O ataque a Bolsonaro e a laicidade estatal
Delmar Bertuol*, Pragmatismo Político
O sujeito que atacou o candidato Jair Bolsonaro disse que agiu por questões religiosas. Membros da sua igreja, que fiz questão de não pesquisar qual é, teriam, inclusive, ajudado a pagar advogados para a sua defesa.
Bolsonaro, além de defender medidas extremas contra a criminalidade (contra os criminosos pobres), adotando o mantra “bandido bom é bandido morto”, encontrou outro nicho eleitoral, os evangélicos, grupo religioso que é um dos que mais cresce no Brasil. Para isso, evoca nos seus discursos a Bíblia e, equivocadamente, dogmas cristãos.
Por mais paradoxal que pareça, é empírico que, quanto mais religioso for o governo, tanto mais ele próprio é violento, assim como a sociedade que ele representa.
No início da civilização, os reis eram representantes dos deuses na Terra, quando não tinham eles próprios características divinas. Em homenagem e/ou em nome dos panteões, inclusive sob a proteção das divindades, eram empregadas guerras contra povos estrangeiros e pessoas eram tornadas escravas. Na Idade Antiga, uma época extremamente teocêntrica, um povo virtuoso era aquele que mais pessoas e territórios conquistava. E isso, é claro, se dava pela violência. E, repito, com o aval dos deuses.
Na Idade Média ocidental, nos feudos europeus, quando já então nossos ancestrais haviam adotado o monoteísmo e os preceitos cristãos (desde então equivocados), o poder político era uma vontade Divina e era a própria Igreja Católica, que fazia parte do governo, quem aplicava as mais severas penas aos hereges, inclusive como forma de purificação.
Foi essa mesma Igreja que, de certa forma, legitimou a escravidão negra na Europa e nos lugares por ela colonizados, Brasil por exemplo. E ainda antes da Revolução Francesa o Rei tinha legitimidade divina.
Vivemos tempos de mudanças comportamentais como de paradigmas. Ao mesmo tempo, questões relativas a direitos humanos ocupam larga discussão enquanto tem-se a impressão que a violência social só aumenta. Pra somar, temos no Brasil uma efervescência política pelo menos desde as eleições de 2014.
Junta-se a isso a propagação das redes sociais, em que todos têm possibilidade de compartilhar suas ideias e opiniões, por mais esdrúxulas e anacrônicas que sejam. Maior prova é que há grupos que deliberadamente pregam a volta da Ditadura Militar e, num reflexo da pós-verdade, tentam convencer de que ela foi um período democrático.
São tempos de opiniões. Todos têm direito a tê-la e a pronunciá-la. E a religiosidade, que é íntima, subjetiva e, como intrínseca ao ser humano, automaticamente de impossível desvinculação de qualquer ação pessoal, inclusive política, vai direta ou indiretamente se manifestar nos argumentos pois, repito, presente no indivíduo.
Misturar, contudo, religião e política por conceito e premissa é um equívoco que remete aos primórdios tempos civilizacionais e que, no imaginário popular, legitima ações violentas, pois, em última instância, feitas em nome da sacralidade.
Apesar de eu não ter ouvido falar do caráter individual do atentado contra o candidato e partindo do pressuposto que ele fez o que muitos não tiveram coragem, refuto a ideia de que Bolsonaro foi vítima do que pregou. De novo, ele não inventou a violência e a intolerância. Ele apenas espertamente fez delas o seu produto. Bolsonaro foi vítima do imaginário social histórico brasileiro.
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*Delmar Bertuol é professor de história da rede municipal e estadual, escritor, autor de “Transbordo, Reminiscências da tua gestação, filha”