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Bebidas de Soja escondem rótulo de transgênico (T) no Brasil

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Bebidas à base de soja escondem que contêm ingredientes transgênicos. Embora 96,5% da soja cultivada no Brasil seja geneticamente modificada, 76 marcas dessas bebidas não trazem em seu rótulo o símbolo de transgênico (T). É o que mostra uma pesquisa da UFSC

Luciano Velleda, RBA

Com estratégias de publicidade que costumam enaltecer as vantagens à saúde dos consumidores, alimentos à base de soja podem esconder o uso de ingredientes transgênicos em seus rótulos. É o que indica a tese de doutorado da nutricionista Rayza Dal Molin Cortese, intitulada “Análise da rotulagem de alimentos elaborados a partir de organismos geneticamente modificados: a situação no Brasil”, defendida em julho, no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Nutrição, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), sob orientação da professora Suzi Barletto Cavalli e com a parceria da professora Rossana Pacheco da Costa Prença.

Além da soja, o estudo teve o objetivo de analisar também a presença de ingredientes derivados de milho e algodão, possivelmente transgênicos, em rótulos de alimentos vendidos no Brasil – o segundo país que mais planta sementes transgênicas no mundo. Respondem, atualmente, por 96,5% da soja, 88,4% do milho e 78,3% do algodão cultivados no Brasil.

A falta de evidências que comprovem a segurança dos transgênicos para o meio ambiente e a saúde tem sido motivo de divergências, nas últimas duas décadas, na comunidade científica. Há estudos, por exemplo, que demonstram os malefícios do consumo de alimentos transgênicos à saúde, principalmente quando considerados os agrotóxicos associados.

Para Rayza Cortese, diante da insegurança no consumo desses alimentos os cidadãos devem ser informados sobre a presença de ingredientes geneticamente modificados no rótulo dos alimentos. Desse modo, caberia a cada indivíduo exercer seu direito de escolha, a partir de informações claras e adequadas.

A opinião da pesquisadora, não à toa, é lei no Brasil. O Decreto nº 4.680/2003 determina que todos os alimentos e ingredientes alimentares que contenham ou sejam produzidos a partir de transgênicos, com presença acima de 1% do produto, devem ser rotulados. Além disso, a Portaria 2.658/2003 do Ministério da Justiça também estabelece a identificação de transgênicos no rótulo, por meio do símbolo “T” no centro de um triângulo amarelo.

A presença dessas informações no rótulo de alimentos transgênicos pode não ser mais obrigatória caso o Projeto de Lei nº 4.148/2008, aprovado pela Câmara, em 2015, seja aprovado no Senado, onde tramita agora sob o nome de Projeto de Lei da Câmara (PLC nº 34/2015).

Em sua pesquisa de doutorado, Rayza analisou um total de 5.048 alimentos. A análise de 76 bebidas a base de soja demonstrou que todas continham ingredientes derivados de soja, sendo que 31 também continham ingredientes derivados de milho. Considerando a crescente produção de transgênicos no país, presume-se que os ingredientes derivados desses produtos sejam provenientes de plantas transgênicas.

Os ingredientes derivados de milho e soja, passíveis de serem transgênicos identificados na lista de ingredientes dos rótulos destas bebidas são a proteína de soja, extrato de soja, soja em grãos, amido de milho e maltodextrina – ingrediente que pode ser obtido a partir do milho.

O extrato de soja foi o ingrediente com maior incidência nos rótulos, aparecendo em 42 bebidas, seguido pela proteína de soja e a maltodextrina, identificadas em 31 bebidas. De acordo com a pesquisadora, nenhuma das bebidas analisadas continha o símbolo de transgênico no rótulo.

Metodologia

O estudo de doutorado “Análise da rotulagem de alimentos elaborados a partir de organismos geneticamente modificados: a situação no Brasil”, iniciou com uma revisão de literatura para identificar possíveis ingredientes transgênicos derivados de soja, milho e algodão. A partir desta revisão, a pesquisadora identificou na literatura científica vários produtos e subprodutos derivados dessas três culturas, possivelmente transgênicos, que são utilizados pela indústria alimentícia para a fabricação de diversos alimentos. Tais resultados foram recentemente publicados na revista Public Health Nutrition.

A seguir, Rayza fez um censo em um estabelecimento pertencente a uma das dez maiores redes de supermercados do Brasil, com o objetivo de identificar a presença desses ingredientes nos alimentos industrializados. Registrou-se assim informações sobre a identificação do alimento, como denominação, nome comercial, marca, fabricante e país de origem.

Os rótulos foram ainda fotografados para posterior identificação, transcrição e análise da lista de ingredientes, além de conferir a presença de alguma informação no rótulo que identificasse a presença de transgênicos. Ao todo, foram coletadas informações de 5.048 alimentos, ao longo de cinco meses, entre os anos de 2013 e 2014. Os alimentos foram classificados de acordo com os grupos e subgrupos definidos pela legislação brasileira de rotulagem (RDC nº 359/2003).

Para analisar as informações presentes na lista de ingredientes de todos os alimentos, Rayza Dal Molin Cortese utilizou a técnica denominada “mineração de texto”, a qual possibilitou identificar os alimentos que continham pelo menos um ingrediente derivado de soja, milho ou algodão. Ela também analisou a frequência de citação dos ingredientes, de modo a descobrir quais deles mais apareceram nos alimentos analisados.

Essas etapas resultaram em uma lista de produtos e subprodutos derivados de soja, milho e algodão, possivelmente transgênicos, presentes em grande parte dos alimentos industrializados analisados no estudo.

Os resultados da presente tese mostram que o consumo de alimentos industrializados sem declaração da presença de transgênicos pode aumentar as chances de consumo destes alimentos. No entanto, muitos destes alimentos não têm a composição claramente identificada no rótulo. Isso pode ser devido à legislação brasileira, que obriga a rotulagem apenas daqueles alimentos que contiverem mais de 1% de transgênicos, ou seja, os alimentos que contiverem menos de 1% ficam isentos da obrigatoriedade da rotulagem, o que não significa que não contenham transgênicos”, explica Rayza.

Ela também enfatiza a ausência de informações sobre fiscalização em relação ao cumprimento do percentual de ingredientes possivelmente transgênicos nos alimentos. “Salvo melhor juízo, pode-se supor que a indústria alimentícia pode omitir essa informação, não rotulando o produto, mesmo que contenha mais de 1%”, pondera.

De acordo com a pesquisadora a divulgação de informações para a população sobre a presença de transgênicos nos alimentos precisa ser mais abrangente, por meio da elaboração de guias para auxiliar os consumidores a identificar presença de transgênicos e de cursos sobre a temática para nutricionistas.

“A ausência dessa abordagem na versão do Guia Alimentar para a População Brasileira de 2014 demonstra a necessidade da inserção de recomendações que levem em conta o princípio da precaução, o direito à informação e que possam contribuir para a garantia da segurança alimentar e nutricional em todas as suas dimensões”, conclui.

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