Indígenas se posicionam contra o fascismo na eleição de 2018
Pela primeira vez na história do Brasil, um candidato com propostas características do fascismo tem chances de chegar ao poder pelo voto democrático. É uma contradição assustadora: a democracia que prega o seu próprio fim
Felipe Milanez, CartaCapital
Estamos vivendo o período eleitoral mais turbulento na democracia. Pela primeira vez na história do Brasil, um candidato com propostas características do fascismo – como a militarização, autoritarismo, ideologia oficial, nacionalismo, culto da personalidade, e falas escancaradas de ódio às “minorias” – tem chances de chegar ao poder pelo voto democrático. É uma contradição assustadora: a democracia que prega o seu próprio fim.
Ao se autodestruírem, quererem, sobretudo, destruir o “outro”: negros, quilombolas, indígenas, LGBTTQI, comunistas, qualquer pessoa que possa ganhar o rotulo de “vagabundo”, “malandro”, “indolente”, e vir a ser executado pela polícia impunemente. É assustador como o futuro pode ser sombrio.
Resultado de um processo complexo de erosão do contrato social marcado pela hegemonia do neoliberalismo, do sacrifício da democracia em favor do capitalismo, o novo “fascismo social”, como classificou Boaventura de Sousa Santos, é marcado pelo apartheid social, um fascismo paraestatal e um fascismo da insegurança.
Os povos indígenas são umas das vítimas mais vulnerabilizadas desse processo emergente do fascismo social — que tem no agronegócio um de seus tratores de avanço. Um relatório do Conselho de Direitos Humanos classificou a situação dos povos indígenas que vivem no Sul do Brasil — justamente onde o candidato fascista tem forte apoio — de “contexto de apartheid”.
E é justamente nessas eleições em que o fascismo sai das cavernas que há 130 pessoas que se identificam como indígenas concorrendo a cargos no legislativo e no executivo. E é triste ver que, infelizmente, muitos desses candidatos indígenas estão do lado da direita, inclusive apoiando o fascismo que prega a destruição do índio e que não demarcará nem um centímetro de terras indígenas.
Não deveria surpreender — pois a homogeneização das sociedades é uma antiga fake news do colonialismo e do racismo. Mas segue a mesma contradição da classe trabalhadora que volta em quem defende a reforma trabalhista e o fim de todos os direitos sociais que sustenta suas próprias vidas. Um problema grave de consciência de classe.
Essas pessoas indígenas no palanque do candidato fascista, segundo o candidato do PSOL a deputado federal no Acre, Francisco Piyãko, “defendem seus próprios interesses”. E, segundo ele, não os interesses dos povos indígenas.
Diz Piyãnko: “Do mesmo jeito que tem indígenas que estão muito firmemente lutando pela sua origem e sua historia, que viveram processos de lutas, tem aqueles que não participam desse processo, que não viveram a luta, e estão usando a imagem indígena como negócio. Principalmente na política. Estão pousando para palanques de adversários recebendo alguma coisa em troco. Não é que eles representem os interesses indígenas, eles estão representando são os interesses deles, seus próprios interesses. São pessoas que estão vivendo seus próprios negócios.”
Sua companheira de partido e candidata à co-presidência com Guilherme Boulos pelo PSOL, Sonia Guajajara, tem sido enfática em seus discursos ao defender que a luta indígena não é uma luta segregada dos outros problemas sociais, mas uma verdadeira luta pela democracia: “nesse momento é importante a gente se juntar para combater o fascismo que está aí cada dia se colocando contra nos, nas ruas, nas redes, contra nós”, disse em entrevista ao programa de Mariana Godoy, na RedeTV. Em seu ultimo discurso, em Salvador, na sexta-feira 21, Sonia enfatizou a necessidade da união das lutas para combater o fascismo. “O fascismo mata, vamos resistir e reagir contra o avanço do conservadorismo!“, disse.
Há outras candidaturas indígenas de esquerda, que defendem os direitos de seus povos como direitos sociais de todas as minorias, e combatem o fascismo: Cristine Takuá, concorrendo a um mandato coletivo pelo PSOL em São Paulo; a cacica da aldeia Morro dos Cavalos, do povo Guarani Mbya, no coração do apartheid social de Santa Catarina, Kerexu, também no PSOL: Telma Taurepang, pelo PCB, para o Senado em Roraima, enfrentando um inimigo histórico dos povos indígenas, Romero Jucá; o cacique Aruã Pataxó, pelo PCdoB na Bahia, partido que tem também Mario Nicácio, em Roraima, entre outras e outros.
