Existem algumas semelhanças e várias diferenças entre as eleições de 1989 e 2018. Agora não se trata tanto de construir a jovem democracia como era há 30 anos, mas de defender os seus escombros
Aldo Fornazieri, Jornal GGN
O jogo eleitoral está ainda sendo jogado e sempre podem surgir acontecimentos, imprevistos e realinhamentos de eleitores passiveis de contrariar as tendências indicadas pelas pesquisas. Mas, se nada disso acontecer, ocorrerá um segundo turno entre Bolsonaro e Haddad ou Haddad e Bolsonaro, conforme o eleitorado definir a posição de cada um deles. É verdade que a passagem de Bolsonaro para o segundo turno chega a ser surpreendente, mas ela não é ilógica.
Existem vários fatores que determinam ou orientam as motivações de voto dos eleitores tais como liderança, estruturas materiais de campanha, programas e propostas, força dos partidos, tempo de TV, perfil dos candidatos, suas capacidades persuasivas, a forma e o conteúdo das campanhas, carisma, fé, fascínio, ódio, paixão, repulsa, simpatia etc. As motivações são racionais e irracionais e o grau dessas duas determinações varia segundo das circunstâncias e a conjuntura de cada eleição. As atuais eleições, se as tendências das pesquisas se confirmarem, provam, mais uma vez, que o tempo de TV e o apoio da grande mídia não são determinantes por si sós.
Em que pese essa miscelânea de fatores, existe um fator que tem um peso geral para definir os candidatos que passam para o segundo turno e… o vencedor. Claro que esse fator, como regra geral, também tem suas exceções. Trata-se da natureza da conjuntura. Isto é: tomando-se como ponto de referência o governo existente e a realidade social e econômica, genericamente, as conjunturas eleitorais ou são de continuidade (conservação) ou de mudança. Normalmente, as eleições tendem a se polarizar entre um candidato que representa a continuidade e outro que representa a mudança. Se a conjuntura é de continuidade – o governante é bem avaliado e existe uma satisfação com a situação social e econômica – o candidato que representa essa continuidade tende a vencer. Foi o que aconteceu com a reeleição de Lula em 2006 e com a eleição de Dilma em 2010. Sua reeleição em 2014 foi uma exceção à regra.
Se a conjuntura é de mudança, o candidato da continuidade tende a ser derrotado por aquele que encarna uma nova perspectiva. Foi o que aconteceu entre Lula e Serra em 2002, entre Haddad e Serra em 2012, só para ficar em dois exemplos. Mas existem determinadas conjunturas singulares que se constituem em situações críticas, de crise prolongada, o que suscita um descontentamento generalizado com o governante e com o status quo da situação social e econômica. As conjunturas de 1989 e de 2018 têm essa característica: o descontentamento generalizado. Nessas conjunturas, os candidatos que mais se identificam com a continuidade tendem a ser deslocados por candidatos que representam a mudança, mas sempre em posições polares. Foi isto que se viu em 1989, com Collor e Lula e é isto que está se vendo em 2018, com Bolsonaro e Haddad. É por isso que Alckmin tende a sobrar. Embora Ciro seja um candidato identificado com a mudança, Haddad a representa de forma mais nítida.
Existem algumas semelhanças e várias diferenças entre 1989 e 2018. O mal estar social e a repulsa aos presidentes Sarney, então, e Temer, hoje, são assemelhados. Naquela época, além do desemprego e da dramaticidade social, existia a hiperinflação. O medo acerca do que poderia representar a vitória de Lula foi muito explorado. Hoje o medo funciona em escala menor, pois Haddad não é Lula e Lula e Haddad já viveram experiência de governo e não comeram criancinhas e nem tomaram as casas dos ricos. Mas o que funciona hoje é o ódio e o antipetismo.
Fernando Collor representava a energia da juventude e a ideia de modernização, o caçador dos marajás, o inimigo dos privilégios, o redentor dos descamisados. Lula, também jovem, representava a esperança da justiça social, a inclusão dos pobres e dos trabalhadores, a ética na política, o sonho vívido de um Brasil melhor. Bolsonaro não é igual a Collor. A sua ideia de mudança não é modernizadora, mas conservadora, anti-sistêmica, autoritária, a encarnação do ressentimento e do ódio às camadas subalternas, a recusa de direitos sociais e civis, tudo isso com um aceno confuso de liberdade econômica e de mercado, entendida pela elites como liberdade de explorar e de negar direitos.
Haddad não representa o frescor daquela esperança de 1989, mas a ideia de uma reconecção, um religamento com uma experiência de bem estar e de inclusão que foi interrompida ilegalmente pelo golpe. É mais algo que representa a recuperação do que foi perdido do que uma ideia luminosa de futuro, um sonho libertador, uma terra prometida. Lula era quase pura emoção; Haddad é quase pura razão. É verdade que a modernização de Collor se frustrou pelos seus descaminhos e que a esperança de Lula só se tornou efetiva treze anos depois. Mas 1989 parecia ter mais potência do que 2018. Sim, claro, era também a primeira eleição presidencial direta após a ditadura e isto significava muito
Já, as eleições de 2018 são marcadas por várias negatividades: a sensação e/ou a certeza de que a democracia fracassou, de que a Constituição foi rasgada pelos seus guardiões, de que existe um autoritarismo contra direitos na sociedade e de que tudo pode piorar. As manifestações antidemocráticas e autoritárias da candidatura de Bolsonaro são expressões disso. Agora não se trata tanto de construir a jovem democracia como era em 1989, mas de defender os seus escombros. Aquela eleição era uma espécie de adeus definitivo à presença dos militares na política. Agora, vive-se o fantasma do seu retorno, mesmo que seja através de eleições. Nesses momento críticos, os eleitores tendem a escolher aquela mudança mais conservadora. Isto deveria servir de alerta para a campanha de Haddad num eventual segundo turno.
Independentemente do resultados das eleições, as esquerdas, os democratas, os progressistas e os movimentos sociais precisarão fazer um exame contundente para examinar onde erraram, pois é preciso aprender com os erros para evitar um novo ciclo de fracassos. O erro maior parece ter consistido em não construir uma ampla e sólida rede de trincheiras e casamatas capaz de sustentar os avanços da democracia e as conquistas sociais. A derrota pelo golpe, as reformas de Temer e a prisão e interdição de Lula mostraram que a força das esquerdas e dos progressistas não está assentada sobre sólidas estruturas graníticas, mas sobre frágeis paliçadas de madeira. Elas ruíram com ventos nem tão fortes soprados no Congresso e nos tribunais. Ou o problema da força organizada terá que ser resolvido ou novas derrotas se transmutarão em lamentos inúteis num futuro próximo. (Tendência de vitória conservadora)
Leia também:
O que dizem as pesquisas eleitorais divulgadas 60 dias antes das eleições presidenciais
Há 30 anos, mídia acusava Lula de ser dono de mansão no Morumbi
Golpistas de hoje são os mesmos que patrocinaram a ditadura e ajudaram Collor
Luciana Genro ironiza ‘mea-culpa’ do Jornal Nacional sobre debate Collor x Lula
Especial: 25 anos das eleições de 1989
Após 22 anos, Boni admite que Globo armou contra Lula para eleger Collor
*Aldo Fornazierié Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).
Acompanhe Pragmatismo Político no Twitter e no Facebook