalmente associados a ofensas contra negros, têm enquadramentos diferentes. O racismo, previsto na Lei 7.716/1989, criminaliza a discriminação contra grupos sociais por conta de raça, cor, etnia, religião ou origem. É uma discriminação focada no grupo ao qual uma pessoa pertence e está ligado ao impedimento do direito de ir e vir (“fora daqui”, “não entre na minha loja”). A pena chega até cinco anos de prisão, e o crime é inafiançável e não prescreve. Neste caso, a vítima não precisa entrar na Justiça – o poder público é obrigado a investigar a conduta.
Já a injúria racial, exposta no artigo 140 do Código Penal, está relacionada à ofensa ou xingamento direta contra uma pessoa por sua característica (ofender um negro por seu cabelo ou sua cor, por exemplo), de forma pessoalizada. A pena é mais fraca: chega a até três anos de prisão, é passível de pagamento de fiança e pode prescrever. Neste caso, a pessoa ofendida precisa acionar a Justiça.
Os crimes na UFSM poderiam ser enquadrados como racismo ou injúria racial, já que as inscrições nas paredes ofendem tanto negros em geral (“fora macacos”, enquadrável como racismo), quanto nomeia vítimas (o que pode ser enquadrado como injúria racial – ou seja, ofensa). O delegado, no entanto, optou por tratar como racismo as três situações.
— Tratamos os três casos como racismo, pois entendemos que, em que pese haver referência expressa a nomes de alunos negros, as ofensas não se dirigem exclusivamente a eles, mas sim à toda coletividade negra — explica o delegado Caneda.
A professora de Direito Penal e Processual Penal da PUCRS, Fernanda Osório, ressalta que a opção de enquadrar uma discriminação como racismo obriga o poder público a investigar o crime e é uma forma de dar visibilidade à discriminação por raça.
— Quando estamos diante de condutas que revelam ou expressam abertamente uma postura de discriminação, isso precisa ser apurado pelo poder público de forma efetiva. Vejo essa iniciativa do delegado de ir atrás e investigar como algo positivo no sentido de dar visibilidade a um problema que é estrutural, cultural.
Desdobramentos
Logo após o registro dos dois primeiros casos, em setembro de 2017, a Universidade Federal de Santa Maria deu início à substituição e ampliação do sistema de vigilância do prédio da Antiga Reitoria, que fica no centro da cidade.
Em novembro do ano passado, estudantes da UFSM ocuparam a reitoria para cobrar uma postura mais efetiva da reitoria com relação aos casos de racismo dentro da instituição.
Entre as medidas buscadas pela reitoria agora é aprovação do Código Disciplinar do aluno, que uma vez aprovado, traria implicações e sanções mais severas a quem, porventura, infringir as regras de convívio dentro da universidade. A pauta tem sido debatida, nas últimas semanas, junto ao Conselho Universitário (Consu), mas a reitoria afirma encontrar “resistência de setores isolados“, como o Diretório Central de Estudantes (DCE), na aprovação da matéria.
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Camile Wegner, GauchaZH