Há uma tentativa dos aliados de Jair Bolsonaro de partidarizar o ataque que lhe foi desferido por Adélio Bispo de Souza. Aos poucos, porém, para descontentamento dos seguidores do candidato, a versão do agressor vai sendo confirmada pela investigação da Polícia Federal.
Há uma tentativa por parte dos aliados de Jair Bolsonaro, candidato à presidência pelo PSL, de partidarizar o ataque que lhe foi desferido em Juiz de Fora, na quinta-feira (06/09), por Adélio Bispo de Oliveira, de 40 anos, desempregado e provavelmente portador de algum desequilíbrio mental. Aos poucos, porém, para descontentamento dos seguidores do capitão do Exército/candidato, a versão do agressor confesso, de que agiu sozinho, por livre e espontânea iniciativa, vai sendo confirmadas pela investigação da Polícia Federal.
Na expectativa de usar o atentado contra seus adversários políticos, de tudo houve um pouco. O companheiro de chapa de Bolsonaro, General Hamilton Mourão, responsabilizou os petistas. A advogada Janaína Paschoal e o senador Magno Malta (PR-ES) usaram a imagem de um comício de Lula, em uma foto montagem no Twitter. Nela, de forma grotesca, inseriram o rosto de Adélio sobre outro rosto na expectativa de colarem não o rosto, mas o personagem ao candidato petista. Isto lhes gerou um processo ajuizado pelo PT junto ao Supremo Tribunal Federal.
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Em Juiz de Fora, tentam envolver uma sindicalista e dirigente do PT, no ato em que Bolsonaro foi atacado, para mais uma vez linkarem o agressor à legenda. A resposta do partido surgiu em nota oficial na noite de domingo (09/09), onde consta:
“É lamentável que a tola busca por culpados insista infantilmente na tese da participação do PT no ocorrido, o que, já está mais do que óbvio, não faz sentido. L… é vítima de uma mentalidade violenta, doentia, que despreza a inteligência e enfatiza a raiva. Mentalidade que precisamos combater e derrotar – mas no plano das ideias, no plano da democracia, como é a tradição do PT”.
Trata-se de um jogo baixo e sujo, em cima de um atentado que foi repudiado por todos os candidatos. Se é previsível que Bolsonaro se apresente como vítima, como realmente foi, ao mesmo tempo é lamentável que se tente enxertar na agressão adversários no pleito, independentemente de prova que sustente a tese.
Sem falar do oportunismo eleitoral do filho do capitão/candidato, o deputado estadual Flavio Bolsonaro, que disputa no Rio uma vaga ao Senado. Ele simplesmente criou uma “camiseta fake”, imitando a que o pai usava ao ser atingido. Uma criação tosca, na qual o rasgo foi feito em lugar errado e, ao contrário da que o pai vestia, aparece com mancha de sangue. Serviu para abrir um vídeo do PSL e quem sabem impressionar mais os eleitores, mesmo ferindo a verdade.
Distúrbios e politização
Nas redes sociais, paralelamente, espalharam a versão de que o Bispo de Oliveira, réu confesso, teria recebido pagamento de R$ 350 mil, através de um depósito bancário, descoberto pela Polícia Federal. Serviu como “comprovação” de um atentado encomendado. Esquecem que para serviços como estes jamais são feitos pagamentos por via bancária, que deixam rastros. Na realidade, na ânsia de se politizar o gesto tresloucado de um cidadão com sintomas de distúrbios psicológicos, transformaram R$ 3.500 de saldo em depósito de R$ 350 mil.
O difícil de se acreditar, em especial pelos bolsonaristas, é que mesmo sem nenhuma formação universitária e deixando transparecer sinais de desequilíbrio – “quem mandou foi o Deus aqui em cima”, expôs na polícia ao ser questionado sobre um possível comparsa ou chefe no atentado – esse mineiro de Montes Claros, que segundo familiares se trancava no quarto e dialogava sozinho, tem um lado altamente politizado, a ponto de impressionar seus próprios defensores.
