Eleições 2018

Os desdobramentos das fake news no caso Bolsonaro

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O que mais se viu foi gente duvidando do ataque a Bolsonaro. As próprias declarações da campanha do candidato iniciaram minimizando o incidente, num claro objetivo de reduzir a fragilidade da segurança de Bolsonaro e temendo pela ideia de que a candidatura era inviável em função do quadro de saúde dele. Rapidamente esta avaliação mudou, tweets foram apagados, mensagens foram reescritas para passar a ideia de que Bolsonaro era um sobrevivente e que tinha escapado por pouco de morrer. As redes, naquele momento, não perdoaram

Vanessa Pedro*, objETHOS

Nos informamos por tantos meios que produzem conteúdo hoje que é preciso parar e listar de onde vêm as informações que a gente recebe num dia sobre um evento. Parei para pensar nisso no caso do atentado a faca contra Jair Bolsonaro, ocorrido na quinta, dia 6 de setembro. Novamente a disputa é grande entre produção vinda do jornalismo através de canais de TV, páginas de jornais, páginas oficiais no Facebook, blogs de jornalistas e, no dia seguinte, nas capas de escassos jornais impressos. Especialmente a produção eletrônica se avoluma para além do jornalismo, mesmo não checando informações, indícios ou fofocas, mas faz circular nos celulares, tablets e computadores conteúdos transmídia que vão montando o quebra-cabeças da interpretação e até substituindo temas que horas antes haviam chegado no topo das notícias mais comentadas e compartilhadas.

Mesmo com o ambiente crescendo em polaridade e ódio, num combustível usado pela própria imagem criada por Bolsonaro, a notícia de que o candidato à presidência havia sido atingido por uma facada surpreendeu e fez sair do debate e das timelines o assunto que havia sido notícia nos dias anteriores: o incêndio no Museu Nacional, no Rio de Janeiro. As notícias sobre o incêndio, a destruição, as consequências e responsabilidades foram reduzidas para dar lugar ao atentado em Juiz de Fora.

A capa da revista Veja, que estaria reservada ao museu, sabe-se lá com que conclusões e critérios de culpabilidade (para usar um trocadilho com os critérios do jornalismo para dizer o que é notícia), foi destinada a Jair Bolsonaro. E das primeiras notícias falando que “Bolsonaro leva facada durante ato de campanha em Juiz de Fora” até detalhes da cirurgia e da recuperação, a disputa de informações, versões, interpretações e verdades correu a internet, do jornalismo às páginas pessoais.

O que impressionou foi perceber que o atual ambiente das fake news reduziu o dano de que o atentado criasse imediatamente um herói e revelou mais uma vez que as notícias fake têm no DNA a possibilidade de todo mundo virar produtor de conteúdo mas também ser, em parte, resultado do que foi feito do jornalismo das últimas duas décadas.

Neste episódio, o jornalismo foi mais uma vez quase todo agendado. Em parte por instituições como hospitais, partidos e polícia, e também e sobretudo pelas redes sociais. A exceção foi uma produção da página da revista Piauí, que produziu uma reportagem sobre a vida do candidato ter sido salva pelo SUS 367 reais, preço pago ao cirurgião vascular que realizou o primeiro procedimento de contenção da hemorragia e da lesão numa veia do intestino. “Antes do Einstein veio o SUS. Antes dos médicos de grife vieram os que recebem pela tabela do Sistema Único de Saúde. Foram eles que salvaram a vida de um Jair Bolsonaro esfaqueado e exangue. Esta é a história de um deles”. Não se tratava de um furo de reportagem ou de hardnews, já que da facada todos já sabiam pelas redes sociais, mas foi uma pauta que tirou minimamente o jornalismo do caminho fácil do agendamento das redes e das instituições policiais e hospitalares e ainda imprimiu uma crítica aos que, incluindo o presidenciável, fazem críticas permanentes a tudo que é público e coro no apoio ao corte de investimento na saúde. De quebra o jornal ainda confirmava de alguma forma a veracidade do atentado, que foi o segundo assunto mais importante deste episódio depois da própria notícia do incidente.

As dúvidas sobre o atentado, inclusive a veracidade do fato, ocupou as redes e chegou ao jornalismo principalmente nas primeiras 24 horas posteriores ao evento. Diversos vídeos do momento da ação, ocorrida durante ato de campanha em Minas, registraram o momento do golpe, oferecendo diferentes ângulos de análises para os investigadores de plantão, ou seja, todos nós que acessamos as redes naquele dia.

Facebook, Twitter e Whatsapp bombaram com perguntas e produções em texto, vídeo e fotos para confirmar ou duvidar do acontecimento, conforme novas evidências, perguntas e a vontade do usuário. No final do dia 7 de setembro, o site em português do jornal El País avalia que a “dúvida sobre a veracidade do ataque a Bolsonaro movimenta as redes sociais”. Em menos de 24 horas, diz o site, a facada a Bolsonaro passou a ser o evento brasileiro de maior repercussão no Twitter desde a eleições de 2014. Citando a Fundação Getúlio Vargas (FGV), a matéria avisa que “as referências ao crime tiveram 3,2 milhões de menções na rede social das 16h de quinta-feira até as 10h desta sexta”.

As fake news têm abalado a credibilidade das produções de informação de conteúdo a ponto das pessoas não saberem mais dizer o que de fato é mentira deliberada ou não, o que é manipulação, o que é falta de apuração ou má fé. Em parte, além da propagação de mentiras por desejo de causar determinado efeito na opinião pública, a estrutura seguida pelo jornalismo nas últimas três décadas contribuíram para o ambiente das fake, produzindo um jornalismo morno, fingidamente objetivo, com formato restrito de um quase formulário a ser preenchido, com privilégio para fontes oficiais e declarações e não para as histórias das pessoas. Esta é a parte ruim da história, que culpabiliza tanto os mau intencionados quando os preguiçosos.

