A vidente dos Bálcãs que previu a Segunda Guerra Mundial e o 11 de setembro
Baba Vanga: a história da vidente dos Bálcãs, de origem pobre, que previu a Segunda Guerra Mundial, a queda da União Soviética e o 11 de setembro
De origem pobre, a vidente búlgara dizia ter começado a ter visões na adolescência. Atingiu renome internacional ao divulgar supostas premonições sobre a Segunda Guerra, a queda da União Soviética e o 11 de setembro.Um certo Petar Stoyanov, político búlgaro em ascensão, visitou Baba Vanga (ou “Vó Wanga”) antes da eleição presidencial do país em 1997. O encontro foi extravagantemente acompanhado por uma equipe de televisão: “Você será presidente. Mas ainda vamos ver que tipo de presidente você será“, disse-lhe a mulher.
De fato, Petar Stoyanov venceu a disputa e se tornou o segundo presidente da Bulgária democrática no dia 22 de janeiro de 1997. Wanga também acertou com a frase adicional, já que Stoyanov não deixou lembranças marcantes com sua gestão.
A “vidente de Petrič” tinha fama de ter essas visões desde a adolescência. Nascida em Strumica, na atual Macedônia (designada como ARIM – Antiga República Iugoslava da Macedônia por organizações como a Otan e a UE), em 1911, ficou gravemente ferida aos 13 anos, após a passagem de um furacão que a jogou num areal – ela só foi encontrada dias depois. A cegueira, aos 16, foi um efeito tardio dos ferimentos. Mas Vanga passou a “enxergar” de outra forma, de forma sensível, dizia, a fenômenos sobrenaturais e paranormais.
As supostas premonições eram marcadas por imagens e pela mística ortodoxa cristã. Em 1940, pouco depois do início da Segunda Guerra Mundial, a própria Vanga descreveu que um cavaleiro de aço tinha lhe aparecido como prenúncio de “coisas terríveis“. Poucos dias depois, a Wehrmacht alemã invadiu o então Reino da Iugoslávia, e a guerra chegou aos Bálcãs. Soldados búlgaros de passagem e os agricultores locais eram os que mais frequentavam a casa de Vanga.
Vanga se casou com um desses soldados, Dimitar Gushterov, e se mudou com ele para Petrič, a 50 km de sua cidade natal, onde permaneceu até sua morte em 1996. Passou a ter mais visões, que se tornaram públicas. Vanga ficou famosa por matérias publicadas em jornais e pela propaganda boca a boca, que acabavam se misturando às diferentes versões de suas “profecias“. Hoje em dia, é quase impossível diferenciar umas das outras.
A chegada do comunismo quis eliminar a mística cristã obscura. Os lemas eram: partido em vez de sacerdote, socialismo em vez de clarividência. Visões abstratas, videntes e forças psíquicas – sobretudo de inspiração cristã – não tinham lugar ao lado do céu na terra governada pelo Partido Comunista. Quem não era um profeta comunista – como era o caso da “vidente de Petrič” – era um risco para o monopólio absoluto do poder.
Tanto o Partido Comunista quanto o aparato de segurança nacional proibiram o trabalho de Vanga. Sua casa era vigiada, os visitantes contados. Viagens nacionais até a região limítrofe de Petrič, cujo único objetivo era ver Vanga, deixaram de ser autorizadas.
Pelo marido, a polícia secreta procurou convencê-la a parar com as premonições. Mas Vanga se manteve fiel a si mesma e falava com quem a procurava. Quem perguntava obtinha respostas. As peregrinações que tinham a vidente como destino podiam até sofrer restrições, mas o “feitiço” que ela exercia sobre todas as pessoas que conseguiam uma consulta se manteve.
A pressão do regime sobre essa “inimiga” incomum só foi afrouxada nos anos 1960. Com a “destalinização“, a situação interna nos países socialistas ficou menos tensa, o Partido aliviou o controle. Além disso, o marido de Vanga, que havia transmitido a pressão do partido sobre ela durante anos, morreu.
