"Quando vejo uma pessoa pobre dando risada da prisão do Lula, tenho pena. Assim como tenho pena de quem deu risada da prisão de Mandela, ou da morte do Zumbi dos Palmares, ou de Martin Luther King Jr. Este companheiro está pensando com a cabeça do opressor que não quer que nosso povo aprenda porque, se aprender, não é mais dominado"
Gabriel Valery, RBA
A Praça do Patriarca, no centro de São Paulo, foi palco na tarde de ontem (18) de ato em homenagem ao centenário do líder sul-africano Nelson Mandela e da liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso na sede da Polícia Federal, em Curitiba, desde 7 de abril. Lideranças e militantes se reuniram para deixar a mensagem de que sim, Mandela ainda está vivo em cada um que luta em defesa da igualdade entre todos os cidadãos. Preso em 1962, Mandiba, como é chamado carinhosamente pelo povo sul-africano, foi condenado à prisão perpétua por seu ativismo contra o regime do Apartheid, que separava negros de brancos naquele país.
Mandela ficou 27 anos preso, alguns deles em solitária na ilha prisão de Robben Island. Do cárcere, não pôde ver a morte de sua mãe. Seus algozes, ao descobrirem em 1976, que estava escrevendo uma autobiografia, o proibiram de estudar por quatro anos. Foram muitos os sofrimentos, e longo o seu calvário. Solto em 1990, após intensa mobilização mundial, três anos depois foi agraciado com o Prêmio Nobel da Paz e, no ano seguinte, se tornou o presidente de seu país. Governou até 1999 e morreu no dia 5 de dezembro de 2003.
Entre os participantes do ato de São Paulo para homenagear a trajetória do líder revolucionário Mandela, estava o deputado federal Vicentinho (PT-SP). Ele contou sobre alguns encontros que teve com o sul-africano, e aproveitou para introduzir o outro motivo da mobilização na capital: Luiz Inácio Lula da Silva, que também esteve com Mandiba por algumas oportunidades, está há mais de 100 dias preso. Lula, um preso político, como classificaram aqueles que estavam celebrando o legado de Mandela.
“A primeira vez que estive com ele, estava com Lula e Benedita da Silva. Fomos ao encontro dele em Pretória (sede do governo local). Nesse encontro, Lula conversou com ele sobre como ele enfrentou a prisão, a discriminação e, após se tornar presidente, governou sem ódio e fez um belo trabalho de inclusão social. Inclusão entre todos, negros e brancos“, disse. Para o deputado, a iniciativa de hoje “mantém Mandela vivo em nossas mentes. Uma das melhores almas que a humanidade já produziu. Um companheiro generoso e solidário“.
“Depois, estive na África do Sul para um grande encontro mundial. Participei de um jantar com ele na Cidade do Cabo, a segunda sede do governo. E também estive com ele nas duas vezes em que veio ao Brasil. E, na última vez, estivemos nós, uma comissão de deputados, em uma visita de despedida, de muita emoção. Chegamos em um dia quente e ficamos sem jeito porque fomos tratados com muito carinho. Nos reconheceram e um sul-africano disse que sabia de nossa luta no Brasil pela vida e liberdade de Mandela. A imagem que não sai da minha mente é daquele corpo franzino dele mas tão forte e tão poderoso na luta em defesa da humanidade“, completou.
Para o deputado, a luta de Mandela inspirou a ação política de muitos brasileiros e inspira a luta de Lula, agora preso, como Mandela ficou durante anos. “Nosso querido Mandela representou essa luta. É dele a frase de que as pessoas não nascem com ódio, elas aprendem a odiar. E se aprendem a odiar, também aprendem a amar (…) É hora de amarmos, de nos unificarmos. Chega de sermos manipulados. Quando vejo uma pessoa pobre dando risada da prisão do Lula, tenho pena. Assim como tenho pena de quem deu risada da prisão de Mandela, ou da morte do Zumbi dos Palmares, ou de Martin Luther King Jr. Este companheiro está pensando com a cabeça do opressor que não quer que nosso povo aprenda porque, se aprender, não é mais dominado.”
Combate à intolerância
Para a coordenadora da Articulação Popular e Sindical de Mulheres Negras do Estado de São Paulo, Sandra Mariano, a prisão de Lula deve ser vista de forma crítica, como a de Mandela. “Mandela, mesmo após muito tempo preso, foi eleito presidente da África do Sul. Nos mostrou que lutar é preciso. A luta contra o racismo, contra o Apartheid, tudo isso ele nos deixou. E hoje, completamos mais de 100 dias de Lula preso. Um preso político que dedicou anos para implementar políticas para a população negra e pobre. Preso sem nenhuma prova. Por isso estamos aqui.”
No início do ato, após a fala de Sandra, Leila Rocha, apresentou uma oficina de batuque do Coletivo de Oya, e lembrou a importância de Winnie Mandela, companheira de Mandiba, nome essencial na luta contra o Apartheid . “Um coletivo de mulheres negras periféricas. Estamos para saudar as mulheres de hoje, saudar Winnie, Dandara, mulheres negras no poder“, disse.
Na sequência, o vereador Eduardo Suplicy (PT) pediu a palavra para retomar a homenagem ao Mandela, lembrou também do ativista norte-americano Martin Luther King Jr e defendeu Lula livre. “Quando Martin Luther King Jr comemorou 100 anos do fim da escravidão, ele disse que não era mais possível tomar o chá do gradualismo, porque se não houvesse modificação urgente, os negros não poderiam frequentar os mesmos espaços dos brancos. Ele disse que era necessário o caminho da justiça o quanto antes.”
“Então, por que é tão importante que Lula possa estar livre? Sabemos que no governo dele, as coisas melhoraram. Os dados do IBGE sobre desigualdade, sobre diminuição de pobreza extrema e absoluta diminuíram. O Brasil saiu do Mapa da Fome da ONU. Conheci o Lula em 1976. Desde então, ele sempre me disse para nós do PT que a questão ética é fundamental. Ele tem dito a nós que desafia qualquer empresário do Brasil a comprovar que depositaram de 10 a 20 centavos para algum benefício. Se comprovarem, ele vai até a prisão e se entrega”, completou.
Tempos de retrocesso
A luta de Mandela também foi tema de uma entrevista realizada pelo jornalista Glauco Faria, da Rádio Brasil Atual, que foi ao ar hoje. Nela, o cientista político Mathias Alencastro falou sobre o legado de luta pela democracia do líder sul-africano, especialmente em momentos de ameaças de grupos autoritários. “A história do Mandela inspirou o mundo inteiro. Foi uma referência para todas as democracias emergentes no anos 1990, entre elas o Brasil. Ele veio para o Brasil duas vezes e sempre foi portador da esperança de reconciliação e justiça para países que saíram de regimes autoritários e entraram em um período democrático vibrante“, disse.
“Mais do que a paz, o Mandela Day representa a luta pela democracia, tanto no ocidente, quanto na África. Quando ele chegou no poder, essa luta parecia muito mais consolidada do que agora. Vemos que a esperança que ele trouxe está ameaçada neste momento, por isso esse dia é mais atual do que nunca“, disse sobre ataques a direitos conquistados outrora.
Para o cientista, a democracia já passou por dias melhores em diferentes partes do mundo. “Uma comparação que podemos fazer entre a África do Sul e o Brasil é que a democracia lá tem um pai. No Brasil, as referências estão sendo disputadas, insultadas, derrubadas ou esquecidas. Penso no Ulysses Guimarães. Isso é mau para o Brasil, porque sem essas referências fica difícil olhar para o futuro depois“, completou.
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