Injustiça

Justiça do Rio condena manifestantes a 7 anos de prisão por atos em 2013 e 2014

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Eles vão recorrer em liberdade; defesa fala em sentença política e critica falta de individualização de penas

João Elter Borges Miranda*, Pragmatismo Político

Na última terça-feira (17), o Tribunal de Justiça do Rio condenou à prisão 23 manifestantes acusados de participarem de “atos violentos” nos protestos de 2013 e 2014 na cidade. Embora não haja arma, nem crime, nem associação, a sentença para 20 manifestantes é de sete anos de prisão em regime fechado, pelos supostos crimes de associação criminosa e corrupção de menores. Os outros três tiveram pena fixada em cinco anos e dez meses.

Na sentença, o juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal, não decretou prisão preventiva. Os manifestantes poderão, então, recorrer em liberdade até que seus recursos sejam julgados. Mas a decisão mantém medidas como a proibição de sair da cidade, enquanto não houver recurso.

As acusações se baseiam na investigação da DRCI (Delegacia de Repressão aos Crimes de Internet), que esquadrinhou os grupos por meio das redes sociais, interceptações telefônicas e depoimentos de testemunhas, dentre as quais há um policial militar integrante da Força Nacional, que se infiltrou entre os manifestantes. Em palavras cruas, isso significa que os manifestantes tiveram as suas vidas vasculhadas completamente, num processo em que até os advogados de defesa foram grampeados (isso sim é crime, doutor juiz).

Em determinada ligação, a professora da Uerj, Camila Jourdan, pergunta se o amigo vai levar os “livros” e as “canetas”. A polícia carioca, provavelmente fã de Sherlock, interpretou que tudo não passa de uma mensagem cifrada: “livros” significa bombas e “canetas” seriam armas.

E ainda há quem diz que Kafka não é um realista.

Os manifestantes estão sendo condenados por ações nas Jornadas de Junho de 2013 e por atos em 2014, como o Ocupa Câmara e Ocupa Cabral, e manifestações contra a Copa do Mundo e a demolição da Aldeia Maracanã.

Cinco anos depois das Jornadas de Junho de 2013, a grande mídia repete a mesma cartilha de criminalização dos movimentos sociais, criminalizando os 23 do Rio. Como disse em sua rede social a psicóloga Vera Rodrigues, a grande mídia atribui a elas e eles uma violência que, na verdade, é praticada pelo Estado.

Já dizia Brecht, “do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem”.

Infelizmente, os 23 do Rio não são as únicas vítimas de práticas jurídicas questionáveis. Em várias cidades do país há casos de ativistas sendo julgados e condenados por usufruírem do direito de se manifestar. É o caso, por exemplo, do grupo de estudantes e professores, denominados “18 de Goiás”, que viraram réus por integrarem protestos contra a implantação de Organizações Sociais (um eufemismo para privatização) nas escolas do Estado.

Aqui no Paraná, muitos camaradas estão neste exato momento também sendo vítimas de processos jurídico por conta das ocupações das escolas e universidades. Eu também fui vítima de um processo por me manifestar e fui condenado, o que causou uma série de danos irreparáveis a minha família, camaradas próximos e a mim.

Em muitos casos, o modus operandi é sempre o mesmo: investigação baseada em coleta de informações das redes sociais, invasão de privacidade, testemunhas questionáveis, entre outras práticas lamentáveis.

É revoltante, é de revirar o estômago, para dizer o mínimo! Que tempos são esses, em que a insurgência contra o instituído é tratada como um delito? Afasta de mim esse cálice, pai!

É o Estado brasileiro, autocrático, criminalizando os movimentos sociais para se imunizar diante das pressões populares, de modo a aplacar o avanço de um movimento contra-hegemônico, forte o suficiente para derrotar a dominação burguesa e construir uma hegemonia alternativa. É o mesmo país que caçou Zumbi e Dandara dos Palmares, que prendeu e matou Herzoq e que caçará muitas e muitos outros que ousam se rebelar.

Portanto, não é algo do nosso tempo, da nossa geração, é estrutural; prisões e extermínios, perseguição principalmente de negros e pobres, são práticas historicamente adotadas pela classe dominante via Estado, de acordo com a conveniência, para criminalizar muitos e beneficiar poucos. Os 23 do Rio são, assim, mais um desenho dessa dinâmica que atravessa a nossa história desde Cabral, o colonizador português, não o ex-governador condenado a 100 anos de prisão.

É o grande capital que, historicamente, repreende ferrenhamente qualquer governo, organização ou processo que ouse se contrapor ao sistema capitalista. Nas últimas décadas, esse movimento tomou corpo com a “caça às bruxas”, como ficou conhecido o movimento de caça aos comunistas perpetrado nos Estados Unidos e no mundo a partir de 1945, tendo à frente o senador estadunidense Joseph MacCarthy.

A lei, já cantava Chico, tem ouvidos para nos delatar nas pedras do nosso próprio lar. Quem traz no bolso a contravenção, muambas, baganas e nem um tostão, a lei vigia com seus olhos de raio X.

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Para os “do alto” não basta nos humilhar cotidianamente. Para eles não basta a PM atirar em nós com bombas de gás, bombas de efeito i-moral, balas de borracha. Precisam também adotar efeitos “passivizadores” através da institucionalidade sobre o movimento social e político das classes subalternas, criando um clima ‘schmittiano’ de suspensão de direitos.

