Eleições 2018

A facada mortal que não criou nem assassinou eleitores

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A crise política brasileira começou quando Aécio se recusou a aceitar a derrota para Dilma. Ela piorou e evoluiu para uma crise econômica em razão de medidas equivocadas que foram tomadas pelo governo. Os arquitetos do golpe de 2016 diziam que era só derrubar o PT que a economia melhoraria

Fábio de Oliveira Ribeiro, Jornal GGN

Não, não vou tratar daquele assunto irrelevante que está sendo utilizado pelos irmãos Marinho para aumentar o tempo de exposição eleitoral do candidato deles e para impedir o povo brasileiro de discutir política. A facada mortal a que me refiro é aquela que foi desferida na classe C, considerada por alguns a classe média que emergiu durante os governos Lula e Dilma Rousseff.

O surgimento e a destruição desta nova classe média foi objeto do estudo de caso feito por Laura Carvalho. A opção de uma parcela do empresariado e dos donos de empresas de comunicação pelo candidato que assegurou que fará o mesmo que Michel Temer, só que mais rápido, indicam que o Brasil pode mergulhar de vez numa crise mais grave parecida com a que está ocorrendo na Argentina.

A opção irrefletida pelo neoliberalismo (privatizações) e pela austeridade (cortes nos investimentos sociais e nas obras de infraestrutura) já provocaram uma onda de saques em nosso vizinho. Em nosso país o desemprego crescente ainda não produziu algo semelhante, mas a redução da participação dos salários no PIB (provocada inclusive pela reforma trabalhista) afetou de maneira negativa tanto o comércio e a indústria quanto a arrecadação fiscal.

A autora de “Valsa brasileira” identificou de maneira precisa a origem da tragédia brasileira quando disse que a crise e seu aprofundamento “...não parece ter sido suficiente para convencer boa parte da elite econômica do país de que a democracia e a inclusão social rendem bons frutos.” (Valsa brasileira – do boom ao caos econômico, Laura Carvalho, editora Todavia, São Paulo, 2018, p. 150).

Enquanto o Brasil não for resgatado dos seus captores (ou seja, da FIESP e dos patos que ela colocou na rua e no poder) o caminho para o crescimento econômico continuará interditado. O que ocorreu e está ocorrendo deve servir de lição para os sindicalistas da CUT e da Força Sindical que cometeram o erro de apoiar a agenda da FIESP em maio de 2011. Eles foram vítimas de um “boa noite cinderela” para que o Brasil inteiro fosse levado a se tornar vítima de uma armadilha terrível. Essa armadilha também foi mencionada por Laura Carvalho:

“…sem uma revisão da PEC do teto de gastos, é seguro afirmar que os investimentos públicos em infraestrutura não atuarão como motor de crescimento na próxima década. A progressiva extinção dos mecanismos de financiamento de longo prazo a juros subsidiados também deve dificultar que o setor privado assuma esse papel. Para evitar outra década perdida, não basta parar de cavar o fundo do poço. É preciso parar de destruir as cordas que nos permitem sair dele.” (Valsa brasileira – do boom ao caos econômico, Laura Carvalho, editora Todavia, São Paulo, 2018, p. 147)”

A crise política brasileira começou quando Aécio Neves se recusou a aceitar a derrota para Dilma Rousseff. Ela piorou e evoluiu para uma crise econômica em razão das medidas equivocadas que foram tomadas pelo governo com apoio dos sindicalistas (adoção da agenda da FIESP e nomeação de Joaquim Levy).

Os arquitetos do golpe jurídico-parlamentar-midiático de 2016 diziam que era só derrubar o PT que a economia melhoraria. Ledo engano. A adoção do programa econômico neoliberal por Michel Temer apenas aumentou o desemprego e piorou a situação política do Brasil. O conteúdo nacional na cadeia petrolífera foi banido, vários poços de petróleo foram entregues aos estrangeiros a preço de banana e os lucros da exploração do pré-sal foram privatizados, mas nenhum boom de investimentos novos ocorreu em no Brasil.

De fato, nosso país ficou desgovernado à medida que a Ponte para o Futuro se revelou uma pinguela para o passado. Portanto, é justamente lá (no passado) que devemos procurar exemplos para entender o que está ocorrendo. Ao estudar a gênese do populismo nos anos 1930 e 1940, Francisco Weffort disse que

A importância dos grupos oligárquicos se explica, por outro lado, pelo fracasso relativo dos novos grupos econômicos emergentes em introduzir mudanças nas orientações fundamentais do processo de produção. Se as classes médias fracassaram no plano político pelo fato de sua dependência social frente às estruturas da grande propriedade, os grupos empresariais vinculados com a indústria nunca conseguiram fazer da economia industrial, apesar de sua crescente importância a partir dos anos 1930, o centro decisivo da atividade econômica.” (O populismo na política brasileira, Francisco Weffort, Paz e Terra, 3a. Edição, Rio de Janeiro, 1986, p. 119)

A tragédia econômica brasileira do princípio do século XX está sendo repetida como farsa processual e midiática no princípio do século seguinte.