Como atestam seus advogados, ele diz ser autor de projetos de lei que expôs na sua página do Facebook. Um deles, prevendo a eleição de ministros dos tribunais superiores, diz que Bolsonaro copiou para apresentá-lo no Congresso como se fosse ideia do próprio parlamentar.
A mistura do distúrbio com sua politização transparece no trecho de depoimento que a juíza Patrícia Alencar Teixeira de Carvalho transcreveu no Termo de Audiência de Custódia, realizado em 7 de setembro. Ao transformar a prisão em flagrante em prisão preventiva e decidir, para a segurança do mesmo, isolá-lo no presídio federal de Campo Grande (MS), a magistrada reproduziu parte das explicações de Bispo de Oliveirsa: à Polícia Federal:
“Que perguntado sobre a motivação religiosa, esclarece que recebeu uma ordem de Deus para tirar a vida de BOLSONARO, haja vista que, embora ele se apresente como evangélico, na verdade não é nada disso; Que questionado sobre a motivação política, informa que o interrogado defende a ideologia de esquerda, enquanto o Candidato Jair Bolsonaro defende ideologia diametralmente oposta, ou seja, de extrema direita; Que se considera um autor da esquerda moderada; Que BOLSONARO, defende o extermínio de homossexuais, negros, pobres e índios, situação que discorda radicalmente ( ….) Que declara que não foi contratado por ninguém para atentar contra a vida do Candidato; Que não recebeu o auxílio de ninguém para o intento criminoso (…)”
Salvo por um desconhecido
Este detalhe desmente Flávio Bolsonaro. No sábado, na internet, ao rejeitar a fama de violentos impingida aos seguidores de seu pai, alegou: “A gente nunca agiu de violência com ninguém. Sempre discutimos no campo das ideias. Se fossemos violentos esses marginais não sairiam com vida daquela multidão. Não sairiam ilesos”.
Como sempre ocorre nesses momentos, sem que qualquer liderança consiga deter, a violência contra o agressor foi imediata. As consequências só não foram piores por Adélio ter sido isolado. Mas, ileso, ele não saiu. Tanto que, no dia seguinte, queixou-se diante da juíza Patrícia que fez constar do Termo da Audiência: “Tendo em vista que o custodiado reclamou de dores no corpo durante sua oitiva, determino que passe por atendimento médico junto ao CERESP (Centro de Remanejamento do Sistema Prisional), antes de sua transferência ao presídio federal”.
Em busca de mais envolvidos
A prisão em flagrante e a própria confissão do réu de que agiu por conta própria, solitariamente, aparentemente deveriam encerrar o caso. Mas não é o que acontece. Alimentado principalmente pelos adeptos de Bolsonaro – mas não só por eles – surgem questionamentos e as chamadas teorias conspiratória. Assim como muitos oposicionistas ao agredido colocam em dúvida a extensão do atentado, seus correligionários suspeitam, ou apenas desejam, derrubar a tese do ato solitário.
Um deles é o líder do PSL na Câmara Federal, deputado Fernando Francischini, delegado de Polícia Federal licenciado. Foi quem acompanhou os procedimentos policiais. Após a audiência de custódia, na sexta-feira (07/09), na Justiça Federal, revelou:
“Nos chama atenção – e registro que é um direito de defesa ter advogados – mas alguém, com situação de pobreza como a gente viu, ter quatro advogados e não ter a defensoria pública acompanhando? Só aí eu deixo para vocês entenderem como há indícios de que não é um “lobo solitário”, sem estrutura financeira nenhuma”. (sic)
É o suficiente para que ele defendesse a continuidade das investigações de forma a verificar “se houve auxilio, apoio, se houve mandantes, como ocorreu?”. Outro que admitia mais envolvimentos foi o advogado Robson de Souza Feijó, membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB local. Sem qualquer ligação com o caso, esteve na Justiça Federal em pleno feriado, mas não lhe deixaram entrar por não atuar no processo.
