Militares admitem que propostas do presidenciável Jair Bolsonaro não terão impacto em reduzir criminalidade no Brasil e representam a "regulamentação da barbárie"
Arthur Stabile, Ponte
Candidato à presidência, Jair Bolsonaro (PSL) incluiu oito pontos em seu plano de governo para a solução da crise na segurança pública brasileira. As propostas são consideradas como ‘regulamentação da barbárie’, ‘inconstitucionais’ e de ‘função do parlamento, não do presidente’ por militares ouvidos pela Ponte.
As propostas do candidato (o resumo está abaixo) envolvem, entre outros pontos, retirar a progressão de pena para presos, reduzir a maioridade penal para 16 anos, reformular o estatuto do desarmamento, considerar legais quaisquer mortes praticadas por policiais contra civis e tipificar invasão de propriedade como terrorismo.
O ponto referente à garantia jurídica dos policiais envolve modificar o artigo 23 do código penal, que trata de não considerar crime quando civis sejam mortos em caso de legítima defesa em cumprimento de seus deveres. O texto, porém, considera que o agente do Estado responderá criminalmente caso seja identificado um excesso, justamente o que Bolsonaro propõe retirar.
“Tem tudo para aumentar ainda mais a letalidade policial. Significa, sim, uma carta branca para policiais matarem, que teremos força armada totalmente fora de controle do próprio Estado. Toda e qualquer alegação será tida como verdade absoluta. É a regulamentação da barbárie que já existe hoje”, critica Adilson Paes de Souza, coronel da reserva da Polícia Militar de São Paulo.
O ponto de vista é compartilhado por José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de segurança no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). “Esta proposta não terá efeito positivo na redução da criminalidade. Imaginar que matar mais vai ter menos violência é uma lógica errada, só no Rio de Janeiro tivemos 895 mortos em supostos confrontos de janeiro a junho”, sustenta.
Sobre o recrudescimento da repressão policial, aliás, José Vicente é publicamente opositor. Tanto que no início de agosto, se retirou da campanha ao governo do estado de João Dória (PSDB) justamente por causa do entendimento do tucano de que, caso eleito, iria ampliar a Rota (tropa de elite da PM).
Quanto à redução da maioridade penal, militares apontam que o impacto não será diminuir a criminalidade, ao contrário. “Primeiro temos que fazer cumprir ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) na sua íntegra. Estão querendo reduzir um problema a partir de inúmeras omissões”, avalia Elisandro Lotin, sargento da PM de Santa Catarina, apontando que reduzir a maioridade seria benéfico ao crime organizado.
“O crime se sustenta a partir das prisões e o Estado é o maior fornecedor de mão de obra para o crime ao prender em massa. Aqui fora, o Estado fornece de outras formas, como ignorando políticas publicas aos jovens. E seria pior: reduzir fará o fornecimento de mão de obra jovem ser direto pelas cadeias. Um retrocesso gigantesco, possibilidade grotesca”, explica.
Em seu plano de governo para a segurança pública, o candidato Bolsonaro coloca que as Forças Armadas atuarão diretamente “no processo de atendimento da saúde e da educação da população, principalmente em áreas remotas do país”. Além disso, propõe implementar em dois anos uma escola militar em cada capital de estado. Para o coronel da reserva da PMERJ (Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro) Robson Rodrigues, a ideia pode descredibilizar as instituições.
“Não vão dar conta, são muitos problemas na saúde, de gestão, orçamento… É um modo simplista, um engodo. Dá a impressão de que as Forças Armadas vão resolver tudo, que é multi uso. De que educação e saúde se resolve assim”, diz Rodrigues. “E as Forças Armadas não conseguem nem resolver o problema da segurança pública no RJ, por exemplo. Um problema sério é descredibilizar a instituição, que é o último nível de força do Estado”, completa Rodrigues.
Os militares sustentam que a maior parte das propostas incluídas no programa de governo do ex-capitão do exército é de responsabilidade do legislativo e não do executivo. Ou seja, caberia aos deputados proporem e o projeto ser votado na Câmara. Bolsonaro exerce a função de deputado federal desde 1990, propôs 172 projetos e apenas dois deles foram aceitos.
Uma dessas propostas envolve tirar da Constituição “qualquer relativização da propriedade privada, como exemplo nas restrições da EC/81” e considerar terrorismo quaisquer invasões no campo ou na cidade. A citada emenda constitucional trata do “trabalho escravo e cultivos ilegais de plantas psicotrópicas” e, em caso de comprovadas tais ações ilegais, uma das penas previstas é que as propriedades sejam “expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário”, diz o texto.
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