As eleições e a pós-verdade
Delmar Bertuol*, Pragmatismo Político
Há uma corrente filosófica-sociológica que defende que, com a propagação das redes sociais, vivemos a pós-verdade. A verdade não é mais o factual, o que realmente houve, mas o difundido como sendo realístico. E já que também estão em voga as acusações mútuas de fascismo, vale lembrar uma máxima atribuída a Goebbels, chefe da propaganda nazista: “uma mentira repetida muitas vezes torna-se verdade.”
O márquetim eleitoral é a principal ferramenta de angariação de votos. Por isso, os marqueteiros especializados nessa área cobram fortunas pela sua assessoria, os candidatos buscam recursos milionários para a campanha e o Alckmin fez um acordo com o centrão (direitão) a fim de conseguir um feudo de tempo na tevê. Sem menosprezar isso, e até somando, os boatos tidos como verdade são uma força anterior e mais intensa. É que os efeitos deles, ao que parece, têm maior poder de condicionamento, ao não só construir uma imagem deturpada (para o bem ou para o mal) das pessoas e/ou dos fatos, mas, principalmente, mudando conceitos, percepções ou até mesmo ao “cancelar” os acontecimentos.
Nestas eleições, cujas campanhas começaram não na semana passada, mas há mais de ano, pelo menos, algumas “verdades” dessa lógica pós-verdade já baseiam o voto de grande parte do eleitorado.
Ignorando a História, por exemplo, há quem acredite que o Golpe de 64 e a conseguinte Ditadura Militar não foi golpe e o seu resultado foi uma árdua e benévola luta pró-democracia, surrupiada pelo governo comunista (olha a pós-verdade aí) de Jango. Aliás, há quem creia que a História e outras ciências humanas são dispensáveis. O que vale é o tecnicismo. Sem direito à greve, que isso prejudica a produção.
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Influenciados pela pós-verdade e ainda no assunto acima, alguns grupos creem que não são os trabalhadores quem devam ser sobretudo defendidos, mas os empresários. Segundo essa concepção invertida, quando o empresariado vai bem, consequente e obrigatoriamente os trabalhadores também irão, pois automaticamente valorizados. Alegam sofismas contraditórios em si mesmos. Falam a expressão da moda, o “custo Brasil”. O bem-estar dos assalariados não é visto como investimento com retorno não só subjetivo como social e, mesmo antes, na própria qualidade/quantidade de trabalho, mas como um custo de difícil quitação. Na pós-verdade, parte dos próprios assalariados corroboram a ideia, por tê-la como verdade.
Atrevo-me à relação: a pós-verdade torna real o irreal, a mentira e/ou a pura crença. Talvez aí, aliado a outros fatores (principalmente o crescente número de evangélicos), se encontre parte da explicação para a conduta dalguns postulantes a cargos políticos, inclusive ao Planalto, de ignorarem sem constrangimento a laicidade estatal e avisarem que, se eleitos, balizarão seus governos em dogmas religiosos. Que Deus não permita isso!
O problema maior de elegermos alguém baseados em falsas informações é que o discurso do que é real não é a práxis. E o poder da pós-verdade é tanto, que podemos continuar a sentir os efeitos, mas acreditando que as causas são outras que não as verdadeiras, numa dialógica viciosa e sem efeitos resolutivos na prática.
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*Delmar Bertuol é professor de história da rede municipal e estadual, escritor, autor de “Transbordo, Reminiscências da tua gestação, filha”