Na porta do prédio revelou aos jornalistas que em filmagens captadas pelas câmeras de vigilância da cidade, policiais civis da Delegacia de Homicídios identificaram pessoas com atuação política nas redes sociais. Não deu nomes nem apontou ninguém. Retransmitiu uma versão que já circulava, inclusive na chamada mídia tradicional, da suposta participação de uma mulher que, nos relatos que se espalharam, poderia ter repassando o facão para o agressor. No sábado, sempre extraoficialmente, a mulher tornou-se a sindicalista/petista.
Já não como boato, noticiou-se a possível participação de um segundo homem que, inclusive, também teria apanhado. Ele chegou a ser ouvido pela Polícia Federal e liberado, por inexistir prova de sua ligação com o atentado. Ao que parece, a Polícia Federal, sem descarta-las não leva fé na hipótese de mais participantes.
A confissão do acusado – de ter agido atacado Bolsonaro pelos seus discursos raivosos contra negros, como ele – tem sido corroborada nas investigações. Segundo os advogados, a polícia teria confirmado que Bispo de Oliveira chegou à cidade por volta de 20 de agosto em busca de emprego.
Ao se hospedar em uma casa transformada em pensão no centro de Juiz de Fora, pagou em torno de R$ 400,00 que lhe garantiria um dos mais de dez quartos existentes e usados por rapazes e homens, até dia 20 de setembro. Nesses quinze dias anteriores à sua prisão, ele teria alguns bicos como garçom e pedreiro. Também distribuiu currículo e, pelo seu relato, fez ao menos uma entrevista na busca por uma colocação no mercado.
Já a visita do candidato do PSL a Juiz de Fora, inicialmente prevista para julho, só foi confirmada e anunciada pelo jornal Tribuna de Minas em 3 de setembro – Bolsonaro visita Juiz de Fora na véspera do feriado. Ou seja, três dias antes dela ocorrer e treze dias após Adélio alojar-se na pensão. Nos fakes divulgados, falou-se até que ele estaria seguindo os passos do candidato.
R$ 3.500 viraram R$ 350 mil
Na busca e apreensão realizada no quarto que Adélio ocupava, além de dois celulares (ao que parece, em desuso) e um laptop, a polícia encontrou um extrato bancário. Nele, segundo informações passadas ao advogado Possa pelos próprios policiais, o saldo seria de aproximadamente R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais). O preso explicou aos defensores que tinha dinheiro resultante de indenizações trabalhistas.
Provavelmente foi com base nesse extrato que surgiu nas redes sociais o fake de que na conta do agressor existia um depósito de R$ 350 mil, o que comprovaria o pagamento pelo atentado. Além da diferença no valor, há desencontro de datas.
Entre 26 de janeiro e 11 de outubro de 2016, ele trabalhou como pedreiro no Balneário de Camboriú (SC) para a F J A – Construtora, de propriedade de Waldir de Almeida, em uma incorporação da GAMM Empreendimentos Ltda.. Provavelmente ajudou a erguer o Roma Residence, único lançamento da GAMM no balneário nos últimos anos – outros dois estão em construção. Pelo serviço, recebia o equivalente a R$ 1.200,00 mensais, sem carteira assinada. Ao ser demitido, não teve direito às indenizações trabalhistas determinadas pela lei. Por isso, em janeiro de 2017, já de volta a Montes Claros (MG), sua cidade natal, ingressou com uma Reclamação Trabalhista (0010203-72.2017.5.03.0145) distribuída à 3ª Vara do Trabalho de Montes Claros.
A sentença do juiz Sérgio Silveira Mourão (leia aqui), em 4 de setembro de 2017, embora não tenha lhe concedido a indenização por dano moral solicitada, reconheceu seus direitos e determinou o pagamento de horas extras excedentes à 8ª hora diária e 44ª semanal, com reflexo delas nas férias, 13º salário e indenização pela demissão; auxílio alimentação; saldo dos 11 dias trabalhados em outubro; aviso prévio indenizado; 13º salário e férias (com o terço constitucional) proporcionais aos nove meses trabalhados e multas.
