Direita

Nossa direita obsoleta

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Enquanto a esquerda atual faz uma releitura de Marx, nossa direita ainda está no Adam Smith puro, sem readaptação. E tenta ser moderna

Delmar Bertuol*, Pragmatismo Político

Em geral, pessoas identificadas com a direita acusam esquerdistas de ainda viverem nas décadas de sessenta e setenta, de querer implantar o comunismo no Brasil. Alegam que os governos de esquerda querem retirar os bens materiais das pessoas e dividir.

Essa acusação sim que é uma volta à dicotômica Guerra Fria, que justamente leva esse nome por ter sido em essência um embate de retóricas.

Os partidos de esquerda, em seus programas (que são, afinal, idealizações), talvez até prevejam a instituição dum sistema socialista ou mesmo comunista no País, por exemplo. Mas isso é a utopia, que, por definição, é inatingível.

Os candidatos de esquerda sabem que, uma vez e se alçados ao poder (pelo voto, não por golpes, como foram todos os golpes do Brasil: de caráter direitista), governarão um país capitalista inserido numa lógica global capitalista. Sim, o capitalismo venceu a Guerra Fria. Só que isso não é o mesmo que dar certo plenamente.

O comunismo, apesar dalguns estados assim se intitularem, não ocorreu em nenhum lugar. E nos socialistas, ou pretensamente isso, também há vários e graves problemas. O mesmo ocorre nos países capitalistas, em que há problemas sociais vários, basta ver as marquises das grandes cidades.

O capitalismo como um fim e si mesmo, capaz de resolver ou não gerar adversidades econômicas e sociais é tão utopia como o comunismo ou o socialismo. A mão invisível do mercado também não faz enxergar seus resultados. E a meritocracia plena é apenas a manutenção de quem já nasce em “mérito de ouro”.

A proposta da esquerda de hoje não é tomar um apartamento de quem tem dois e entregar ao movimento dos sem-teto; ou estatizar todas as empresas e igualar o salário dos trabalhadores, independente de qualificação e esforço.

Crer (e propagar!) nisso é algo entre pueril, ignorância ou mesmo desonestidade.

Os governos e as propostas de esquerda atuais e em todos os âmbitos objetivam principalmente diminuir as desigualdades sociais, pois veem nisso a gênese de vários outros óbices. A ideia, doravante, é manter o capitalismo, mas aplicando-lhe preceitos esquerdistas, sobretudo no que tange a participação do estado na economia e no assistencialismo. Aliás, as maiores potências capitalistas e/ou as com melhores índices de qualidade de vida têm como característica grande participação do estado na sociedade e alta carga tributária.

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Os governos de esquerda do Brasil são exemplos. Nunca os trabalhadores tiveram tanto acesso ao consumo. E o modo como esses governos fizeram isso foi justamente incentivar a produção e o crédito. Ou seja, nos governos “comunistas” brasileiros, os empresários e os banqueiros experimentaram incrível prosperidade.

Não é a esquerda que está obsoleta. Ela compreende o capitalismo e tenta aparar suas fraquezas, por paradoxo, fortalecendo-a. A direita, por sua vez, o romantiza e o considera perfeito, fazendo-o vítima de si mesmo. Inviabilizando-o. Paradoxo.

Enquanto a esquerda atual faz uma releitura de Marx, nossa direita ainda está no Adam Smith puro, sem readaptação. E tenta ser moderna, se dizendo, ridículo!, liberal na economia e conservadora nos costumes. No primeiro caso, volta ao século XVIII. No segundo, ao Feudalismo.

Se a direita não se adaptar, somente a esquerda salvará o capitalismo brasileiro.

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*Delmar Bertuol é professor de história da rede municipal e estadual, escritor, autor de “Transbordo, Reminiscências da tua gestação, filha”

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