Da cúpula do Judiciário à sua base, segmentos dessa instituição valem-se de suas posições para de maneira quase unilateral denunciar, investigar e julgar pessoas que atentam contra a ordem dominante, sendo a esquerda o principal alvo. Prendem, intimam judicialmente, vazam provas coletadas em investigações, monitoram as redes sociais dos enquadrados nas listas do “perigo vermelho”, enfim, fazem uma série de medidas consideradas “dentro da lei” para coagir aqueles vistos como “subversivos”. Atacam de políticos conhecidos nacionalmente à jovens estudantes, amedrontando a todos com os seus documentos marcados com carimbos oficiais e, assim, massacram o futuro de uma geração de brasileiros.

No caso dos 23 do Rio, assim como outros símbolos da resistência, não seria necessário meio neurônio para perceber que o estado de coisas envolvendo o julgamento carrega problemas jurídicos graves. O juiz, responsável pela condenação desses camaradas, é o mesmo de inúmeras medidas absurdas.

Como disse nas redes sociais o filósofo Pablo Ortellado, “essa história toda é tão descabida que só pode ser explicada pelo pânico do Estado brasileiro ante a força dos protestos de junho de 2013 e dos seus desdobramentos”.

Os 23 do Rio foram condenados por lutarem contra Cabral, Pezão, as empreiteiras e seus asseclas; foram condenados por colocarem em xeque a Copa, as Olimpíadas, entre outros projetos neodesenvolvimentistas rolo-compressor; foram condenados por insurgirem contra a ordem instituída capitalista, que está nos matando, cotidianamente; foram, portanto, condenados por irem contra a corrente.

Neste momento, todo apoio aos 23 do Rio é pouco. Como disse em sua rede social o historiador Rafael Saddi, “precisamos, amigos, de toda a solidariedade possível, de toda a força social mobilizada, de toda a propaganda, para reverter este absurdo. É preciso formar comitês de solidariedade aos 23 em todos os estados do país e colocar a pauta em todas as mesas”.

De longe, envio a todas e todos a(o)s 23 meu mais sentido e solidário abraço. Vocês não estão sozinhos. Não deixaremos ninguém para trás.

Infelizmente, eles não serão os últimos. Tudo indica que as cruzadas anticomunistas se tornarão cada vez mais frequentes nas ruas bytes e de asfalto do Brasil – em novas e ferozes versões –, especialmente agora que está aprovada a “Lei Anti-terrorismo”. Escrita e aprovada no segundo mandato de Dilma Rousseff, em 2015, essa lei é uma das medidas do “campo legal” promovida para criminalização de manifestantes e movimentos sociais.

Com esses “aparatos legais”, intimam jovens e velhos de mãos desarmadas, por medo das palavras de uma gente que não faz o jogo sujo dos poderosos e que não lambe as botas de duran. Por tudo isso, arriscaria dizer que a liberdade ideológica e de expressão determinada pela Constituição está sendo solapada na prática do dia a dia.

Ainda que avance a cruzada anticomunista, a Casa Grande se ilude ao crer que estamos acuados.

Todos nós estamos com a cabeça já pelas tabelas por causa da exaberção do preconceito classista e da amargura provocada pela consciência emergente de injustiça social.

“Ao trabalhador que corre atrás do pão, é humilhação de mais que não cabe neste refrão”, já dizia Criolo.

Engana-se quem acha que, diante de tudo isso, ficaremos quietos. De fato, existe uma parte da esquerda (melancólica) que está acuada, mas também há uma frente se formando que não deixará pedra sobre pedra até que ocorra a decomposição do instituído.

Estamos gradativamente entendendo com mais clareza que o mundo de hoje é apenas um momento do longo processo histórico e a convivência pode sim ser mudada. Estamos gradativamente compreendendo que podemos e devemos botar de pé uma outra sociedade, uma sociedade que opere em outra lógica, porque a atual que temos, profundamente mergulhada em injustiça social, está nos matando.

Nada deve parecer impossível de mudar.

Se enganam, assim, as múmias que acham que os últimos acontecimentos marcaram o fim da história e que agora podem tomar para si os recursos públicos e fazerem com eles o que bem entenderem.

A história não está dada e a luta mal começou. Não adianta vir com um cale-se, pois, como na lenda da “Hidra de Lerna”, onde abatem uma cabeça, nascem milhares de outras. Estamos, enfim, cada vez mais entrincheirados com as armas da crítica e prontos para o combate.

Assumimos essa postura porque não existe mais espaço para conciliação de classes. Não existe mais espaço para o discurso do nós, sem nós.

Um desejo de reconfiguração da cena política, portanto, cresce a cada dia. Não aceitamos mais a velha ordem das coisas e do progresso para os mesmos de sempre. Se não for para todas e todos, não será para ninguém.

E não existirá anticomunismo que resista a força das exigências de reconstrução política, de eliminação da corrupção e do descontentamento muito difundido com relação aos mecanismos políticos, que percorrem de alto à baixo a população brasileira. Esse desejo de mudança corroerá as estruturas.

Nesse processo, podem até tentar nos enterrar, mas saibam desde já que somos sementes.

#LiberdadeParaOs23

#EuApoioOs23

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*João Elter Borges Miranda é professor de história formado pela Universidade Estadual de Ponta Grossa e milita na Frente Povo Sem Medo e Intersindical.

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