A construtora não compareceu no processo e foi condenada à revelia. Já a incorporadora GAMM apresentou-se na audiência em setembro e fechou um acordo, indenizando-o em R$ 6 mil, depositados na conta dos advogados que o defenderam. Deste valor, deduzindo-se os honorários advocatícios, sobraram para Adélio R$ 4.200. Adélio ainda tem um saldo a seu favor de R$ 12.852,31, que a Justiça do Trabalho tenta bloquear nas contas bancárias da F J A – Construtora e de seu proprietário, Waldir de Almeida.
No entendimento de seus defensores, tudo isso simplesmente corrobora a confissão de Adélio de que agiu por iniciativa própria, motivado pelo discurso de ódio de Bolsonaro contra negros, índios e quilombolas. Adélio se considera negro.
Um financiador misterioso
Verdade que o principal discurso do candidato que defende ideias tipicamente fascistas foi em 3 de abril de 2017, na Hebraica, no Rio de Janeiro. Mas as mesmas teses ali expostas e que geraram diversos protestos têm sido repetidas com constância. Como aconteceu em sua participação no programa Roda Viva, da TV Cultura, no final de julho. Sem falar que seu candidato a vice, o general Hamilton Mourão, em agosto corroborou o discurso de ódio d companheiro de farda e, agora, de chapa, dizendo que o Brasil herdou a “indolência” dos indígenas e a “malandragem” dos africanos.
Na medida em que as informações dada pelo agressor confesso vão se confirmando e a polícia, ao que tudo indica, acredita cada vez menos na participação de terceiros no atentado, resta a dúvida em torno do financiamento à defesa do réu pelos advogados Possa e Marcelo Manoel da Costa, de Barbacena (MG); Zanone Manuel de Oliveira Júnior, de Contagem (MG); e Fernando Costa Oliveira Magalhães, de Lagoa Santa (MG).
São bons criminalistas, portanto, com honorários elevados. Em especial Oliveira Jr., que viaja por Minas pilotando seu próprio avião, que atuou na defesa de acusados das mortes de Eliza Samudio, ex-namorada do goleiro Bruno, em Minas, assim como da missionária Dorothy Stang, no Pará.
Eles insistem que desconhecem o interesse do morador de Montes Claros que conheceu Adélio através da igreja Testemunha de Jeová e os procurou. Falam na possibilidade de filantropia. “Não sabemos ao certo o que o motivou, só sabemos que foi alguém interessado em ajuda-lo por tê-lo conhecido na igreja”, diz Oliveira Jr.
O contrato foi apenas para a fase inicial, ou seja, o inquérito policial. Não o processo todo. A quantia paga, em dinheiro para não haver identificação do contratante, é até considerada baixa pelos defensores. Mas não revelam o valor exato.
Diante da própria confissão do agressor, à defesa, aparentemente, não resta muitas alternativas. Indiciado pela velha Lei de Segurança Nacional – por agressão motivada “por inconformismo político” – os advogados apelarão para atenuantes que possibilitem reduzir a pena, que inicialmente pode ser de reclusão de três a 10 anos.
A primeira atenuante é a própria confissão do réu. A segunda, será da sua possível perturbação psicológica. Para isso, nesta segunda-feira, quando finalmente o processo for distribuído a uma Vara Criminal Federal de Juiz de Fora, eles ingressarão com um pedido de Sanidade Mental. Acatado, o agressor será submetido a uma junta médica que definirá suas possibilidades de responder pelo crime cometido.
A terceira atenuante, porém, será a mais polêmica. A defesa irá alegar que o próprio discurso de ódio do agredido impulsionou a agressão, uma vez que Adélio se sentiu atingido pelos despropérios que Bolsonaro prega. Obviamente que em uma democracia a contrariedade não pode ser manifestada pela violência. Logo, o que o quarteto da defesa se propõe fazer nada mais é do que a velha tese – que em alguns processos criminais foi até bem-sucedida – de que a culpa é da vítima.
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