Mídia desonesta

Os “curiosos achados” no currículo Lattes de Cláudio Tognolli

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José Guilherme Chaui-Berlinck*, Pragmatismo Político

Tendo tomado conhecimento da atitude de caráter duvidoso, para dizer-se um mínimo, do jornalista Cláudio Tognolli ao divulgar o número de telefone do desembargador Rogério Favreto (1), e dado que tal senhor é docente da Universidade de São Paulo, resolvi, como docente da mesma universidade, pesquisar o seu currículo Lattes (2).

Cada área de conhecimento possui suas particularidades e idiossincrasias, isto é certo e saudável. Há, contudo, certas normas de conduta, escritas ou não, que transcendem essas áreas, e que qualquer pessoa conhecedora dos meandros da vida acadêmica da USP e demais instituições superiores de ensino & pesquisa consegue, facilmente, reconhecer quando transpassadas.

Assim, consta no currículo Lattes do supracitado professor, no texto de abertura autodeclarado (i.e., “texto informado pelo autor” nos dizeres do CV Lattes) que ele “Co-fundou o site Brasil 247”. Consultando, por e-mail, a organização do site Brasil 247 quanto à participação do tal professor, a seguinte informação me foi dada: “Ele atuou no início. Neste sentido, sim. Mas nunca teve participação acionária. Era um repórter. Se o sentido era se colocar como idealizador, não.”. Logo, ele não co-fundou o site.

O referido jornalista é professor livre-docente da ECA-USP, título obtido em 2014. Curiosamente, na secção final do CV Lattes (“Outras informações relevantes”), o autor faz constar “Atualmente é professor titular da Universidade de São Paulo …”, o que ele não é. Claro, o uso do termo “titular”, aqui, é feito de maneira dúbia, podendo ser interpretado como “Professor Titular” (posição mais alta na hierarquia acadêmica, o que ele não é), ou, simplesmente, como “titular”, ou seja, a pessoa que está numa, ou ocupa uma, dada função. Curioso “engano” para quem diz frequentar o ambiente acadêmico.

Também chama a atenção que o título de Livre-Docente foi obtido sem que o referido jornalista jamais tivesse uma única orientação na pós-graduação senso-estrito, fato um tanto peculiar para a vida acadêmica da USP. Ele possui uma co-orientação de mestrado na Universidade de Brasília em 2005. Só.

Consta, na secção “Prêmio e títulos”, que recebeu o Prêmio de Excelência Acadêmica da Universidade de São Paulo, nos anos de 2008 a 2013. O nome correto de tal prêmio é “Prêmio Excelência Acadêmica Institucional”, e foi um valor, em espécie, concedido a todos os funcionários da Universidade de São Paulo nos referidos anos (3). Ou seja, não foi um prêmio dado ao Sr. Tognolli, mas uma bonificação institucional a todos os docentes e funcionários técnico-administrativos da universidade.

Em situação similar à acima descrita, naquela mesma secção, o Sr. Tognolli coloca ter recebido o título de “Doutor honoris causa” da Universidade de Liége (Bélgica), com um curioso adendo: “como membro do www.icij.org” (International Consortium of Investigative Journalists). Consultando o site da Universidade de Liége, descobre-se que o título de Doutor Honoris Causa (2013-2014) foi concedido à instituição ICIJ e não a algum de seus membros em particular (4).

O CV Lattes do Sr. Tognolli tem 101 páginas, fato notável, mas explicado facilmente pelo que se segue.

Há 3.227 itens na secção “Textos em jornais de notícias/revistas”. Numa breve apreciação de tais itens, percebe-se que são matérias/reportagens do dia-a-dia profissional do jornalista. Ou seja, é como se um professor colocasse cada título de aula que ministra ao longo do dia, ou como se um médico colocasse cada diagnóstico que faz durante sua atuação. Curioso, mais uma vez.

Nesta mesma veia, seguem 721 itens na secção “Entrevistas, mesas redondas, programas e comentários na mídia”. Selecionei um destes, ao acaso (“Advogado entra com ação privada contra Dilma no STF” – 13/04/2016 11h39 (5)) e o que consta no site da Rádio Jovem Pan é um texto bastante curto finalizado com “Informações: Claudio Tognolli”. Ou seja, mais uma vez, o jornalista faz constar do CV Lattes sua mera atividade profissional cotidiana.

Contraste-se tais números (3.227 + 721) com “Trabalhos completos publicados em anais de congressos”: 1, em 2004. Só.

Assim, temos, no currículo Lattes do Sr. Claudio Júlio Tognolli, informações que devem deixar preocupados aqueles que o acessam e colegas, para não dizer muito. Como se sabe, “após uma mentira, qualquer verdade se torna duvidosa”. Estamos frente a um conjunto de meros “descuidos”, “desleixos” e “exageros” ou há algo mais complicado? Fica o questionamento …

*José Guilherme Chaui-Berlinck é professor Associado IB/USP e colaborou para Pragmatismo Político.

(1) Jornalista da Jovem Pan divulga telefone do desembargador Rogério Favreto. Jornalista divulga telefone do desembargador que mandou soltar Lula. Cláudio Tognolli, que também é professor da USP, é o mesmo que vazou os exames de dona Marisa Letícia. Após ser repreendido, ele apagou a postagem. (https://www.pragmatismopolitico.com.br/2018/07/jornalista-tognolli-telefone-favreto.html – acessos em 11 e 12 de julho de 2018)

(2) http://lattes.cnpq.br/7786822531238422 – acesso em 11 de julho de 2018

(3) ver RESOLUÇÃO Nº 5483, DE 06 DE NOVEMBRO DE 2008 e RESOLUÇÃO Nº 6309, DE 06 DE JULHO DE 2012, que Instituiu o Prêmio Excelência Acadêmica Institucional USP (http://www.usp.br/imprensa/?p=35335)

(4) https://www.uliege.be/cms/c_9266244/fr/docteurs-honoris-causa-precedentes-ceremonies-de-rentree-academique

(5) Advogado entra com ação privada contra Dilma no STF” – Por Jovem Pan 13/04/2016 11h39 – O advogado Luís Carlos Crema, que pediu o afastamento do ministro da Justiça, Eugênio Aragão, por não ter se desligado do Ministério Público, ajuizou uma ação privada, em que alega que a Procuradoria-Geral da República não investigou ao menos seis crimes cometidos por Dilma Rousseff. Crema afirma que Janot ignorou a investigação e cita os crimes que devem ser investigados, além dos que já estão em discussão na Câmara: “A nossa equipe levantou uma série de crimes praticados pela presidente Dilma Rousseff, alguns da Lava Jato, outros não. Os principais que conseguimos tipificar agora foi a obstrução da Justiça, no caso da nomeação do Lula, o crime de falsidade ideológica quando a presidente Dilma maquiou as contas públicas, maquiou empréstimos que tinham sido realizados, crimes contra as finanças públicas que estão sendo apurados hoje no impeachment, financiamento da campanha de 2014 com dinheiro roubado da Petrobras e crime de desobediência a decisões do STF, que a presidente desde o dia 03/04 não cumpriu uma decisão expressa da Corte suprema”. Informações: Claudio Tognolli (https://jovempan.uol.com.br/programas/advogado-entra-com-acao-privada-contra-dilma-no-stf.html – Acesso em 12/julho/2018)

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