Vanga encontrou, então, uma protegida inesperada e surpreendente, oriunda do interior da elite do poder comunista: ninguém menos que Lyudmila Zhivkova, filha do chefe de governo e do secretário-geral do Partido Comunista búlgaro, Todor Zhivkov, se tornou a fã número um da vidente.
Jivkova era conhecida tanto pela tendência ao esoterismo, ao oculto, ao misticismo e à espiritualidade, quanto pela sua predileção por luxo. Não existiam limites para a filha do líder comunista. Zhivkova, que, após nomeação pelo seu pai, presidiu o Comitê Estatal para Arte e Cultura entre 1975 e 1981 com um cargo equivalente a de uma ministra de Estado, se tornou um símbolo para corrupção, nepotismo e propaganda enganosa. No interior do partido, já havia rumores sobre uma regulamentação sobre sucessores após a morte de Todor Jivkov.
Zhivkova era obcecada por “Baba Vanga“. Suas premonições combinavam tanto com o zeitgeist da população mais pobre quanto da elite comunista. Esta se encontrava em meio a uma crise existencial: ao mesmo tempo em que mantinha o compromisso com o socialismo e o Partido Comunista na ponta da língua, tinha a casa cheia de produtos do Ocidente que tinham que ser pagos com cada vez mais dinheiro e através de esquemas cada vez mais criminosos.
Com crenças ignoradas, a superação da religião e os últimos suspiros do socialismo, fenômenos “paranormais” se tornaram uma alternativa bem-vinda – não apenas para Zhivkova.
A ministra ordenou a criação de um “Instituto de Sugestionamento” em Sófia – o nome já indicava uma “pseudociência“. No instituto, as premonições de Vanga eram documentadas e “pesquisadas“, assim como as de outros videntes. Administrado pelo famoso sociólogo Georgi Lozanov, o órgão queria descobrir quantas das visões de Vanga eram corretas e sob que condições ela acertava mais as previsões.
Segundo Lozanov, até 80% das pessoas que consultaram Vanga indicaram que a vidente tinha, de fato, previsto seu futuro.
Com o apadrinhamento de Zhivkova e de seus círculos esotéricos e místicos, não é de se admirar que Vanga também tenha se tornado uma estrela não oficial na antiga União Soviética. Relações diplomáticas da Bulgária chegaram a levar convidados do governo soviético até Vanga. Parentes lembram que, nos anos 1980, ela atendia pessoas durante o dia inteiro.
Havia programação de horas de espera, e o Estado acabou assumindo a “organização” – em troca de uma pequena taxa. No final dos anos 1970, permitiu-se realizar os primeiros documentários televisivos sobre as sessões privadas de Vanga. Houve várias até sua morte. As gravações, durante as quais Vanga declarava suas visões diretamente para a câmera, podem ser consideradas as fontes mais confiáveis de suas premonições.
Quando Mikhail Gorbatchov se tornou secretário-geral do Partido Comunista soviético, em 1985, Vanga falou na queda da União Soviética. Mas, como confidente da elite comunista, ela compartilhava dessa previsão com alguns cientistas políticos que não tinham poderes premonitórios.
Em 1989, ela verbalizou outra premonição: “Horror, horror. Os irmãos americanos vão cair após um ataque com aves de aço. Sangue inocente será derramado“, disse, numa declaração que, posteriormente, foi interpretada como previsão dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 às Torres Gêmeas do World Trade Center em Nova York.
Baba Vanga também teria “visto” um presidente americano negro. Mas, ao contrário da concretização de sua premonição de Barack Obama como 44º presidente dos Estados Unidos, o segundo conflito civil que ela anteviu na mesma visão nunca aconteceu.
Quando morreu, em 1996, Vangelia Pandeva Dimitrova era um fenômeno da mídia. Profundamente mergulhada no misticismo cristão, ela financiou a construção da igreja ortodoxa “Santa Petka Bulgarska“. A seu pedido, sua casa em Petrič foi transformada num museu. E, até hoje, a “vidente de Petrič” fascina inúmeras pessoas. Filmes, livros e páginas de internet investigam suas premonições e procuram provas de profecias realizadas.
Deutsche Welle