Mas neste acontecimento envolvendo o presidenciável, este clima de fake e de desconfiança acabou dando um tom diferente ao que se produziu de conteúdo nas horas que sucederam ao ataque, inclusive impedindo que, imediatamente, o atentado alçasse Bolsonaro a um patamar além do que já indicam as pesquisas ou à condição de “mito”, como quer sua campanha. Ao contrário. O que mais se viu, seguindo este ambiente da mentira deliberada que segue o clima de polarização e o ambiente das fake news, foi gente duvidando do ataque. Era a fake news prestando um serviço desta vez.

As próprias declarações da campanha de Bolsonaro iniciaram minimizando o incidente, num claro objetivo de reduzir a fragilidade da segurança do candidato e temendo pela ideia de que a candidatura era inviável em função do quadro de saúde dele. Rapidamente esta avaliação mudou, tweets foram apagados, mensagens foram reescritas para passar a ideia de que Bolsonaro era um sobrevivente e que tinha escapado por pouco de morrer.

As redes, naquele momento, não perdoaram. E passaram a produzir sua avalanche de questionamentos e reduzindo o efeito de identificação com a vítima. Ou pelo menos não comprando a história que a estratégia da candidatura queria construir. Posteriormente ainda é difícil dizer o impacto de empatia e de identificação dos eleitores, que acompanham o desenvolvimento do caso e trocam a fake news por informações oriundas do hospital que passou a atender o candidato em São Paulo. A humanização do fato e do candidato são outros fatores que ainda estão sendo produzidos e que precisam ser analisados. Me detenho mais nas primeiras horas e dias que seguiram a partir do ataque.

A produção e a disseminação de imagens foram também um capítulo especial na geração de significados neste episódio. Começando pelos vídeos que testemunham o momento da facada, francamente contestada pelas redes, e passando pelas fotos da realização de procedimentos médicos e do estado de saúde de Bolsonaro dentro do hospital. A maioria delas surgiu nas redes sociais para depois ser publicada por veículos de comunicação. E muitas delas não teriam sido publicadas originalmente em produções jornalísticas por não atenderam a critérios de noticiabilidade ou éticos ou por uma questão de falta de acesso dos jornalistas ao local.

A primeira a circular nos grupos de Whatsapp foi a de Bolsonaro sendo atendido já no hospital por uma equipe de médicos, com os braços abertos e sem camisa. Surgiram questionamentos sobre os médicos não estarem usando luvas e sobre a falta de sangue mais uma vez. Veículos de comunicação não tinham publicado a imagem até que as redes compartilharam a exaustão e ofereceram a oportunidade aos jornais. Virou manchete o compartilhamento da imagem nas redes. Assim como circularam em redes de apoiadores, Bolsonaro no leito do hospital com sonda nasal e até o corte da cirurgia que teria ido do esterno até a base da barriga, incluindo a colocação temporária de uma bolsa de colostomia.

A dúvida da ocorrência do atentado foi substituída pela dúvida a respeito da seriedade do candidato em lidar com o ocorrido. Ainda no quarto do hospital, instalado numa cadeira de recuperação que o livrou momentaneamente do leito e agiliza o pós-operatório, Bolsonaro tira foto fazendo o mesmo gesto como se seus indicadores fossem revólveres. Essa imagem disparou o gatilho das piadas e críticas que davam trégua mas que julgaram que, se ele pode fazer piada com a sua situação estão liberados os memes ou se manteve a mesma postura de intolerância depois de ser atacado.

No ambiente das fake news, a imprensa foi a reboque sendo agendada, publicando cenas que originalmente nem teria acesso ou iria querer publicar. Mas o maldito ambiente fake news, desta vez, segurou as expectativas do concorrente em faturar eleitoralmente de imediato com o ocorrido e deixou as pessoas pensando sobre a possível vitimização do presidencial.

A disputa de significados continua. A empatia pode crescer sobre uma pessoa enferma e que não poderá ir aos debates agendados na televisão, onde pode expor suas ideias e fragilidades sobre temas como economia. De outro lado, estratégias de campanha se aproveitando do ambiente produzido das fake news como a recriação da camiseta que Bolsonaro vestia no momento do ataque, que vai aparecer nas propagandas do candidato com um rasgo e marcas de sangue na palavra Brasil que compõe a frase “meu partido é o Brasil”.

A campanha lançou a imagem e apenas assumiu depois de questionamentos que era uma “recriação” da camiseta original que teria sido rasgada durante o atendimento de emergência. Ou seja, era fake. Portanto a disputa é permanente em quem agenda significados.

O jornalismo tem um papel fundamental nessa peneira, desde que saia minimamente deste agendamento, que o coloca a reboque das redes se tornando raso e sem novidades. E na disputa direta entre internautas, nem toda fake tem se dado bem sobrevivendo no próprio ambiente que ajudou a criar.

Já surgem também reportagens que revelam a produção de imagens da recuperação de Bolsonaro como estratégia eleitoral, como exagero, criticado inclusive por parte da campanha do candidato. Até o dia 7 de outubro saberemos o quanto e de qual forma influenciou o eleitorado e também o quanto isso tem a ver com a produção e o compartilhamento de informação e conteúdo, tanto pelo jornalismo quanto por usuários e instituições.

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*Vanessa Pedro é jornalista, professora de Jornalismo na Unisul e pesquisadora do objETHOS

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