Cacareco para presidente!
Luis Gustavo Reis*, Pragmatismo Político
Antes de iniciar a leitura, caro leitor, cabe um breve parêntesis: este singelo artigo não tem pretensão de fazer proselitismo político, desacreditar as organizações partidárias, tão menos convencê-lo a escolher fulano ou sicrano como seu candidato à presidência. Ainda que o título do texto aparente fazer alusão explícita a uma preferência, nosso estimado Cacareco é apenas uma metáfora que, com paciência e perseverança, será decifrada pelo leitor ao longo das frases. Caso não decifre, a responsabilidade é exclusivamente do missivista, pouco talentoso no ofício de traduzir ideias em palavras.
Fechado o parêntesis, sigamos com o texto.
Finalizada as convenções partidárias, foi dada a largada para a corrida eleitoral de 2018 com os postulantes ao cargo de presidente da República. Daqui a cerca de 2 meses, caso haja segundo turno, saberemos quem governará o país pelos próximos 4 anos – isso se o presidente não for defenestrado ou impedido de concluir o mandato por qualquer circunstância.
Na bandeja eleitoral, o cardápio é aparentemente diversificado, embora o sabor dos alimentos seja o mesmo. Com opções indigestas de adoecidas raposas travestidas de cordeiros, os candidatos tentam convencer que “representam o novo”, “são contra o establishment” e farão uma “renovação política”.
As convenções partidárias expuseram os velhos vícios. Em nome do celebrado pragmatismo político, voltam a reluzir as apodrecidas alianças e as promessas vazias.
São várias as pirotecnias dos candidatos: “semi-progresssitas” mancomunados com gente que gosta de surrupiar terras indígenas e quilombolas para plantar soja e outras commodity; falastrões metidos à justiceiros que cogitam emplacar um astronauta no Mistério da Ciência e um ator pornô no Ministério da Educação; oligarcas católicos pousando de republicanos agnósticos, despudorados salteadores de merendas infantis; fariseus corruptos disfarçados de democratas cristãos; eco-capitalistas conjurados a ambientalistas defensores da vaquejada e até um hipnólogo, como no famoso conto de fadas, sonhando dirigir a nação antes de apodrecer no calabouço. Pelo menos dessa vez, é preciso reconhecer, seremos poupados das escrotices daquele que promete desde o jardim de infância construir o “Aerotrem”.
É perante todas essas opções que Cacareco pode ser um notável presidente! Mas quem é o nosso personagem? Recorramos a história.
Há cerca de 59 anos, os paulistas foram convocados a escolher seus representantes para o governo da cidade. Cansados das falcatruas e da inoperância dos postulantes, resolveram eleger um rinoceronte para o cargo de vereador. Isso mesmo, um rinoceronte!
Conhecido como Cacareco, o rinoceronte foi o mais votado nas eleições de 4 de outubro de 1959. O número de votos do quadrúpede (pasmem!) foi superior ao de todos os 540 candidatos dos doze partidos concorrentes.
A eleição de Cacareco ganhou as manchetes da imprensa nacional e internacional, com reportagens de destaque até no The New York Times. Apesar do nome um tanto masculinizado, Cacareco era uma fêmea de aproximadamente 230 quilos, originalmente moradora do Zoológico do Rio de Janeiro. Em 1958, a pedido do então governador do Estado de São Paulo, Jânio Quadros, foi emprestada aos paulistas para ser a principal atração do recém-inaugurado Zoológico de São Paulo.
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Cacareco ganhou tanta fama e prestígio, que resolveram escalá-lo para ocupar a Câmara Municipal. A ideia da insólita candidatura foi atribuída ao jornalista Itaboraí Martins, que tinha o objetivo de denunciar a baixa qualidade dos políticos.
O leitor pode estar se perguntado como foi possível votar em um rinoceronte?
Acontece que naquele período o voto era por meio de cédula de papel e o eleitor preenchia o nome do candidato que quisesse. Por isso, Cacareco despontou com mais de 100 mil votos e se tornou um dos mais famosos casos de voto de protesto da história política brasileira.
Nas cédulas, o eleitor paulistano escrevia: “Cansados de teleco-teco, vamos votar em Cacareco”; “Para vereador – Cacareco” ou “Queremos uma Câmara mais anima… da”. Até uma marchinha de apoio foi elaborada: “Cansados de tanto sofrer / E de levar peteleco / Vamos agora responder / Votando no CACARECO“.
Evidentemente que Cacareco não foi empossado e seus votos foram anulados pela Justiça Eleitoral, mas o rinoceronte-vereador deixou registrada sua passagem na história do país.
Não foi a primeira vez que um episódio com essas características aconteceu no Brasil. Nas eleições de 1955, na cidade de Jaboatão, em Pernambuco, a população elegeu um pitoresco bode, conhecido como “Cheiroso”. Após a vitória para vereança, “Bode Cheiroso” virou letra de música, gravada por Luiz Wanderley:
Olhe como é que pode
Me diga doutor
O diabo do bode ser vereador
Foi na eleição de Jaboatão
Que o bode cheiroso se candidatou
Quando foi na hora da apuração
Maior votação o bode levou
Veio o promotor, falar com cheiroso
E o bode manhoso estendeu a mão
Chorou de emoção olhou pras revistas
E deu entrevista na televisão
Há outros exemplos de votos irreverentes na história brasileira. No ano de 1988, por exemplo, a população carioca sufragou o macaco “Tião” para prefeito. O primata ficou em terceiro lugar no páreo. Já em 1996, o bode “Frederico“ foi o mais votado no município alagoano de Pilar. No entanto, o mamífero não teve muita sorte: morreu envenenado por algum inimigo político.
Apesar das urnas eletrônicas inviabilizarem esse tipo de votação nos dias atuais, outros Cacarecos, Bodes Cheirosos, Macacos Tião e Bodes Frederico, com o devido respeito a estes personagens, continuam aparecendo, inclusive até são eleitos.
Quem sabe o vice de Cacareco para o pleito presidencial de 2018 possa ser um chimpanzé nesta famigerada república das bananas.
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*Luis Gustavo Reis é professor, editor de livros didáticos e colabora para Pragmatismo Político