Não é de hoje a mobilização indígena junto da esquerda – mas há uma nova emergência, sem dúvida. No início da Nova República, no Acre, o cacique do povo yawanawá, Biraci Brasil Nixiwaka, então filiado ao PCdoB, concorreu para deputado federal em chapa ao lado de Chico Mendes. Em um discurso no mesmo palanque de Chico, gravado pelo documentarista inglês Adrian Cowell, Bira Nixiwaka criticou o desenvolvimentismo que destruía a Amazônia: “o asfaltamento da BR 364 é um perigo para os povos da Amazônia. Aonde estão os trabalhadores rurais. O governo da Nova Republica esta usando como moeda nas negociações com as grandes empresas multinacionais, banco de desenvolvimento”.
Se assusta “ver emergir o monstro da lagoa”, também é bonito de se ver, no mesmo estado onde Chico Mendes foi assassinado 30 anos atrás, surgir candidaturas como de Francisco Piyãko, liderança do povo Ashaninka. Bira Nixiwaka, junto de muitos outros caciques e lideranças seringueiras do Acre, estão com Piyãko, que concedeu uma breve entrevista, por telefone, falando das preocupações atuais nessas eleições.
Felipe Milanez: Qual o objetivo da sua candidatura?
Francisco Piyãko: Ela representa a luta dos povos, indígenas e não-indígenas, para a garantia dos seus direitos. Nós estamos seriamente ameaçados. Todas as nossas conquistas de direitos, nossos territórios, as nossas histórias, estão simplesmente sendo ameaçadas. Não só ameaçadas, mas com propostas claras de invasão dos nossos territórios, de enfraquecimento da nossa luta, de tirar a nossa identidade, de tirar aquilo que é de mais sagrado dos nossos povos. Essa candidatura não representa só um enfrentamento de manutenção de direitos de promoção dos povos indígenas, como também os segmentos mais vulneráveis da sociedade.
Quais os seus principais planos, enquanto liderança indígena da Amazônia?
O plano principal é proteger e combater o desmatamento, é proteger e combater a violência contar os povos da floresta. Não é uma questão só do Acre, é uma questão amazônica e do planeta. Eu sou aqui do Acre, sou de uma etnia, de um povo aqui do Acre, mas o impacto desse mandato tem que fazer a defesa de causas que ultrapassam essa fronteira de ser só do povo Ashaninka, ou de ser só dos povos indígenas ou do povo do Acre. É amazônico.
Outra questão é que as cidades aqui no Acre são cidades dentro da floresta. Temos que pensar os modelos sustentáveis de cidade, pensar valores que não são discutidos nesse formato. Se vê muito forte um atrito, uma guerra, entre cidade e floresta, coisas que poderiam caminhar juntas. É preciso fazer com que essas causas sejam de todos nós. O impacto de uma floresta dessa magnitude destruída vai atingir a população das cidades.
O impacto da perda da biodiversidade, dos povos quando eles deixarem de existir, afeta a todos. É o equilíbrio nessa diversidade de povos, de conhecimento, que tem uma importância grande. É preciso entender esse significado. É preciso estar na formação da juventude, nas universidades, nas instituições de ensino, estar compreendido pelos políticos e poder público. Todo mundo ganha com isso. A falta de entendimento, de sensibilidade desses valores, da importância da união de todos, é que faz ter uma sociedade com tanta injustiça, com tanta pobreza, com tanta guerra, com tantos conflitos, onde a juventude não sabe para onde ir.
Vamos ter mais um instrumento para lutar: o fortalecimento e o empoderamento dos movimentos sociais, seja indígena ou não-indígena, das categorias de base, dos segmentos da sociedade, das crenças. A gente precisa construir um outro conceito, e a política precisa se renovar e inovar.
Sua candidatura tem apoio de pessoas próximas a Chico Mendes, que liderou a Aliança dos Povos da Floresta, junto de Ailton Krenak, e também surgiu de um movimento de base local, mas ganhou uma dimensão global. Qual a relação?
Chico Mendes foi um grande líder, um porta voz que todos nós temos como referência. Chico Mendes não pensava só em criar as reservas, ele discutia sempre o modelo de desenvolvimento sustentável. As bandeiras de luta não eram o atraso, era buscando segurança, educação, e o desenvolvimento sem perder de vista os valores da tradição da floresta. É o que eu faço no dia a dia junto ao nosso povo Ashaninka.
A gente precisa fazer novamente uma aliança de um movimento aonde a gente possa ter mais autonomia. Se não, nós vamos ser escravos novamente. Estamos correndo um risco muito grande de perder as nossas conquistas. Creio que o momento agora é de união dos povos. Não vamos entregar as nossas conquistas.
A nossa floresta em pé é importante, nossa biodiversidade é importante, a nossa diversidade de conhecimento de povos da floresta é importante. Isso não tem negócio, é a nossa vida e eu vou buscar todos os dias. As bandeiras estão muito claras. Proteger, garantir, manter, essas conquistas históricas é um objetivo. E nos fortalecer, promover o desenvolvimento sustentável dessa população, é necessário nesse momento.
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