O crescimento acelerado durante o milagrinho dos anos Lula/Dilma pode ser atribuído, em parte, ao sucesso da exploração do pré-sal. Os novos recursos obtidos com o petróleo irrigaram a economia brasileira como um todo e provocaram um boom na indústria naval que se espalhou por todas as cadeias econômicas ligadas de alguma maneira à produção de navios e plataformas de petróleo. A política de preços dos combustíveis praticada pelo PT garantiu estabilidade e preços moderados no transporte de mercadorias dentro do Brasil.

A destruição dos estaleiros pela Lava Jato pode ser considerada, portanto, a primeira facada mortal que resultou na subsequente destruição da classe C. A nova política petrolífera e de preços dos combustíveis adotada pelos golpistas, que transferiram para estrangeiros uma parte considerável dos lucros do nosso petróleo, aumentou o custo dos transportes e produziu um duplo impacto negativo sobre a economia brasileiro.

Esfaqueada mortalmente pelos juízes a classe C foi para a UTI onde o governo se recusou a operar o paciente. Michel Temer e sua quadrilha de juízes e mafiosos preferiu salvar imperialismo financeiro zumbi dos olhos azuis. Os problemas que afligem os EUA, entretanto, não foram causados pelos brasileiros e sim pelos próprios norte-americanos. Eles quebraram o país deles e o mundo inteiro em 2008 e desde então tentam remendar um modelo econômico fracassado se recusando a admitir que o neoliberalismo morreu e foi substituído por um zumbi. Sobre esse assunto vide o livro de Varoufakis https://www.horia.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/varoufakis-e-a-vitoria-da-corrupcao-no-brasil-por-fabio-de-oliveira-ribeiro e https://www.horia.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/o-minotauro-global-e-o-satiro-frances-por-fabio-de-oliveira-ribeiro.

A crise brasileira, contudo, tem uma dinâmica própria. Vítimas do erro estratégico que cometeram ao apoiar a agenda da FIESP os sindicalistas foram incapazes de barrar a reforma trabalhista que agravou a crise econômica. A relação entre o PT e a CUT não foi abalada, mas a verdade é que ambos foram prejudicados pela facada na classe C num momento em que os votos dos miseráveis são avidamente disputados pela cadela do fascismo financeiro que se apresenta ao respeitável público com cinco cabeças (Geraldo Alckmin, Marina Silva, Meirelles, Amoedo e, é claro, Jair Bolsonaro).

Os dois únicos candidatos à presidência que rejeitam o neoliberalismo são Boulos e Haddad. Ciro Gomes flertou demais com a direita e, portanto, não pode ser considerado um candidato anti-neoliberal.

A eleição brasileira poderá ser decidida tanto pelos votos nulos quanto pelos votos dos desempregados. Como a mídia já escolheu um candidato e pode dar um espaço adicional de cobertura a ele em virtude do atentado que ele sofreu, os sindicatos terão um papel ainda mais importante nas próximas semanas. Convém, portanto, lembrar as palavras de Maria Célia Paoli no estudo que ela fez sobre os trabalhadores urbanos brasileiros na primeira metade do século XX:

O importante, nesse caso, é que não é a relação partido-sindicato (e muito menos sua retórica) que comanda a dinâmica dos movimentos, dirigindo-os correta ou incorretamente, mas partidos e sindicatos têm que entrar no universo da experiência de classe para poderem propor-se como dirigentes da luta. Quando eles o fizeram, foram ‘eficazes’, mas sobretudo enfrentando com sucesso e criatividade situações difíceis de repressão e adversas ao movimento; quando não acompanharam os trabalhadores na sua vida concreta e nas suas formas de luta propostas nas práticas reais do movimento, preferindo definir-se em relação à conjuntura político-institucional, esvaziaram sua força e influência, em alguns casos liquidando praticamente o movimento e as mobilizações. A história política das Minas de Morro Velho, em Minas Gerais, é exemplar deste último ponto.” (Cultura & Identidade Operária – aspectos da cultura da classe trabalhadora, coordenação José Sérgio Leite Lopes e outros, UFRJ- Museu Nacional-Editora Marco Zero, Rio de Janeiro, 1987, p. 94/95).

Lula foi eleitoralmente neutralizado. Isso era previsível. Não bastava aos juízes esfaquear a classe C, eles tinham necessariamente que destruir seu líder para que ela não pudesse ser recomposta. Haddad vai bem nas pesquisas, mas o resultado da eleição se tornou uma incógnita em razão de outra facada.

Nesse contesto, os Sindicatos terão que fazer um último esforço adicional e sobre humano para ajudar a derrotar o neoliberalismo. Todavia, eles não terão que organizar apenas os empregados. Os desempregados devem ser um objeto especial de atenção. Em situação econômica fragilizada eles são tanto presas fáceis do fundamentalismo religioso quanto mão de obra passível de ser recrutada pelos grupos de arruaceiros que podem estar sendo organizados para vingar o candidato esfaqueado.

Os votos dos novos pobres (ou seja, dos membros da classe C ferida mortalmente pelos juízes) estão dispersos. Depois que eles forem recolhidos nas urnas alterar o resultado ou corrigir o rumo do Brasil será um pouco mais difícil. Uma coisa, entretanto, me parece certa. Se o neoliberalismo vencer em pouco tempo os donos de supermercados pagarão a conta, pois o Brasil está mais perto da Argentina do que sonham os vãos jornalistas globais.

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